Poesia-Pintura

ETERNO RETORNO

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Encontrei-te no Jardim”.
Original de minha autoria
para este poema. Maio de 2020.
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“Encontrei-te no Jardim”. Jas. 05-2020.

POEMA – “ETERNO RETORNO”

SE TE VEJO
Estremeço,
Se não te vejo
Caio em
Melancolia,
Assalta-me
O desejo
De voar
Contigo...
...........
Nesse dia.

EU NÃO SEI
Como se muda
O mundo
Para te ter,
Então voo
Sobre ele
Ao sabor do vento
Pra que tu
Me possas ver.

É ESTRANHO, NÃO É?
Esta moinha
Que me consome
Porque não te vejo,
Não te ouço
E nem sequer
Te procuro
Porque sei
Que a via
Da minha arte
Me levará
A esse teu lado
Mais puro. 

É POR ISSO QUE
Só te espero
Na rua
Do desencontro,
No jardim
Da despedida
Que nunca parei
De regar
Com arte
E nostalgia,
Essa forma
De te amar
Cada noite
E cada dia.

É ACASO
Ou destino
Esperar-te numa
Esquina
Das tantas
Que a vida tem?
Foi dela
Que t'esgueiraste
Na densa
 Neblina
Desse teu
Quotidiano
De que ficaste
Refém.

SIM, É VERDADE,
Mas se te encontro
Nessa esquina
Que me leva
Ao jardim
Eu de novo
Estremeço,
Caio em mim,
Sinto um profundo
Torpor
E adormeço,
Pondo fim
A essa dor...

AH, MAS DEPOIS
É o céu,
Sim, o céu,
A sonhar-te
Em azul profundo
E o desejo
A cumprir-se
Nas ondas
Do nosso mar
Até que a aurora
Desponte
Para ser acometido
Por nova melancolia
E desejo
De voar...

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“Encontrei-te no Jardim”. Detalhe.

Poesia-Pintura

QUASE

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “O Desejo”.
Original de minha autoria
para este poema. Maio de 2020.
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“O Desejo”. Jas. 05-2010 .

POEMA – “QUASE”

DISSE-TE UMA VEZ
Que o desejo
É quase tudo
E o que sobra
Quase nada.

RESPONDESTE
Que, assim,
Eu nunca 
Sairia de mim
Pra conhecer
O sabor
Do quase
Que sempre
Sobra
Do desejo
Consumado.

SORRI
E com ternura
Te disse
Que é na posse
Que se mata
O desejo
Encantado...

ENCOLHESTE
Os ombros,
Olhaste-me
De revés
E foste embora
Dali.

FIQUEI SÓ,
Com o desejo
Nos braços,
Nostálgico
E pensativo,
Quando dobraste
A esquina
Deste nosso
Desencontro,
Tão curto,
Mas impressivo... 

RECORRI
À memória
Daquele instante
Fugaz,
Revi-te a beleza
Do rosto,
Expressivo
E tão vivaz,
Alma
Estampada
No corpo,
Essa boca
Sensual...
............
E o desejo
Transbordou
Das margens
Deste meu
Mundo
Tecido
De fantasia
Numa bola
De cristal.

FIXEI-ME
Na tua beleza
E dei asas
Ao desejo,
Desenhei-te
Numa tela
E cantei-te
Num poema
(As armas
Do meu poder),
Cobri-te
Toda de cores
Para nunca
Te perder.

E FIQUEI-ME
Por ali,
A sonhar-te...
..............
A matutar
No destino
Que cedo
Me cativou
Por achar que
O desejo
É quase tudo,
Mesmo quando
O mundo
Te abraça
E devolve
Tudo o que dele
Te sobrou.
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“O Desejo”. Detalhe.

Poesia-Pintura

CONFISSÕES DE UM CONFINADO

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “S/Título”.
Original de minha autoria 
para este poema. Maio de 2020.
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“S/Título”. Jas. 05-2020.

POEMA – “CONFISSÕES DE UM CONFINADO”

ANDO PERDIDO,
Por aí,
Nas tardes
De Primavera,
À procura de mim,
Neste estranho
Tempo
Que aviva
O que perdemos
Nas esquinas
Da nossa vida.

NÃO ME VENDO
No espelho
Dos outros,
Já não sei
Quem sou e
Onde estou.
Apenas suspeito.
Uma vaga ideia.

FALTA-ME O MUNDO
Para dar conta
De mim,
Mas, coisa estranha,
Ele entra-me 
Casa adentro
E devolve-me
O que perdi,
Mais selectivo
E profundo,
Apenas o que é
Remoto
Da cidade
Onde vivi.

ESTRANHO MUNDO,
Este,
Que escolhe
Por mim
O que me sobrou
Da voragem
Do tempo...

É POR ISSO
Que me procuro
Para saber
Se o que me
Bate
À porta
É meu
Ou se a falta
De mundo
Me provoca
Alucinações,
Sonhos ou
Sombras
Do que nunca
Aconteceu...

ENTÃO PROCURO-ME
No espelho
Que trago comigo,
Dádiva
De Athena,
Olho,
Volto a olhar
E descubro que
Afinal sou eu,
O esquecido
Sem abrigo,
Aquele que andou
Por aí
No bulício
Da vida,
Ao sabor do vento...
.............
Mas contigo.

E TAMBÉM SEI
Que, por isso,
Nesta errância,
Eu não petrifiquei.

AH, COMO É BOM
Saber
Que, afinal,
 O vento
Me levou
Para destinos
Encantados
Onde contigo
Renasci,
Quando o tempo
Trazido pelo vento
Que passou
Na rua da
Minha vida
Me bateu 
À porta...
............
E eu abri.
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“S/Título”. Detalhe.

Artigo

UMA POLÉMICA POLÍTICA NA GUARDA

A MINHA POSIÇÃO

Por João de Almeida Santos

G da Guarda

A GUARDA É A MINHA TERRA. Mais concretamente, Famalicão da Serra. Fui Presidente da Assembleia Municipal da Guarda oito anos, dois mandatos, e Presidente da Assembleia da COMURBEIRAS, Comunidade Intermunicipal, entre 2006 e 2013. Recentemente, nas eleições europeias de 2019, fui mandatário distrital da candidatura do PS. Mesmo assim, não comento habitualmente a política na minha terra, por opção.

I.

DESTA VEZ, todavia, pronunciar-me-ei sobre a polémica entre a Assembleia Municipal da Guarda, através da sua Presidente, Cidália Valbom, e o Presidente da Câmara, Carlos Chaves Monteiro, a propósito da realização de uma Assembleia Municipal presencial, não nas suas próprias instalações na sede do Município, na Sala António de Almeida Santos, mas nas instalações do Teatro Municipal da Guarda (TMG), precisamente para que pudessem ser cumpridas as normas de salvaguarda do perigo de contágio pelo COVID-19, vistas as boas dimensões da sala de espectáculos. A reunião, ao que se sabe, foi convocada para envolver todos os representantes políticos no combate à pandemia, em todas as suas frentes, da sanitária à económica, e tendo em consideração que os presidentes das 43 Juntas de Freguesia são membros da Assembleia, tendo, muitos deles, dificuldades de participação numa assembleia através de plataforma digital.

Feitas todas as diligências, o Senhor Presidente da Câmara, que tutela o espaço, proibiu a realização da Assembleia, invocando infracção das normas sanitárias em vigor.

II.

Não considero relevante, para o efeito, discutir se a Senhora Presidente Cidália Valbom, ao convocar a Assembleia, garantiu (em termos sanitários) a plena legalidade para a realização do acto ou se o Senhor Presidente Carlos Chaves Monteiro entendeu que havia infracção. Aceito que haja boas razões de parte a parte e que a preocupação sanitária seja de ambos. Mas, no essencial, não é disso que se trata, até porque a haver infracção, certamente inadvertida, a própria Assembleia seria a única responsável pelo acto, ficando sujeita às sanções previstas pela lei.

III.

O que aqui me traz, pois, é, no essencial, a questão da relação entre poderes municipais independentes, como refere o art. 44 da Lei Autárquica (Lei 75/2013), e que possuem legitimidade própria e directa. Ou seja: é legítimo que o PC proíba a Assembleia Municipal de realizar uma sessão no seu próprio espaço, a sala António de Almeida Santos, ou em qualquer outro espaço do Município, como viria a acontecer, com base no poder administrativo de gestão dos espaços do Município, incluído o da própria sala da Assembleia Municipal? No meu entendimento, não, qualquer que seja a razão invocada. E porquê? Porque se trata de dois poderes separados e com igual legitimidade, sendo que é um deles, o Poder Deliberativo, a ter como principal competência o controlo dos actos do Executivo, como refere o artigo 25 (n. 2) da Lei Autárquica e inclusivamente o artigo que estipula que o PC deve “dar cumprimento às deliberações da assembleia municipal, sempre que para a sua execução seja necessária a intervenção da câmara municipal” (art. 35, alínea c). No caso em apreço, garantir (“afetar”) à Assembleia “instalações e equipamentos necessários ao seu funcionamento” – art. 31.º, n.º 2 -, competindo à Presidente da Assembleia “assegurar o seu regular funcionamento” – art. 30, n.1, alínea a). Ora, o que, na verdade, aconteceu foi exactamente o contrário do que estipulam os artigos citados. E digo não, também porque, aberto um precedente, seguir-se-ia outro e outro, resultando daí, e por esta via, uma real inversão de papéis: o controlo presidencial da Assembleia por via administrativa. O poder executivo a controlar o poder deliberativo. Mais. Mesmo que um acto do poder deliberativo possa ser considerado ilegal ou ilegítimo não poderá ser o poder executivo a declará-lo como tal, sem ferir o princípio da separação de poderes. Pode alertar, não executar uma proibição, impedindo o normal funcionamento de um outro órgão, que é independente.

IV.

Por outro lado, e neste caso, uma Assembleia Municipal extraordinária, com o fim declarado, e em lugar previsto para que precisamente pudessem ser cumpridas as exigências sanitárias consignadas em norma legal, não poderá ser considerada, como foi, um normal evento solicitado por uma qualquer entidade da sociedade civil. Bem pelo contrário, em situação excepcional, este órgão, pelo facto de integrar institucionalmente todas as sensibilidades do Concelho, tem o dever não só de controlar a acção do executivo (politicamente mais restrito) em matéria tão sensível, como também de procurar envolver activamente todos os responsáveis, e em particular os presidentes das juntas de freguesia, para uma mais eficaz resposta à crise do COVID-19, não só no plano sanitário, mas também no plano económico e social, lá onde as juntas de freguesia desempenham e desempenharão sempre um papel nuclear. Não creio, pois, que se tratasse de uma irrelevante conferência ou debate, como referiu o Senhor Presidente da Câmara.

V.

O ponto fundamental é este, no meu modesto entendimento: o Presidente da Câmara não tem legitimidade para proibir uma sessão da Assembleia Municipal, em qualquer caso; não pode chamar a si o poder de julgar e de decidir acerca das suas decisões; e, finalmente, não pode impedi-la de funcionar, enquanto órgão independente. Esta é uma questão de fundo, porque ela pode configurar uma inversão nas competências dos órgãos autárquicos, resvalando até para uma espécie de cesarismo autárquico legitimado pelo estado de excepção. Lá mais para oriente, por exemplo, na Hungria, é o que já está a acontecer, tendo motivado uma forte reacção da União Europeia contra o Senhor Orbán, chefe do Executivo húngaro. Bem sei que o Senhor Presidente Carlos Chaves Monteiro não se filia neste tipo de orientação política, mas este gesto sim. Para finalizar: se a Assembleia Municipal com a convocação de uma Assembleia Municipal extraordinária para o fim declarado, cometesse, por qualquer motivo, apesar da generosidade e do alcance estratégico da iniciativa, uma infracção legal só ela seria por isso responsável, ficando sujeita às sanções previstas na lei, mas nunca ao arbítrio administrativo da vontade do Presidente da Câmara, num processo que tornaria ainda mais irrelevante os já irrelevantes poderes das Assembleias Municipais. A questão é política, mas, mesmo assim, sempre há um Tribunal Administrativo competente para, nos termos do art. 4., al. j) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, dirimir diferendos sobre “relações jurídicas entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos, no âmbito dos interesses que lhes cumpre prosseguir”.

VI.

E eu, como antigo Presidente da Assembleia Municipal da Guarda, durante oito anos, não poderia, una tantum, ficar mudo perante o que considero um uso excessivo do poder administrativo perante um órgão deliberativo, nestas circunstâncias. Conheço bem a realidade das juntas de freguesia do Concelho para entender o valor da iniciativa de reunir os seus Presidentes em Assembleia para unir forças para um combate que só agora começou. #

Artigo

A PROPÓSITO DO MANIFESTO DOS 200 MAGNÍFICOS

 

JOÃO DE ALMEIDA DA SANTOS

 

Noite0905

 

AO INIMIGO CONVENCIONAL, representado por quem ameaçava com as armas a integridade de outrem, junta-se agora um novo inimigo invisível que urge combater com as armas da ciência, da solidariedade, da lucidez e da ética da responsabilidade, individual e colectiva. Este encontro entre a ética da responsabilidade individual e a ética da responsabilidade colectiva tem o nome de ética pública porque a esfera pública é, de facto, o lugar de encontro com o outro e com os outros, o lugar de encontro entre convicção e responsabilidade. Falo da ameaça do vírus, claro, e de tantas outras que com ele se hão-de revelar, para além do muito que já revelou. A ameaça do vírus vem juntar-se à ameaça de ruptura do ecossistema. Um problema sistémico, como afirmam os autores do Manifesto. São, pois, muito sérias as ameaças e, por isso, urge tomá-las convenientemente em consideração. Mas como? Apelando mais uma vez aos máximos dirigentes políticos mundiais? Mas se o poder instalado não se reforma, porque é transformista! Lembram-se de “Il Gattopardo”, do Tomasi di Lampedusa (livro) e do Luchino Visconti (filme)? Então, que fazer? Uma “rebelião das massas”, não daquelas de que, em 1930, falava Ortega y Gassett, mas do neopovo da rede?

REGRESSAR À NORMALIDADE?

TALVEZ o único caminho para lá chegar seja uma profunda mudança no modo de conceber e de exercer a política, aquela que depende dos cidadãos, eles, que agora têm nas mãos instrumentos que podem induzir profundas mudanças. O final do Manifesto “Não a um Regresso à Normalidade”, assinado por cerca de 200 personalidades do mundo da arte e da ciência, talvez possa sugerir algo interessante: “A transformação radical que se impõe – a todos os níveis – exige audácia e coragem. Ela não acontecerá sem um empenho massivo e determinado. Para quando as acções? É uma questão de sobrevivência, tal como é uma questão de dignidade e de coerência”. Empenho massivo em acções tendentes a provocar uma mudança de rumo, a resolver um problema que não é circunstancial, mas sistémico – este o tema do Manifesto.

A pandemia servirá de escola. O vírus percorreu rapidamente o mundo e o mundo teve de reagir até à escala individual, micro, com uma mobilização individual e comportamental que não tem precedentes. E isso significa que a mobilização de massa individualmente centrada é possível. Mass self-mobilization, diria, glosando o conceito do (agora) Ministro Castells. Para nos obrigarmos a nós próprios a mudar de vida e, naturalmente, para exigirmos aos máximos responsáveis pela condução dos nossos destinos uma mudança de rumo. É isto possível? Eu creio que sim, desde que a palavra seja obrigar, impedindo o transformismo. Mas para mudar é preciso encontrar uma mundividência estruturada e mobilizadora bem diferente da que os populistas e neopopulistas oferecem como resposta à visível crise do sistema.

A mobilização é possível, sim, há instrumentos para isso, através da rede, das TIC, das redes sociais, das grandes plataformas digitais. Sem dúvida. Mas em torno de que ideias para a política? E quem serão os protagonistas da mudança, nas ideias e na prática?

POLÍTICA

REGRESSANDO a um discurso mais próximo de uma perspectiva reformista, é possível dizer que a crise já nos disse muito sobre o papel social do Estado, agora muito revisitado, a responsabilidade social das empresas e a sua consistência estratégica, a ética da responsabilidade e a sua dimensão comportamental, a ética profissional e a sua dominância sobre o risco iminente, a pregnância de uma verdadeira ética pública.

Eu diria que este tempo de incerteza é o momento certo para revisitar a política e as categorias com que se rege em profundidade. Para a revisitar nas dimensões acima referidas. Personagens que interpretaram com sucesso o seu próprio tempo de vida e que são mundialmente conhecidos e admirados dizem agora que sim, que é tempo de mudar de vida, que não se pode regressar à velha normalidade e às suas categorias. E eu, que não tive o sucesso deles, concordo. E não só porque o vírus nos bateu à porta, mas sobretudo porque os tempos estão maduros para a mudança… ou para a regressão a tempos escuros e de má memória. Mas a mudança para ser mudança tem de bater às portas da política.

Na verdade, a mudança há muito que se anuncia, muito antes de sermos confrontados com este malicioso e veloz vírus. E, todavia, quem decide não só parece que não a quer ver como nem sequer tenta uma manobra transformista. TINA (There Is No Alternative), sim, para eles não há alternativa à política que temos.  Talvez porque são incapazes de a ver, de sair do paradigma em que sempre se moveram e que constitui o seu horizonte possível. Mas também é verdade que há cada vez mais novos aprendizes de feiticeiro, para não dizer inacreditáveis personagens de opereta, que tornam a mudança difícil. Por outro lado, a política tem vindo a ficar cada vez mais reduzida a puro management, à gestão remota dos grandes números da economia, a um discurso “algebrótico” e burocrático sem alma.

ÉTICA PÚBLICA

NA RAIZ do problema está, pois, a política, tout court: a ideia de autogoverno das sociedades e a respectiva ética pública. E, portanto, sobe ao topo da agenda a exigência de cruzar a independência e autonomia individual da classe política com o conhecimento, o saber e a cultura para a boa concepção e gestão política das sociedades, com a necessária síntese entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade e, consequentemente, entre ética profissional e ética pública. Mas há também um velho e grave problema que parece que ninguém que ver: os métodos de pré-selecção da classe política dirigente, onde vale mais a endogamia do que a competência e o saber.

São estes os ingredientes que deverão integrar o exercício da política porque só com eles é possível responder com eficácia aos complexos e enormes desafios que se põem às sociedades, hoje. São estes, mais do que as bases programáticas, que fazem o bom ou o mau tempo na política democrática. Só haverá bons programas se eles assentarem em bons princípios, bons métodos e bons executores. Vão longe os tempos do estruturalismo, onde as pessoas eram simplesmente identificadas com as funções que desempenhavam. E onde a função fazia o órgão. A responsabilidade individual diluía-se na responsabilidade da estrutura. Boas estruturas convertiam maus profissionais em bons dirigentes, ou não? Ou eram elas que, com eles, ruíam? Bem se tem visto, por exemplo, com os banqueiros! O capital humano é, sim, absolutamente decisivo. Afinal, são os seres humanos que constroem as estruturas e, por isso, o que lhes diga directamente respeito é sempre fundamental.

GREED IS NOT GOOD

É VERDADE, mas isso não quer dizer que os indivíduos singulares não se encontrem socialmente inscritos em esferas de maior dimensão e que, por isso, as suas competências e as suas convicções não devam ser também referidas a essas esferas.  Falo do interesse geral e da ética pública por contraposição aos jogos de interesse privado que têm vindo a confiscar cada vez mais a política, através precisamente dos aprendizes de feiticeiro e dos fantoches de serviço. Não é coisa nova e por isso estamos onde estamos. E é mais que certo que o tempo que estamos a viver acabará por revelar ainda com maior nitidez onde estão e o que fazem estes personagens. Muitos, demasiados até, são sobejamente conhecidos porque não escondem a ganância, para não dizer que até a exibem. E não, “greed is (not) good”, caro Fareed Zakaria. Gestores gananciosos que perdem milhões e que, depois, se atribuem milhões como prémio de gestão não é ganância boa, é roubo. E nem sequer já é possível dizer que privado é bom simplesmente porque é privado (embora também seja), visto que nas tempestades o socorro acaba sempre por vir do lado público, do Estado, dos bolsos de contribuintes a quem, em tempos de bonança, é dito para se arredarem do management, isto é, da política pura e dura.

É por tudo isto que, mais uma vez, a política deve intervir a partir da ética pública para defesa do interesse geral. Os que defendem que a política se deve reduzir ao management são, afinal, os mesmos que se servem instrumentalmente do Estado para enriquecer, expulsando a ética pública e o interesse geral da gestão política. Por isso, creio que chegou o tempo de dar uma volta a tudo isto, repensando radicalmente a política com novas categorias e cartografias e recentrando aquilo que sempre foi a sua matriz originária. É neste sentido que me associo ao apelo de tantas personalidades que, em abaixo-assinado, apelam a que mudemos de vida. E, para isso, antes dos programas, é preciso recomeçar a partir de nós mesmos e, em particular, dos que têm responsabilidade políticas.

CONCLUSÃO

TERMINO como comecei. Sim, mas para mudar, que fazer? Como? Fazer um apelo aos líderes mundiais, a todos? É como não o fazer a nenhum. Bem pelo contrário, seria preciso ir para essas grandes plataformas digitais interpelar os concorrentes a concretas eleições, tomando posição em cada caso concreto. Mas ir com ideias precisas sobre o que é preciso mudar, dizendo-lhes claramente que essa será a medida do voto de milhões de eleitores. Hoje isto é possível e desejável, graças à rede, até porque o velho establishment mediático continua a ser, não contrapoder, como erradamente reivindica, mas a outra face da moeda do poder. Na experiência das campanhas de Barack Obama a plataforma Moveon.org desempenhou um papel crucial. E de lá para cá o poder da rede aumentou consideravelmente, a ponto de, em Portugal, durante este período que vivemos, o ensino ter ficado literalmente a decorrer nas plataformas digitais e em rede. Sim, também acho que não devemos regressar à velha normalidade, como antes, afinal, já não achava, ou seja, quando a normalidade se transformou em realidade sem alternativa. Já vimos bem como acabaram os arautos do TINA. #

Poesia-Pintura

É ASSIM QUE EU TE VEJO

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Uma Mulher”.
Original de minha autoria
para este poema. Maio de 2020
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“Uma Mulher”. Jas. 05-2020

POEMA – “É ASSIM QUE EU TE VEJO”

DESDE SEMPRE
Que te guardo
No meu peito.
Fixei-te melhor
Naquele dia
E guardei-te
Na memória
Profunda
Quando te vi
Perdida,
Por encanto,
A ouvir
Essa nossa
Melodia.

UM BRILHO QUIETO
Em teus olhos,
Suspensa
Nas nuvens,
A suave paixão
Maternal,
Inefável,
Quando as palavras
Já não chegam
Para te nomear
Com a alma,
De tão cheia
De ti,
A transbordar...

A MINHA AUSÊNCIA
Constante
E tão cortante,
O preço
Para ser
O que mais querias
Que fosse,
Fazia crescer
Em ti
O encantamento
Que tinhas
Contigo
Desde aquele dia,
Quando te nasci
E tu renasceste
Comigo.

AQUI SEMPRE
A meu lado,
Este rosto
Sedutor
Nunca me 
Despertara
O desejo
De o cantar
Para além da 
Memória
Remota 
Do afecto...

PALAVRAS
E melodia,
O olhar
Penetrante
Da alma,
Um canto
Devotado
Que tocasse
Em cada dia
As fronteiras
Intangíveis
Do sagrado.

FOI PRECISO
Aprender 
Os ofícios
Da arte
Pra te poder 
Celebrar
E dizer 
De todas as formas
Que sei
O que não quero
Calar.

E AQUI ESTOU.
Esse dia
Haveria de
Chegar.
E chegou.
JasFioriperte-cópia

“Flores do Meu Jardim Encantado”.