Poesia

BIANCO&NERO

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração – “Bianco&Nero”. Original
do Autor para este poema. Julho de 2018.

Desenho_BranconoNegroRecorte

Bianco&Nero. JAS, 2018.

 

ENTRE O BRANCO
E O NEGRO
Quis desenhar
A tua alma
Na flor que,
Num acaso,
Encontrei, perdida,
No jardim
Da minha vida...

 ATRÁS DE TI,
Ou em fuga,
Já nem sei,
Gastara
Todas as cores do
Arco-íris
Que tinha
Dentro de mim.

 SOBRARA-ME
Uma marmórea
Nébula negra
De travertino
Onde me revia
Como espelho
Oracular,
Curvado sobre mim, 
Escuro na alma,
Por falta
Das cores exuberantes
Que me protegiam
Do frio glacial
Do teu silêncio.

 SOPREI FORTE
Com a alma
Desnuda
E a flor branca
Foi pousar suavemente
Nesse mármore
Liso e brilhante
Da catedral
Onde te celebrava.

 E FICASTE ASSIM,
A branco e negro,
Em tinta-da-china
Esparsa,
Derramada
Sob a alvura
Do sol brilhante
Em que te via...
.................
Como uma flor!

 ESCULPI-TE
Como filigrana
De ouro preto
Sobre branco-pérola,
Aurífice da tua
Alma sedutora
No coração
Alvoraçado
Dessa flor
Que guardei
Com o teu nome
Gravado
Em letras invisíveis...

 CRIEI PARA TI 
Alvas incrustações
Sobre filigrana
Negra
Como marcas
Indeléveis
Da arte
Que um dia
Me visitou
Na celebração
Da tua beleza.

 E AGORA,
A olhar para
O branco e o negro
Deste cântico
Desenhado,
Ofereço-te
Este poema
Sobre pintura
Imaculada
Onde te celebro
Com beleza
Minimal,
Na cor
E na forma,
Sem fronteiras,
E onde
Te reinvento,
Em fuga,
Como esse subtil
Fio branco
Que esvoaça,
Livre,
No marmóreo céu
Do teu altar...

 A ÂNCORA, ESSA,
A sul,
Desliza
Suavemente
Sobre ti 
E dilui-se na 
Negra vastidão...
 
EVOCO-TE, ASSIM,
A branco e negro
E canto-te
Como alma em
Filigrana
De ouro preto
Em repouso sobre
O branco-pérola
Dessa flor
Que, um dia, 
Encontrei
No jardim
Da minha vida...

Desenho_Bianco&Nero_Recorte

 

Poesia

NOSTALGIA

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Nostalgia”. Original
do Autor. Junho de 2018.

JAS_Nostalgia24R

"Nostalgia". Jas. 2018
RÁPIDA COMO O VENTO
Passou por mim
Essa palavra saudade
Numa rua do meu bairro
Sob o céu desta cidade.

 GRAVEI-A NA
Minha mente,
Evoquei-a
Ao crepúsculo,
Com incerta
Nostalgia...
..................
Não queima tanto,
A palavra,
Porque a sinto
Mais fria!

 COM CESÁRIO,
Dei-lhe cor
E canto-a
Como pintura,
Dei-lhe vida
Num romance,
Tento tudo
O que não posso
Porque esta dor
Me perdura...

DA SUA COR
Vejo o mundo,
Com palavras
A recrio,
Procuro sempre
O teu rosto...
..................
E por mais longe
Qu’estejas
Eu não me sinto
Vazio.

 A DOR DESTA
SAUDADE
Alimenta-me
A alma
E aquece a minha
Vida...
E assim eu vou
Vivendo
Em eterna
Despedida,
Neste cais
Que não tem fim,
Em partida
Que não há,
Um adeus que não
Me dizes,
Porque tu
Nunca saíste
Deste meu
Lado de cá.

 MAS HÁ SEMPRE
Esta saudade
A que chamo
Nostalgia!
Vivo em tristeza
Feliz
Porque te sinto
Em cada dia.

 NÃO TE TENHO,
Mas não te perco,
Estás longe,
Perto daqui,
Não te encontro
Nem te vejo,
Mas sei que não
Te perdi...

INSPIRA-ME, A
NOSTALGIA...
Recrio-te em cada
Instante!
Sou poeta,
Sou pintor
E também sou
Arlequim...
...............
Por isso vejo
O teu mundo
A partir de um
Camarim!

 ESCULPO
TEU ROSTO
Com palavras
Do meu peito,
Pinto-me a alma
D’azul,
Voo contigo
Em sonho
E o destino
É sempre o sul...

 LEVO COMIGO
PINCÉIS
E as asas
Do poeta.
Danço.
Sou arlequim.
Pinto-me nesta
Ribalta
Com as cores
Que vês
Em mim!

 SEM TI
NESTA RUA
Da saudade
Sou palhaço
Em camarim
Que maquilha
O seu rosto
Para um palco
Sem fim...

 REPRESENTA
PARA TI
Sem saber
Se lá estás...
...........
A verdade
Já não lh'importa,
É feliz com
O que faz!

 ASSIM VIVE
O ARLEQUIM.
No palco,
É só arte
O seu fazer,
É dádiva que ele
Te entrega
Como modo
De viver!

JAS_Nostalgia24Rrecorte

 

Poesia

O  J A S M I M

Poema de João de Almeida Santos. 
Ilustração original do autor: “Rapsódia”. 
Junho, 2018.

JAS_Rapsódia.Final170618jpg

 FLORESCEU O JASMIM!
Dele jorra Poesia,
Embriaga-me 
O aroma...
Renovo-me 
Em fantasia!

 DAS PALAVRAS
Vou à cor,
O seu perfume 
Ilumina,
Bate o sol 
Em suas pétalas,
É luz intensa 
Que brilha
No poema que 
Germina!

 JÁ NÃO É SÓ
O Loureiro!
Agora canto 
O Jasmim!
É tão intenso 
O aroma
Que se renova 
Em mim!

 INUNDO-ME
De palavras,
Canto 
Esse mundo
Da cor,
Subo ao céu 
Com tuas asas,
Vai comigo
Esta dor...

 SOU ÍCARO
Lá no alto...
..............
E se o sol 
Me bate forte
Caio em mim 
Do meu poema
E no chão 
Fico sem norte...

 PEÇO AJUDA
À montanha...
Volto a subir, 
Que alegria!
Foi nela 
Que eu nasci
E sou feliz
Lá no alto, 
Nem que seja 
Por um dia!

E LÁ TENHO
O Jasmim
Mesmo ao lado do
Loureiro...
.................
Respiro fundo 
Até à alma
E torno-me
Jardineiro!

E ASSIM EU VOU
Vivendo 
No jardim da
Minha vida
Em poemas
E pintura...
............
E se a dor
Não tem remédio
Que seja esta 
A cura!   

JAS_Rapsódia.Final170618jpgCorte

Poesia

A  C H A V E

Poema, em dois andamentos, de João de Almeida Santos, criado a partir
de um poema/comentário de Ana de Sousa sobre “A Porta”.
Ilustração: “Uma Casa No Jardim”. Original (com citações de obras de 
Gustav Klimt) de minha autoria, para este Poema. Junho de 2018.

UmaCasaNoJardim_3_1006

MOTE
“Como uma fonte, / Como uma ave... / No horizonte, / Sempre uma 
chave! / Sempre um segredo, / Não revelado, / Poema e quadro: / 
Sonho velado / Escreve pintor. / Pinta poeta. / A vida é cor, / Dor 
e amor / E tu, alerta!” 
Ana de Sousa

UmaCasaNoJardim_3_1006corte2

A  C H A V E

I.

PINTO E CANTO
O meu destino. 
Sonhos velados, 
A minha vida...
.................. 
 Perdi a chave
Do meu futuro 
E só me resta 
A despedida! 
 
 POR ISSO CANTO
Com as aves, 
Voo mais longe 
E com mais cor 
Porque no céu 
Há mais azul 
E nos meus sonhos 
Há menos dor!

 HÁ UM SEGREDO
Não revelado...
Se o dissesse
Não deveria 
Porque dizê-lo
Era pecado
E certamente
Até mentia!

E NÃO O DISSE,
Mas eu pequei
Com murmúrio
Apaixonado
Em poemas
Inocentes 
Por que fui
Tão castigado!

 POR ISSO VOO
Sempre mais alto,
Trepo nas cores
P’ra lá chegar,
O céu azul
Dá-me alento
Para mais alto
Poder voar
E meus segredos
Dissipar... 

 LEVO PALAVRAS 
Comigo,
Procuro inspiração. 
Levo cor,
O meu abrigo, 
Levo musas
E tudo o mais...
...................
E quando parto
Lá p’ra cima
É sempre festa
No cais.

 LEVO-TE A TI.
E deste jeito!
Sim, meu amor,
Para que sinta
Lá bem no alto
Ar rarefeito
E menos peso
Na minha dor!

 EU CANTO 
E pinto
Por tudo isto,
P’ra resgatar
O pecado
De exaltar
Esse teu rosto,
Iluminar
Em aguarela
Esse enleio
Do meu olhar, 
Por te ver
Na nossa rua
Debruçado 
Na janela
Com vontade
De pintar.

 II.

 POR ISSO CANTO, 
Por isso pinto,
Por isso voo
Lá para o alto...
...................
Já não os vejo,
Já não os ouço
E já não vivo
Em sobressalto.

 MAS VEM COMIGO,
Eu dou-te asas,
O infinito
No céu azul,
Voamos juntos
Ao mesmo tempo
E o nosso rumo
Será o Sul.

 VÁ, VEM COMIGO,
Voa mais alto,
Ah!, meu amor,
Se tu vieres
Eu já não sofro
E vai-se embora
A minha dor! 

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Artigo

O NACIONAL-POPULISMO

 já tem um ideólogo – Steve Bannon

(nova versão)

Por  João de Almeida Santos

 

Ilustração: "INSOMNIA" - Cartaz da digressão do fundador e "Garante" 
do MoVimento5Stelle, Beppe Grillo (publicado no seu Blog), por Itália.
Uma narrativa sobre a sua vida.

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«È in corso una guerra tra due mondi. Tra due diverse  concezioni 
della realtà». [Guerra] «nascosta dai media,  temuta dai politici, 
contrastata dalle organizzazioni  internazionali, avversata dalle 
multinazionali». «Questa  guerra totale (…) è dovuta alla diffusione 
della rete».  «I giornali stanno scomparendo, poi verrà il turno 
delle  televisioni… tutta l’informazione confluirà in rete e  
chiunque potrà diventare prosumer, ossia al tempo stesso  produttore
e fruitore dell’informazione». «La partecipazione  diretta dei 
cittadini alla cosa pubblica sta prendendo il posto  della delega 
in bianco». 

Gianroberto Casaleggio e Beppe Grillo 
Siamo in guerra. Per una nuova politica 
(Milano, 2011, pp.3-4). 

“Non esistono destra e sinistra, esiste il popolo contro le élite”. 

Matteo Salvini 

“Mr. Bannon said he told Mr. Salvini, 'You are the first guys who can
 really break the left and right paradigm. You can show that 
populism is the new organizing principle'”. 

Steve Bannon  (O ideólogo do soberanismo americano), segundo o 
New York Times de 01.06.2018.

 

O ARTIGO

(Versão actualizada, revista e aumentada)

ITÁLIA JÁ TEM UM GOVERNO, com um Presidente do Conselho (é assim que se chama) indicado pelo M5S, Giuseppe Conte, Professor de Direito acusado de ter retocado – em cinco casos –, com muita imaginação, o seu currículo académico, mas, mesmo assim, indigitado duas vezes e, finalmente, nomeado pelo Presidente Sergio Mattarella. Tomou posse no Palazzo del Quirinale no dia um de Junho e ontem mesmo fez o seu primeiro discurso no Senado, tendo obtido a 171 votos a favor e 117 contra. Hoje será a vez da Câmara dos Deputados se pronunciar. Vice-Presidentes Luigi di Maio (líder político do M5S, com a pasta do Desenvolvimento Económico e do Trabalho) e Matteo Salvini (Líder da Lega), com a pasta da Administração Interna (Ministero dell’Interno). 18 os Ministros (7 do M5S, 6 da Lega – contando, neste caso, o Secretário de Estado da Presidência – e seis técnicos). Cinco as mulheres, em Ministérios politicamente importantes: Saúde, Defesa, Administração Pública, Assuntos Regionais, Sul. Este governo dispõe de maioria absoluta quer na Câmara dos Deputados quer no Senado.

Chega, assim, a 88 dias do voto, a bom porto um processo que já se adivinhava e que estava escrito, não nas estrelas, mas na realidade política italiana. Os partidos de formato clássico, e em particular o Partido Democrático (PD), não resistiram a um partido de novo tipo, digital e neopopulista, como o MoVimento5Stelle e ao avanço político da xenofobia, pela mão da LEGA de Matteo Salvini. A diferença eleitoral que se verificou nas eleições do passado 4 de Março entre aquele partido (M5S) e os outros foi, no caso do PD, de 14 pontos, no caso da LEGA, de 15 pontos, e, no caso de Forza Italia, de 18 pontos. A derrota de Renzi no referendo constitucional e a cisão promovida por D’Alema ajudaram à queda do PD e ao avanço do M5S. O populismo venceu em Itália por maioria absoluta. Começa agora o segundo e mais difícil “round”, o governativo. A LEGA sai muito reforçada nesta solução governativa, atendendo à sua dimensão eleitoral.

 

POPULISMO

Na verdade, ambos os partidos que integrarão o governo italiano são partidos populistas, um, de tipo clássico, a LEGA, e, o outro, neopopulista, o M5S, com uma base social totalmente diferente da base social tradicional do populismo, o povo da Rede. Este último submeteu o “Contrato de Governo para a Mudança” a votação na plataforma do M5S, Rousseau (e não por acaso se chama assim, vista a posição negativa do contratualista francês sobre a ideia de representação política). Ambos são contra o establishment e proclamam a necessidade de devolver o poder ao povo. Matteo Salvini: “Non esistono destra e sinistra, esiste il popolo contro le élite”! É correcto, pois, dizer que os populistas, de dois tipos diferentes, chegaram ao poder em Itália. Anti-establishment, nacionalismo, liderança carismática e oracular, mitificação do povo contra a representação, democracia directa contra o poder da “casta”, anti-imigração, que é o modo de ser contra o diferente, o outro, dúvidas sobre a União Europeia, discurso fortemente ético, reforço da segurança – são os principais pontos que os caracterizam. No caso do M5S, a reivindicação da democracia directa é mais clara e fundamentada. Steve Bannon, o ideólogo do populisno de marca Trump, unifica estas duas fórmulas e chama-lhe, numa fórmula que é todo um programa, “nacional-populismo”, referindo-se a Itália como o coração da “nossa revolução”, precisamente a revolução nacional-populista.

 

O “CONTRATO DE GOVERNO PARA A MUDANÇA”

Fui ler o programa de governo assinado pelos dois partidos e encontrei lá de tudo. E começo pelo mecanismo que encontraram para dirimir os desentendimentos ou resolver as omissões do Contrato de Governo, o Comité de Conciliação, fórmula que consta dos Tratados da UE, se não erro desde Maastricht (1993), para mediar na resolução de questões que surjam entre o Parlamento Europeu e o Conselho de Ministros. Assim mesmo: Comité de Conciliação. Nem de propósito – uma importação política directa dos Tratados. Só que este é um Comité sui generis: integra o Presidente do Conselho, os dois líderes da coligação governativa, os Presidentes dos Grupos Parlamentares dos dois partidos e o ministro que tutelar a matéria em causa. Estranho, não é? Sim, por várias razões. Em primeiro lugar, porque representa uma mistura de instâncias que não se podem misturar (privado e público), numa óptica institucional, de Estado. Em segundo lugar, porque toma decisões (por maioria de dois terços), não se confinando a órgão consultivo. Em terceiro lugar, porque confisca competências que só podem pertencer ao governo. Numa palavra, introduz um organicismo que não é compatível com a natureza do sistema representativo. Em boa verdade, agora que os líderes dos dois partidos ocupam a Vice-Presidência o órgão só integrará, na realidade, membros do sistema institucional, embora lá estejam a título de líderes políticos, como previsto no “Contrato”.

Depois, o programa propriamente dito:

  1. introdução da flat tax, com valores que variam entre os 15% e os 20% (pessoas físicas, IVA, empresas e famílias, com um sistema de deduções para garantir a progressividade dos impostos);
  2. aposta na green economy;
  3. desincorporação da despesa para investimento público do défice.
  4. luta para que os títulos de Estado dos países da zona euro já adquiridos pelo Banco Central Europeu através da operação do quantitative easingsejam excluídos do cálculo da relação dívida-PIB;
  5. rendimento de cidadania para os carenciados no valor de 780 euros (por pessoa), com limite temporal de dois anos, e pensão de cidadaniaque compensa as pensões inferiores a 780 euros;
  6. reforma do sistema pensionístico: reforma a quem atinge quota 100 na soma idade+contribuições. E reforma a quem contribuiu 41 anos. 58 anos para as mulheres com 35 anos de descontos;
  7. drástica redução do número de deputados e de senadores: quase para metade, para 400 e 200, respectivamente;
  8. introdução de mecanismos de democracia directa, como a revisão da legislação que regula o instituto do referendo (referendo “abrogativo” reforçado, referendo propositivo, fim da exigência de quorum); iniciativa popular reforçada e introdução de formas de vínculo de mandato.
  9. cidadania digital gratuita desde o nascimento;
  10. proibição perpétua de desempenho de funções públicas para os corruptos e intensificação das penas;
  11. recondução do regime previdencial ao regime comum e anulação das reformas superiores a 5.000 euros (líquidos) dos dirigentes (politicos) da Administração Pública, sem fundamento contributivo.
  12. rediscussão dos Tratados UE e do quadro normativo principal e reforço dos poderes do Parlamento Europeu e das Regiões.
  13. prevalência da constituição italiana sobre o direito comunitário;
  14. repartição equitativa dos pedidos de asilo pelos países da UE;
  15. endurecimento das políticas de imigração (com corte de 5 mil milhões já anunciado pelo Ministro da Administração Interna, Matteo Salvini);
  16. fim das sanções à Rússia, partner internacional.

Estes os pontos programáticos principais que constam do documento assinado pelo M5S e pela Liga.

 

DUAS CURIOSIDADES

  1. Não podem fazer parte do governo os membros da maçonaria e os que tenham conflito de interesses relativamente às respectivas tutelas;
  2. citada uma constituição, neste documento, a propósito da introdução de vínculos de mandato necessários para quem defende a democracia directa: a portuguesa, no seu artigo 160, alínea c), que prevê perda de mandato para os que “se inscrevam em partido diverso daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio”. Esta alínea da nossa constituição é invocada a propósito da democracia directa, no que eu julgo ser um erro do legislador português porque ela nega o essencial do sistema representativo, ou seja, uma mudança de estatuto do representante no plano privado (que não é crime, nem punível por lei) é condição suficiente para revogar um mandato que se situa num plano superior, anulando a pedra-de-toque da representação, ou seja, a natureza do mandato, neste caso, não-imperativo.

 

POLÍTICA

Mas vejamos aquilo que mais directamente toca o sistema, ou seja, as medidas de carácter mais político: cidadania digital à nascença e gratuita para todos; referendos “abrogativo” (com capacidade revogatória) e propositivo sem necessidade de quorum estrutural para serem válidos; obrigatoriedade de pronúncia do Parlamento sobre as propostas de lei de iniciativa popular e respectiva calendarização; introdução de vínculos de mandato que permitam a sua revogação; órgão de decisão para-institucional, regido pela norma da maioria qualificada, sobre a acção governativa.

Não é grande coisa, mas indicia uma tímida mudança na gestão do poder. O que já se previa pelas exigências inerentes ao governo de um grande país que faz parte da União Europeia. O que, por outro lado, torna claro que uma coisa é a disputa eleitoral para a conquista do poder e a outra é a gestão do poder, como em breve acabaremos por ver em face da prática governativa que agora começa. E talvez seja aqui que morre a novidade. Pelo menos, em relação à anterior experiência dos governos Berlusconi, com a presença quer da Liga quer da Aliança Nacional, pós-fascista, agora em relativa regressão. O próprio partido Forza Itália era um partido com muitas semelhanças ao populismo e não só pela dominância de um líder carismático, ao ponto de um intelectual como Norberto Bobbio” dizer que, de certo modo, Berlusconi representava uma espécie de “autobiografia da nação, da Itália de hoje” (Bobbio, Contro i nuovi dispotismi. Sritti sul berlusconismo, Bari, Dedalo, 2008, 16). Também porque se apresentava como anti-sistema, contra os “politicanti senza mestiere”, os politiqueiros sem profissão. Na verdade, as diferenças são menores do que se pode pensar à partida. É claro que os governos Berlusconi eram governos de elite, conservadores, mas de marca ainda convencional, não obstante algumas novidades introduzidas pela sua filosofia de gestão. Neste, estamos perante uma LIGA mais radical (apesar da fórmula de Umberto Bossi, “Roma ladrona, la Liga non perdona”, apanhado ele próprio – e o filho – a pôr a mão na massa, depois, claro, da experiência governativa… em Roma) e com características de partido nacional. Mas sobretudo estamos perante um partido de novo tipo – O M5S, partido digital – que funciona na base da plataforma Rousseau, onde o povo da rede se exprime, toma iniciativas políticas e vota. Neste caso, também existe uma figura carismática que tutela o M5S e que se mantém um pouco distante da azáfama política, Beppe Grillo, delegando a função de executor político, neste momento, a Luigi di Maio. Na verdade, o M5S surge como partido interclassista que, tal como a LEGA, e em geral os populismos, rejeita a dicotomia esquerda-direita, porque a verdadeira clivagem não é horizontal, mas vertical, ou seja, é entre o povo e as elites.

 

IDEOLOGIA

“Nacional-Populismo”. Não há dúvidas de que este movimento triunfou em Itália. Com duas versões diferentes, sem dúvida – uma, populista e, a outra, neopopulista – mas com uma mesma inspiração, varrer a classe política tradicional, em nome do povo, e reafirmar a centralidade da nação. Já tínhamos visto isto no discurso de Trump: contra Washington e a establishment mediático e “America first! America first!”. E, agora, a consolidação ideológica desta onda parece estar a ser garantida pelo ideólogo do trumpismo, Steve Bannon, que assentou praça em Itália, com o estandarte do “nacional-populismo”. Ouçamo-lo, já depois de os populistas terem ganho as eleições, mais propriamente em Milão, a 11 de Março (data da publicação da entrevista a La Stampa): “CinqueStelle e LEGA são em Itália o coração da nossa revolução”; “expressões diferentes, fenómeno único nacional-populista o meu sonho é vê-los governar juntos. Salvini será a força propulsora”; “o nacional-populismo põe ao centro os indivíduos, a classe média, privada de trabalho e de bem-estar por dois factores convergentes, o livre comércio e os migrantes”. Todo um programa na fórmula do “nacional-populismo”, glosa de uma corrente de má memória. Povo, Nação e o controlo do Estado (antes, capturado pelas elites) pela Cidadania – a fórmula. Di Maio: “Da oggi lo Satato siamo noi” – uma afirmação equívoca e perigosa, visto que o Estado em qualquer regime democrático está acima da classe dirigente do momento. A não ser que o “noi” se refira ao povo, numa inadequada identificação entre governantes e governados. E é aqui que reside a dificuldade, vistos os procedimentos e os mecanismos de gestão do poder. Todo um mundo que vai da democracia representativa até à democracia directa, passando pela democracia deliberativa. E, claro, sabendo a pouco – para tanta retórica política de libertação – os mecanismos de democracia directa previstos no “Contrato de Governo”. O que, de algum modo, nos pode levar a concluir que este “nacional-populismo” pouco mais é do que a afirmação da uma sua superioridade moral. Que, de resto, começou mal com as mentirolas de Giuseppe Conte e que continua com as dúvidas sobre a Ministra da Defesa ou com os gostos pelo offshore de Matteo Salvini (veja-se “L’Espresso”, de 01.06.18). É que já se sabe que pela ética morre sempre o moralista.

Bannon, conhecido também por estar implicado no uso de informações do Facebook, através da Cambridge Analytica, a empresa controlada pelo milionário americano Robert Mercer, da qual Bannon foi, entre 2014 e 2016, Vice-Presidente, aparece agora, depois de afastado por Trump da Administração americana, a assumir o papel de teórico e operacional do “nacional-populismo” triunfante em Itália. E a verdade é que o seu sonho, manifestado em Março, acabou de ser, a 1 de Junho, concretizado com a tomada de posse do novo governo italiano, formado pelo M5S e pela LEGA, tendo como Vicepresidentes do Conselho precisamente os respectivos líderes, Luigi di Maio e Matteo Salvini.

“A nossa revolução”, diz, referindo-se a Itália, definida já como “a força propulsora do nacional-populismo”! Não é coisa de pouca monta se percorrermos o panorama europeu à procura de movimentos desta natureza, ainda que com características diferentes, à esquerda e à direita. Já vimos o que aconteceu com Rajoy e o Partido Popular, em Espanha, afastados do poder simplesmente porque já não era tolerada a sua prática governativa. Nas sondagens, Ciudadanos surge como a primeira força política e Unidos Podemos como segunda. Trata-se de partidos de novo tipo. Em França, Marine Le Pen reforçou a sua posição e mais teria acontecido se o voto não tivesse sido, inesperadamente, interceptado por Emmanuel Macron, que, num ano, criou o “En Marche!” e conquistou o Eliseu, a Assembleia Nacional e Matignon. Na Hungria, o populista Viktor Orbán (Fidesz) chefia o governo. O mesmo acontece na Polónia. Na Alemanha, pela primeira vez, Alternative fuer Deutschland sobe aos (quase) treze por cento e, pela primeira vez, elege 94 deputados ao Reichtag,l tornando-se a terceira força política alemã. No Reino Unido venceu o Brexit, com um discurso de natureza nacional-populista, brandindo os temas-chave desta doutrina. E por aí em diante.

Vimos que no “Programa de Governo para a Mudança” a questão da Rússia é directamente abordada com a defesa do fim das sanções e a assunção de uma relação de parceria económica e comercial e de segurança, em parceria com a NATO e a UE (ponto 9 do Contrato). O que é curioso é que este aspecto já era abordado como sendo de dimensão estratégica por Bannon na entrevista de Março: «A Rússia pertence ao nosso mundo euroamericano que deve, pelo contrário, proteger-se dos verdadeiros adversários, ou seja, da China, do Irão e da Turquia”, a “rota da Seda”, de Xi Jinping, que une estes países estranhos à cultura judaico-cristã. Coincidência? Ou as afinidades electivas já começaram a ser operacionalizadas?

Também na posição em relação à UE as posições são muito, demasiado parecidas. Vejamos o que se diz no ponto 28 do “Contrato”: “ É necessário reforçar o papel e os poderes do Parlamento Europeu, enquanto única instituição europeia a exibir uma legitimidade democrática directa e avaliando contextualmente a limitação dos poderes (depotenziamento) dos organismos decisores que não dispõem de tal legitimidade”. O que diz Bannon: o objectivo da revolução “consiste em reforçar os cidadãos e as suas nações, enfraquecendo as supraestruturas que os vexam e taxam como a UE e o BCE”. Ou, ainda, Bannon: «no futuro de Itália está a LEGA, que retirará votos do Sul aos cinco-estrelas graças às posições sobre os migrantes”. E o neoministro do interior, Salvini já está a cumprir, desde as inúmeras e duríssimas declarações sobre os migrantes até à sua simbólica deslocação à Sicília logo no início do seu mandato. Uma orientação que se tornará certamente um dos pilares deste governo (promovida sobretudo pelo Ministro do Interior), na medida em que é também um dos pilares da visão global do “nacional-populismo”. A situação já mereceu um duríssimo ataque do editorialista do “New York Times”, Roger Cohen: “disgust” foi a palavra usada, perante os papéis desempenhados pela LEGA (“xenófoba”) e pelo M5S (“anti-sistema”) – “In short, I see nothing in the League or the internet-propagated Five Star Movement that does not cause me disgust”. O que já motivou uma réplica de indignação de Salvini: “Ataque do NyT? Mais lama dos poderes fortes, estou orgulhoso”.

Importa, pois, seguir as políticas que serão implementadas por este governo para verificar a consistência e a robustez da ideologia “nacional-populista” perante as exigências da concreta governação no contexto da União Europeia. Uma coisa é certa: este governo não ajudará a resolver a grave crise que afecta a União. Mas também é certo que a UE constituirá uma séria barreira a uma eventual deriva política da Itália do “nacional-populismo”. Só que os problemas da União começam a avolumar-se tanto que um dia poderá ser ela própria pagar.

 CONCLUSÃO

 Portanto, dois andamentos. O primeiro, a conquista do poder. O segundo, a governação, o exercício do poder. E é aqui que nos devemos concentrar, conhecendo nós o que aconteceu ao Syrisa, na Grécia. Não será caso de dizer, desde já, que agora o establishment, ou “a casta”, são eles, como já disse Matteo Renzi. Mas é certo que eles próprios já proclamam uma perigosa e errada identificação com o Estado. É seguir as políticas da equipa governativa (um terço são técnicos), a aplicação do programa/contrato, em especial nos pontos mais inovadores e mais fracturantes, e a forma como irão gerir o poder (com base na negociação ou no diktat). São estas as três variáveis a analisar com atenção desde já, agora que o governo acaba de arrancar com a tomada de posse, no dia 1 de Junho de 2018, com a aprovação do Senado e com a esperada confirmação da Câmara dos Deputados, hoje, dia seis de Junho de 2018.

 

Poesia

A PORTA

Poema, em cinco andamentos,
de João de Almeida Santos
Ilustração: “A Porta”. Original de
minha autoria. Junho de 2018.

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¡Qué trabajo nos cuesta / traspasar los umbrales / 
de todas las puertas! / Vemos dentro una lámpara / 
ciega / o una niña que teme / las tormentas. / La puerta 
es siempre la clave / de la leyenda. / Rosa de dos pétalos 
/ que el viento abre / y cierra. 
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     Federico García Lorca, 1921     

 

O POEMA  

I.

BATI LEVE,
Levemente
A esta Porta
Com as cores 
De um jasmim.
Silêncio,
Foi o que ouvi
Sem espanto
Do princípio
Até ao fim!

 UM BRILHO
Tímido, 
Reflexo morno,
Insinuou-se 
A meu incerto 
Olhar 
Como fronteira
Murada 
Que não podia
Passar…

 O IGNOTO
Inacessível
Agigantou-se,
Então,
A esta alma
Dorida 
Que levo na minha
Mão
Ao oráculo
Do destino,
Esse meu porto
De abrigo
Que visito 
Em oração!

 II.

 ILUMINADA
Por jasmim
Em generosa
Cascata,
Esta porta 
É espessa
E reluz...
............... 
Mas é opaca!

 TALVEZ SEJA
De sacrário
Que guarde
Corpo
De deusa
Nesses remotos
Confins
De um tempo
Já passado
Ou parede
De templo
Inabitado
Sem assombros 
Ou quimeras...
...............
Só silêncio
De catedral
Com seus ecos 
Em surdina!

III.

 Vês porque
A celebra, 
Essa porta,
E a veste de cores
Luminosas 
O imponente
Jasmim
Com a brilhante 
Cascata
Donde brota
O meu jardim?

 FOSSE ELA,
TRANSPARENTE...
Raios de sol,
Feixes de luz
Entrassem
Adentro dela,
Vítrea
Como janela,
E eu seria 
Feliz!

 VOARIA
Ao infinito
Até me perder
Deslumbrado
No seu imenso 
Azul 
Como cometa
Fugaz
Do nosso céu
Estrelado...

 MAS HÁ SILÊNCIO
Frio
Do lado de lá
E eu tropeço
No vazio
Até cair 
No verde
Esparso
E vago
Da esperança,
Exausto 
De tanta 
Opacidade
Sofrer...
.................
Sem um tempo
De bonança!

IV.

 SABES, MEU AMOR,
Esta porta,
Afinal, 
Não é
Entrada 
P’ra ti,
Porque o nada
Fica do lado
De lá...
...............
Visto daqui!

 SIM, VEJO-O,
Agora
Que te escrevo
Esta carta
Sob a forma
De poema,
Fingindo que
Sofro o que 
Sinto
Como suave
Perfume de 
Palavras que 
Me faltam
Para um dia
Te dar.

 ESSA PORTA 
És tu,
Ombreira
Da minha 
Inspiração,
Tímido e morno
Reflexo 
(O dessa porta
Fechada)
Que ainda 
Ilumina 
O que me sobra 
De nós
E me sabe 
A oração.

V.

 NO POEMA
Quero pintar 
A tua soleira
Porque não ouso
Passar 
Essa fronteira
E desvendar
O mistério 
Que se vai
Insinuando
Do outro lado
De ti…
..............
Esse que eu
Sempre,
Tu bem sabes,
Desconheci!

 QUE O MISTÉRIO 
Permaneça,
Então,
Porque é esse
O meu encanto
E a força
Da minha
paixão!

 VÊS, PORQUE
TE ENFEITEI
A antecâmara
Com cores,
Luz e palavras...
..................
Que nem tu
Entenderás?

 

 

Artigo

O POPULISMO NO PODER

João de Almeida Santos

Ilustração: Cartaz da digressão do fundador do MoVimento5Stelle, 
Beppe Grillo (e publicado no seu Blog), por Itália - uma narrativa 
sobre a sua vida.

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«È in corso una guerra tra due mondi. Tra due diverse 
concezioni della realtà». [Guerra] «nascosta dai media, 
temuta dai politici, contrastata dalle organizzazioni 
internazionali, avversata dalle multinazionali». «Questa 
guerra totale (…) è dovuta alla diffusione della rete». 
«I giornali stanno scomparendo, poi verrà il turno delle 
televisioni… tutta l’informazione confluirà in rete e 
chiunque potrà diventare prosumer, ossia al tempo stesso 
produttore e fruitore dell’informazione». «La partecipazione 
diretta dei cittadini alla cosa pubblica sta prendendo il posto 
della delega in bianco».

Gianroberto Casaleggio e Beppe Grillo
Siamo in guerra. Per una nuova politica.
(Milano, 2011, pp.3-4).

“Non esistono destra e sinistra, 
esiste il popolo contro le élite”.

Matteo Salvini

“Mr. Bannon said he told Mr. Salvini, 'You are the 
first guys who can really break the left and right 
paradigm. You can show that populism is the new 
organizing principle'.”

Stephen Bannon 
(O ideólogo do soberanismo americano),
segundo o New York Times de 01.06.2018.

 

ARTIGO

É OFICIAL. Itália já tem governo com um Presidente do Conselho (é assim que se chama) indicado pelo M5S: Giuseppe Conte, Professor de Direito acusado de ter retocado – em cinco casos – com muita imaginação o seu currículo académico, mas, mesmo assim, indigitado duas vezes e, finalmente, nomeado pelo Presidente Sergio Mattarella. Acaba de tomar posse no Palazzo del Quirinale. Vice-Presidentes Luigi di Maio (líder político do M5S, com a pasta do Desenvolvimento Económico e do Trabalho) e Matteo Salvini (Líder da Lega), com a pasta da Administração Interna (Ministero dell’Interno). 18 os Ministros (7 do M5S, 6 da Lega – contando o Secretário de Estado da Presidência – e seis técnicos). Cinco as mulheres em Ministérios politicamente importantes: Saúde, Defesa, Administração Pública, Assuntos Regionais, Sul. Este governo dispõe de maioria absoluta quer na Câmara dos Deputados quer no Senado.

Chega, assim, a 88 dias do voto, a bom porto um processo que já se adivinhava e que estava escrito, não nas estrelas, mas na realidade política italiana. Os partidos de formato clássico, e em particular o Partido Democrático (PD), não resistiram a um partido de novo tipo, digital e neopopulista, como o MoVimento5Stelle. A diferença eleitoral que se verificou nas eleições do passado 4 de Março entre este partido e os outros foi, no caso do PD, de 14 pontos, no caso da LEGA, de 15 pontos, e, no caso de Forza Italia, de 18 pontos. A derrota de Renzi no referendo constitucional e a cisão promovida por D’Alema ajudaram à queda do PD e ao avanço do M5S. O populismo venceu em Itália por maioria absoluta. Começa agora o segundo e mais difícil “round”, o governativo. A LEGA sai muito reforçada nesta solução governativa, atendendo à sua dimensão eleitoral.

Populismo

Na verdade, ambos os partidos que integrarão o governo italiano são partidos populistas, um, de tipo clássico, a LEGA, e, o outro, neopopulista, o M5S, com uma base social totalmente diferente da base social tradicional do populismo. Este último submeteu o “Contrato de Governo para a Mudança” a votação na plataforma do M5S, Rousseau. Ambos são contra o establishment e proclamam a necessidade de devolver o poder ao povo. Matteo Salvini: “Non esistono destra e sinistra, esiste il popolo contro le élite”! É correcto, pois, dizer que os populistas, de dois tipos diferentes, chegaram ao poder em Itália. Anti-establishment, nacionalismo, liderança carismática e oracular, mitificação do povo contra a representação, democracia directa contra o poder da “casta”, anti-imigração, que é o modo de ser contra o diferente, o outro, dúvidas sobre a União Europeia, discurso fortemente ético, reforço da segurança – são os principais pontos que os distinguem. No caso do M5S, a reivindicação da democracia directa é mais clara e fundamentada.

O “Contrato de Governo para a Mudança”

Fui ler o programa de governo assinado pelos dois partidos e encontrei lá de tudo. E começo pelo mecanismo que encontraram para dirimir os desentendimentos ou resolver as omissões do Contrato de Governo, o Comité de Conciliação, fórmula que consta dos Tratados da UE, se não erro desde Maastricht (1993), para mediar na resolução de questões que surjam entre o Parlamento Europeu e o Conselho de Ministros. Assim mesmo: Comité de Conciliação. Nem de propósito – uma importação política directa dos Tratados. Só que este é um Comité sui generis: integra o Presidente do Conselho, os dois líderes da coligação governativa, os Presidentes dos Grupos Parlamentares dos dois partidos e o ministro que tutelar a matéria em causa. Estranho, não é? Sim, por várias razões. Em primeiro lugar, porque representa uma mistura de instâncias que não se podem misturar (privado e público), numa óptica institucional, de Estado. Em segundo lugar, porque toma decisões (por maioria de dois terços), não se confinando a órgão consultivo. Em terceiro lugar, porque confisca competências que só podem pertencer ao governo. Numa palavra, introduz um organicismo que não é compatível com a natureza do sistema representativo. Em boa verdade, agora que os líderes dos dois partidos ocupam a Vice-Presidência o órgão só integrará, na realidade, membros do sistema institucional, embora lá estejam a título de líderes políticos.

Depois, o programa propriamente dito:

  1. introdução da flat tax, com valores que variam entre os 15% e os 20% (pessoas físicas, IVA, empresas e famílias, com um sistema de deduções para garantir a progressividade dos impostos);
  2. aposta na green economy;
  3. desincorporação da despesa para investimento público do défice.
  4. luta para que os títulos de Estado dos países da zona euro já adquiridos pelo Banco Central Europeu através da operação do quantitative easing sejam excluídos do cálculo da relação dívida-PIB;
  5. rendimento de cidadania para os carenciados no valor de 780 euros (por pessoa), com limite temporal de dois anos, e pensão de cidadania que compensa as pensões inferiores a 780 euros;
  6. reforma do sistema pensionístico: reforma a quem atinge quota 100 na soma idade+contribuições. E reforma a quem contribuiu 41 anos. 58 anos para as mulheres com 35 anos de descontos;
  7. drástica redução do número de deputados e de senadores: quase para metade, para 400 e 200, respectivamente;
  8. introdução de mecanismos de democracia directa, como a revisão da legislação que regula o instituto do referendo (referendo “abrogativo” reforçado, referendo propositivo, fim da exigência de quorum); iniciativa popular reforçada e introdução de formas de vínculo de mandato.
  9. cidadania digital gratuita desde o nascimento;
  10. proibição perpétua de desempenho de funções públicas para os corruptos e intensificação das penas;
  11. recondução do regime previdencial ao regime comum e anulação das reformas superiores a 5.000 euros (líquidos) dos dirigentes (politicos) da Administração Pública, sem fundamento contributivo.
  12. rediscussão dos Tratados UE e do quadro normativo principal e reforço dos poderes do Parlamento Europeu e das Regiões.
  13. prevalência da constituição italiana sobre o direito comunitário;
  14. repartição equitativa dos pedidos de asilo pelos países da UE;
  15. endurecimento das políticas de imigração (com corte de 5 mil milhões já anunciado pelo Ministro da Administração Interna, Matteo Salvini);
  16. fim das sanções à Rússia, partner internacional.

Estes os pontos programáticos principais que constam do documento assinado pelo M5S e pela Liga.

Duas curiosidades

  1. Não podem fazer parte do governo os membros da maçonaria e os que tenham conflito de interesses relativamente às respectivas tutelas;
  2. citada uma constituição, neste documento, a propósito da introdução de vínculos de mandato necessários para quem defende a democracia directa: a portuguesa, no seu artigo 160, alínea c), que prevê perda de mandato para os que “se inscrevam em partido diverso daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio”. Esta alínea da nossa constituição é invocada a propósito da democracia directa, no que eu julgo ser um erro do legislador português porque ela nega o essencial do sistema representativo, ou seja, uma mudança de estatuto do representante no plano privado (que não é crime, nem punível por lei) é condição suficiente para revogar um mandato que se situa num plano superior, anulando a pedra-de-toque da representação, ou seja, a natureza do mandato, neste caso, não-imperativo.

Política

Mas vejamos aquilo que mais directamente toca o sistema, ou seja, as medidas de carácter mais político: cidadania digital à nascença e gratuita para todos; referendos “abrogativo” (com capacidade revogatória) e propositivo sem necessidade de quorum estrutural para serem válidos; obrigatoriedade de pronúncia do Parlamento sobre as propostas de lei de iniciativa popular e respectiva calendarização; introdução de vínculos de mandato que permitam a sua revogação; órgão de decisão para-institucional, regido pela norma da maioria qualificada, sobre a acção governativa.

Não é grande coisa, mas indicia uma tímida mudança na gestão do poder. O que já se previa pelas exigências inerentes ao governo de um grande país que faz parte da União Europeia. O que, por outro lado, torna claro que uma coisa é a disputa eleitoral para a conquista do poder e a outra é a gestão do poder, como em breve acabaremos por ver. E talvez seja aqui que morre a novidade. Pelo menos, em relação à anterior experiência dos governos Berlusconi, com a presença quer da Liga quer da Aliança Nacional, pós-fascista. O próprio partido Forza Itália era um partido com muitas semelhanças ao populismo e não só pela dominância de um líder carismático, ao ponto de um intelectual como Norberto Bobbio dizer que, de certo modo, ele representava uma espécie de autobiografia da nação. Também porque se apresentava como anti-sistema, contra os “politicanti senza mestiere”, os politiqueiros sem profissão. Na verdade, as diferenças são menores do que se pode pensar à partida. É claro que os governos Berlusconi eram governos de elite, conservadores, mas de marca ainda convencional, não obstante algumas novidades introduzidas pela sua filosofia de gestão. Neste, estamos perante uma LIGA mais radical (apesar da fórmula de Umberto Bossi, “Roma ladrona, la Liga non perdona”, apanhado ele próprio – e o filho – a pôr a mão na massa, depois, claro, da experiência governativa… em Roma) e com características de partido nacional. Mas sobretudo estamos perante um partido de novo tipo – O M5S, partido digital – que funciona na base da plataforma Rousseau, onde o povo da rede se exprime, toma iniciativas políticas e vota. Neste caso, também existe uma figura carismática que tutela o M5S e que se mantém um pouco distante da azáfama política, Beppe Grillo, delegando a função de executor político, neste momento, a Luigi di Maio. Na verdade, o M5S surge como partido interclassista que, tal como a LEGA, e em geral os populismos, rejeita a dicotomia esquerda-direita, porque a verdadeira clivagem não é horizontal, mas vertical, ou seja, é entre o povo e as elites.

Conclusão

 Portanto, dois andamentos. O primeiro, a conquista do poder. O segundo, a governação, o exercício do poder. E é aqui que nos devemos concentrar, conhecendo nós o que aconteceu ao Syrisa, na Grécia. Não será caso de dizer desde já que agora o establishment, ou “a casta”, são eles, como já disse Matteo Renzi. É ver a constituição da equipa governativa (um terço são técnicos), a aplicação do programa, em especial nos pontos mais inovadores, e a forma como irão gerir o poder (com base na negociação ou no diktat). São estas as três variáveis a analisar com atenção desde já, agora que o governo acaba de arrancar com a tomada de posse, neste dia 1 de Junho de 2018.