Poesia-Pintura

VÃ UTOPIA

Poema de João de Almeida Santos.
À “desgarrada” com Manuel Bandeira
(1886 -1968), inspirado em
três poemas seus:
 “Desencanto”, 1912;
“Versos escritos na água”, s.d.;
“Renúncia”, 1906.
(Obras Poéticas. 1956. Lisboa:
Minerva, pp. 33, 40 e 101).
Ilustração: “Cascata”.
Original de minha autoria.
Janeiro de 2021.
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“Cascata”. Jas. 01-2021.

POEMA – “VÃ UTOPIA”

“OS POUCOS VERSOS 
QUE AÍ VÃO,
Em lugar de outros 
É que os ponho.
Tu que me lês, 
Deixo ao teu sonho
Imaginar como serão.” 
E OS MUITOS
Que eu te dei
Deixam claro
O que sou.
Se tu me leres
Saberás que
Não errei
Mas que foi pouco
Do muito
Que agora
Eu te dou. 
“NELES PORÁS 
TUA TRISTEZA
Ou bem teu júbilo, 
E, talvez,
Lhes acharás, 
Tu que me lês,
Alguma sombra 
De beleza...”
BELEZA, SIM,
E algum sentido,
Tristeza e dor
Como castigo,
Por isso eu canto
O que perdi
Pra que o verso
Vá ter contigo
Lá onde estejas,
Queira o vento
Ser meu amigo.
“QUEM OS OUVIU 
NÃO OS AMOU.
Meus pobres versos
 Comovidos!
Por isso fiquem 
Esquecidos
Onde o mau vento 
Os atirou.”
 NÃO OS AMOU,
Mas eu bem sei
Que é verdade
Este amor
Que aqui nasceu
E que cantei
Em liberdade
Em versos
Que o vento
Leu
E te levou
Para matar
A saudade...
...........
Pudesse eu
Salvar-me, assim,
Do que não sou,
Libertar-me
Do silêncio
Que me invade.

OUTROS FARIA
Se pudesse
Para os pôr
Na tua mão,
Não pediria que
Os sonhasses,
Olhos cerrados,
Mente desperta,
Mas que os lesses
Com afeição.

AH, MANEL,
Que bem me sabe
Pôr minha dor
Em poesia,
Em palavras
A emoção,
No cantar
Triste alegria
Por ser intensa
Esta paixão
Mesmo que seja
Vã utopia.

DIZES TU
Em poesia
Que só a dor
Te enobrece.
E dizes bem,
Meu bom poeta,
Alma dorida
Logo me aquece
E com meus versos
Entretece
O que a paixão
Já tanto afecta.
“A VIDA É VÃ 
COMO A SOMBRA QUE PASSA...
Sofre sereno e de alma 
 Sobranceira,
Sem um grito 
Sequer tua desgraça.

Encerra em ti 
Tua tristeza inteira.
E pede humildemente
 A Deus que a faça
Tua doce e constante
 companheira...”
POIS TENHO MEDO
(Eu te confesso)
Que a dor
Me passe,
Perca o poema
Sua raiz,
Essa, sim,
A verdadeira
(Sua matriz),
E fique só
Já sem palavras
E caiam secas
Todas as rosas
Que me povoam
Esta roseira.

SOBRAM ESPINHOS,
Ferem-me a alma,
Saem meus versos
E cai o sangue
“Gota a gota,
Do coração”,
“Volúpia ardente”
Já sem remédio
“Eu faço versos
Como quem chora”
E chamo a dor
A toda a hora
E ela vem
Por compaixão.

AH, POETA,
Ah, meu irmão,
Tu fazes versos
“Como quem morre”
E eu procuro
Neste meu canto
A sua mão.

TU, MANEL,
És a bandeira
E ela 
O meu refrão,
Pra mim és verso
No meu poema
E ela é,
Neste meu peito,
Uma paixão.
Jas_Cascata31_2021Rec

“Cascata”. Detalhe.

Artigo

E AGORA?

Por João de Almeida Santos

Presidenciais2021

“S/Título”. Jas. 01-2021.

ESTRANHAS, ESTAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS. Em plena pandemia, com números assustadores. Fique confinado, é a palavra de ordem. Vá votar, foi a outra palavra de ordem. A democracia tem de ser defendida, disse-se. Ficar confinado é, como sabemos, o modo de travar o contágio e a expansão da doença. Ninguém duvida disso. Mas também a democracia tem de ser defendida, e, portanto, a palavras de ordem foi: desconfine-se e vá votar.  Tal como a economia, que também tem de ser defendida, o que exige exactamente o contrário do que é necessário para travar a doença: troca, comércio, contacto entre pessoas. E se o combate à crise sanitária para ser eficaz exige medidas que são opostas ao combate à crise económica, então é preciso decidir qual é o combate prioritário. Qual é a palavra de ordem prioritária. Não podemos é estar permanentemente a pedir uma coisa e, logo a seguir, por novos e inultrapassáveis imperativos, pedir o seu contrário. Eu creio, aliás, que este tem sido o nosso pecado original. Combater de igual modo duas crises que exigem medidas contraditórias significa anular reciprocamente as medidas, deixando que ambas as crises se aprofundem. Crise, aliás, e curiosamente, em grego antigo significa precisamente decisão. A palavra vem do verbo krínô: separar, dividir, decidir, julgar, condenar. Pode-se dizer que, no sentido etimológico, na palavra crise (krísis) há uma ideia de rotura, de separação, de decisão com reais efeitos, mas também de intervenção da vontade, da razão e da consciência. Curioso. E decidir é optar. E optar significa também abdicar de algo (separar). Mas, para optar, é preciso, em certas circunstâncias, coragem, intervenção da vontade e da razão. Sim, coragem. Sobretudo por parte de quem tem o poder e o dever de, usando a vontade e a razão, regular as relações sociais. Reconheço a delicadeza e a dificuldade da questão, mas tem de ser assim se se quiser obter resultados satisfatórios.

E por que razão não se altera 
o sistema de eleição do PR?

 Mas, mesmo no meio da pior crise da pandemia, a cidadania foi votar, num ambiente devidamente acautelado para evitar a propagação do vírus. E a abstenção, ao contrário do que certos politólogos, depois de terem feito todas as contas possíveis e impossíveis, previam, ficou em números aceitáveis, dadas as circunstâncias, que incluem sem dúvida a crise pandémica. Votaram 39.5% dos eleitores inscritos. E se contarmos só os eleitores residente em território nacional votaram muitos mais. É pouco, mas é mais do que o previsto por encartados politólogos: cerca de 25%. Ainda bem.

Olhando para os resultados, com a esmagadora vitória do actual Presidente e com a distância a que ficaram restantes candidatos, olhando para os personagens que se candidataram e olhando para as competências presidenciais, ficou-me ainda mais clara a convicção de que o sistema eleitoral que regula a eleição presidencial deve ser alterado, sendo a eleição feita por um colégio eleitoral onde a Assembleia da República seja determinante, mas onde participem também os detentores dos mais altos cargos da República. Evoluir, portanto, para um sistema parlamentarista. O que teria também uma ulterior vantagem: não tendo o PR uma legitimidade directa, ou de primeiro grau, a conflitualidade latente que tem vindo a acontecer entre os PRs e os Governos, ambos detentores de legitimidade de primeiro grau, tenderia a diminuir drasticamente, apesar de a legitimidade e as competências do PR se manterem íntegras. Por outro lado, evitar-se-ia a instrumentalização política das eleições presidenciais, com os partidos, ou personalidades singulares, a aproveitarem a ocasião para ocupar a agenda política e a agenda pública e aumentar a sua notoriedade e influência, umas vezes com resultados positivos, para este fim, como foi o caso do “Chega”, outras, como foi o caso do PCP e do Bloco, com resultados negativos. Sendo também certo que os resultados das presidenciais não são automaticamente transponíveis para as legislativas. Por exemplo, à direita, entrando em cena vários partidos que não participaram na disputa, a votação que se concentrou no “Chega” tenderá naturalmente a fragmentar-se, deslocando-se muitos eleitores para outros partidos, designadamente para o PSD, que tem no seu seio várias tendências, incluindo a que se situa mais à direita da tendência social-democrata, os neoliberais.

O boletim de voto era falso

Há um pormenor (relevante) nestas eleições que também merece destaque: a presença, no boletim de voto oficial que foi apresentado aos eleitores, de um candidato que, não tendo cumprido os requisitos legais, viria a ser considerado inelegível. Sendo certo que os cidadãos têm o direito de saber quantos votos teve este candidato fantasma (li num jornal que a sondagem da Intercampus, à boca das urnas, teria calculado cerca de 5000 votos), é também certo que isto não deveria acontecer porque certamente levou ao engano muitos eleitores, desvirtuando os resultados. Ainda que um só fosse levado ao engano já isso deveria ser considerado inaceitável, não só por razões de princípio, mas também por razões de legalidade. Numa palavra simples: o boletim de voto oficial era falso e isso até poderá dar lugar a impugnação legal das eleições. Não há explicações que possam justificar este facto e o Tribunal Constitucional e o Ministro da Administração Interna deverão bater com a mão no peito pelo menos cento e uma vezes.

O efeito Ventura

Algumas outras conclusões há que retirar destas eleições. Em primeiro lugar, que a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa se deve ao apoio (directo e indirecto) das duas maiores forças politicas, PSD e PS, não se tendo verificado uma consistente polarização de votos da área socialista para Ana Gomes, mas tendo-se verificado, talvez pelo efeito André Ventura (AV)  – a polarização da atenção social em torno da conquista do segundo lugar e as consequências derivadas das declarações do líder do “Chega” -, isso sim, um voto útil naquela candidata por parte de algum eleitorado do PCP e do Bloco receoso da vitória da aposta do líder da extrema- direita, o que explicaria, em parte, os fraquíssimos resultados dos seus candidatos. Votar em Ana Gomes significaria, pois, evitar que o candidato do “Chega” ficasse em segundo lugar.

 “Agenda-Setting” e polarização política

Um outro aspecto deverá ser também evidenciado. Há uma teoria sobre os efeitos cognitivos e sociais dos mediaque se chama “Agenda-Setting”, formulada por Maxwell McCombs e Donald Shaw. E há ainda uma outra conhecida como “Tematização”, atribuída a Niklas Luhmann. Ambas sublinham a importância primacial do agendamento pelos mediade determinadas temáticas e dos efeitos que este agendamento tem quer nos protagonistas políticos quer no comportamento político dos cidadãos. A centralidade e a persistência na agenda política e na agenda pública de determinados temas (ou personagens) tem seguros efeitos no plano da polarização da atenção social e do seu relevo público em relação ao comportamento político da cidadania. Ora eu creio que a declaração persistente e generalizada de AV como inimigo público número um o beneficiou, neste plano, e lhe trouxe dividendos políticos, sobretudo num processo onde a direita mais moderada não esteve presente. Não é difícil de entender que ocupar o centro da agenda política durante tanto tempo tem consequências no comportamento político do eleitorado. Mas não diminuo outros factores explicativos para o seu resultado, como, por exemplo, a polarização do descontentamento com as prestações do establishment, do sistema, apesar de estar convencido de que esta “obsessão” intensiva e generalizada por AV acabou por ter um significativo efeito de reforço do seu score eleitoral. É dos livros. E quando estudei o percurso político de Sílvio Berlusconi e a sua vitória eleitoral em 1994 pude constatar isto mesmo: que esta técnica da polarização da atenção social foi eficaz e teve seguros efeitos na vitória do candidato (veja-se o meu livro Media e Poder, Lisboa, Vega, 2012, pp. 257-338).

O incontornável Tino de Rans

Há ainda algo mais com um significado político interessante. Tino de Rans (TR) ficou a pouco mais de duas décimas do candidato liberal Tiago Mayan (TM). Um candidato, TR, que aspira a entrar na carreira política e que, ao contrário do candidato liberal, usando exclusivamente os seus recursos pessoais, conseguiu a proeza de obter 122.743 votos, o que o fará pensar que não andará muito longe de vir a realizar o seu sonho: entrar na  Assembleia  da República como deputado. Mais curioso ainda é TR ter derrotado o candidato liberal no Porto (4,46% contra 4, 29%). Os liberais, que podem reivindicar legitimamente uma nobre tradição que, nos seus primórdios, até foi revolucionária, não conseguiram destacar-se de um simplório que, sozinho, deu livre curso a uma empreitada que o poderá levar à conquista de um lugar no parlamento. Até faz lembrar, e com simpatia, o famoso Tiririca (deputado brasileiro) e a sua palavra de ordem: “Pior do que tá não fica, vote Tiririca”. Um sincero elogio pela imaginação, a persistência e o esforço deste candidato.

Conclusão

Tivemos, pois, umas eleições presidenciais que, naquilo que era o seu objecto real, eleger o PR, nada politizadas foram pelos dois grandes partidos do sistema, vista a clara vitória antecipada do actual Presidente e as razões (diferentes, é certo, mas convergentes num mesmo objectivo) que cada um destes partidos encontrou para o confirmar. Exagerando um pouco (retoricamente, entenda-se), poder-se-ia dizer que para estes partidos até poderia não ter havido eleições. Em boa verdade, eles expulsaram a política das eleições presidenciais, deixando-a para os outros partidos e para a candidata Ana Gomes. O que viria a acontecer, com as consequências que se conhece: a polarização em torno da conquista do segundo lugar, com claro benefício para os dois candidatos em condições de o alcançar. Tivemos, então, outras candidaturas que, bem sabendo que não chegariam sequer a uma segunda volta, o que procuraram foi, na realidade, usar estas eleições para outros fins: as futuras eleições legislativas. Talvez só a candidatura de Ana Gomes tenha sido a única a não visar directamente este fim, mas, sim, o de uma afirmação futura no interior do próprio Partido Socialista. O que, afinal, vistos os resultados, parece não ter sido, neste aspecto, muito bem sucedida. De qualquer modo, esta candidatura poderá vir a reforçar tendências já presentes no PS, desalinhadas da actual liderança, em particular aquela que é representada por Pedro Nuno Santos.

É por tudo isto que me parece que o melhor sistema a adoptar para as eleições presidenciais seja o de um colégio eleitoral alargado, em vez do sufrágio universal. Simplificar-se-ia o sistema, evitar-se-ia conflitos de legitimidade entre PR e Governo e sobretudo esta distorção reiterada de uso instrumental das eleições, sem que isso significasse uma diminuição dos actuais poderes do Presidente ou da sua legitimidade. Posto isto, e notando a alta taxa de abstenção, confesso que fiquei surpreendido com a participação dos cidadãos nestas eleições. O que é, nestas circunstâncias, um bom sinal.

Presidenciais2021Rec

“S/Título”. Detalhe.

Poesia-Pintura

 A AGUARELA

Poema de João de Almeida Santos,
inspirado no poema de 
Manuel Bandeira
“Tema e Variações”.
Ilustração: “O Retrato”. 
Original de minha
autoria para este poema. 
Janeiro de 2021.

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“O Retrato”. Jas. 01-2021.

POEMA – “A AGUARELA”

SONHASTE, MANEL,
Que havias sonhado
Estar à janela,
Sonhando, a cores,
Que estavas com ela.

TAMBÉM EU SONHEI
Que tinha sonhado
E que no sonho
A tinha encontrado,
Passando por ela,
Ali, lado a lado.

MAS, QUANDO ACORDEI
Do primeiro sonho,
Sonhando, eu vi
O seu rosto belo
Numa aguarela
Pintada a cores
Que tinha guardado
Para uma tela.

SONHEI, OUTRA VEZ,
No segundo sonho,
Que era pintor,
Mas que pintava
Sempre o seu rosto
A uma só cor.

DIZIA, SONHANDO,
Que não podia ser,
Seu rosto expressivo
Era arco-íris
Ao amanhecer
E era sorriso
Para o mundo ver.

MAS EU SÓ O VIA
Com a minha cor,
Esse rosto belo
De seda tecido
Que me seduzia
No sonho sonhado
Onde sempre a via,
Ali, a meu lado.

NÃO QUERIA ACORDAR
Do sonho feliz
E nele fiquei
De olhos fechados.

JÁ NÃO ACORDEI
Do sonho sonhado
Porque nessa cor
Fiquei encerrado
Com todo o meu ser...
...................
Talvez por amor.

NO SONHO OLHEI
Para o meu espelho
E logo eu vi
Que essa minha cor
Era o vermelho.

E QUANDO ACORDEI
Do primeiro sonho
Voltei a sonhar
Que desvanecia
Nesse rosto amado
E logo lhe disse,
No segundo sonho,
Que a tinha sonhado.

DISSE-ME QUE NÃO,
Que nunca me vira
Sequer acordado...
.................
E logo acordei
Desse pesadelo
Que me deixara
O peito
Esmagado.

FOI ASSIM QUE VI
Que tinha sonhado
E que ela
Já lá não estava,
Ali, a meu lado.

QUIS ADORMECER
Para a encontrar
Mas não consegui
Sonhar que a via,
Pôr os olhos nela,
Chorar de alegria
Porque descobri
Na minha parede
Aquela aguarela
Que do sonho
Passado
Eu já conhecia:
Era o rosto dela.

ORetratoFinal01_21_25Rec

“O Retrato”. Detalhe.

Artigo

“DA DEMOCRACIA NA AMÉRICA”

Por João de Almeida Santos

PosseJB3

“S/Título”. Jas. 01-2021.

TOMOU ONTEM POSSE o 46.º Presidente dos Estados Unidos, no Capitólio, a sede do Congresso, depois de um longo e complexo processo eleitoral, que começou com as primárias de ambos os partidos e terminou com a recusa do Presidente Trump em aceitar o resultado das eleições e com o apelo aos seus apoiantes a marcharem contra o acto de reconhecimento, pelo Congresso, de Joe Biden como Presidente eleito. Quatro anos de Presidência Trump que acabam da pior maneira: uma pandemia devastadora e uma gravíssima crise do regime democrático americano provocada pelo detentor do máximo poder político, em funções. A um ponto tal que aquela que seria a festa máxima da democracia americana foi transformada em ambiente de estado de sítio na Capital, Washington. Ou seja, um dos dois contendores, do alto dos seus cerca de 74 milhões de votos, recusou-se a aceitar a vitória do seu adversário, que obteve mais cerca de 7 milhões de votos, mais 74 grandes eleitores, maioria na Câmara dos Representantes e paridade (na verdade, maioria) no Senado (com voto de desempate favorável, à disposição da Vice-Presidente Kamala Harris). No final, houve festa, o Presidente Biden fez um bom discurso e tudo correu sem incidentes. Uma vitória da democracia, com o disse o Presidente eleito.

O que é a Democracia?

A democracia é um regime que tem como função essencial resolver, recorrendo ao consenso, e para efeitos de governação e de tomada de decisões que vinculem toda a comunidade, as diferenças existentes na sociedade através de mecanismos institucionais que assentam na dinâmica da representação e na regra da maioria. Este regime assenta também no respeito pelas regras que foram livremente consensualizadas e consignadas numa constituição por parte dos intervenientes no processo democrático. Processo que dispõe de órgãos (designadamente os órgãos do poder judicial e do poder político) que certificam e consagram os actos que ocorrem neste processo. Perante isto, os protagonistas do processo democrático têm o dever e a obrigação de aceitar e de cumprir estas regras em cada momento.

Ora, foi isto que não aconteceu nestas eleições e no processo de transmissão do poder, porventura o momento mais simbólico e mais belo de todo o processo democrático: o momento em que o vencido reconhece e aceita lealmente a vitória do adversário, pondo fim à competição, elevando-se o vencedor a representante de toda a nação e a expressão simbólica da sua unidade. O exemplo do belíssimo discurso do senador McCain sobre a vitória de Barack Obama, em 2008, ficará para sempre gravado como exemplo máximo de nobreza de carácter,  de espírito genuinamente democrático e de grandeza de alma. (https://www.npr.org/templates/story/story.php?storyId=96631784&t=1611075374590).   Donald Trump não e, por isso, ficará como exemplo do que não deve acontecer, em particular num momento de tão alto simbolismo como é a tomada de posse do Presidente. Não só declarou não reconhecer a vitória do adversário antes de o próprio processo eleitoral ter ocorrido (o que significa não reconhecer as próprias regras do processo eleitoral em curso e em que o próprio participou, apesar de ser ele o detentor do máximo poder politico nos Estados Unidos), mas também não a reconhecer depois de contados os votos e de o processo estar certificado pelas entidades competentes, esgotados que foram todos os recursos formais possíveis (e mesmo impossíveis) do candidato derrotado. Mas, pior ainda, o não reconhecimento prosseguiu incitando os seus apoiantes mais radicais a que marchassem sobre o mesmo Capitólio onde decorria, em sessão conjunta da Câmara dos Representantes e do Senado (presidido, de resto, pelo seu Vice-Presidente Mike Pence), o acto final de certificação política dos resultados e de declaração formal do nome do próximo Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.  O que se seguiu é de todos conhecido: violência, mortes, devastação do Congresso, ocupação dos gabinetes dos representantes e senadores, filmagem de documentos dos representantes. Tudo sob o alto patrocínio, directo ou indirecto, do Presidente em funções. E tudo agora devidamente certificado pela ausência do Presidente cessante no acto de tomada de posse do novo Presidente. Exactamente o oposto do que aconteceu com a vitória de Obama e a reacção do Senador McCain. Mas também o oposto do que deve ser o comportamento de um democrata responsável perante o desfecho de uma regular disputa  eleitoral.

Como Morrem as Democracias

Esta situação levou-me a ler um livro de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, ambos professores em Harvard, “How Democracies Die”, publicado em 2018, pouco mais de dois anos antes de assistirmos a estes inacreditáveis acontecimentos do dia 6 de Janeiro de 2021 e que já levaram a Câmara dos Representantes a declarar (com o voto favorável de 10 republicanos) aberto o segundo processo de impeachment a Donald Trump (que prosseguirá, apesar de já não ocupar a Presidência e que poderá ditar a interdição de, no futuro, se poder candidatar).  Todo o livro se concentra sobre o que o título anuncia, uma longa narrativa sobre as antecâmaras democráticas do autoritarismo, sobre os processos que conduzem à instauração de regimes autoritários, não democráticos. Desta vez, desenvolvendo os autores uma ampla reflexão sobre a presidência Trump e o seu irregular comportamento não só relativamente às normas praticadas, mas não escritas, da democracia americana, mas também em relação às próprias normas escritas. Não estiveram os dois autores muito longe de antecipar este último e gravíssimo comportamento de Donald Trump, que, afinal, viria a dar substância final à sua certeira narrativa. Deste modo, se tomarmos em consideração a tipologia do comportamento autoritário apresentado pelos autores veremos que a Trump se aplicam os seguintes indicadores, correspondentes a cerca de metade dos que são connsiderados. Autoritários são os que:

1) tentam minar a legitimidade das eleições, recusando-se, por exemplo, a aceitar resultados eleitorais dignos de crédito (e dizem os autores que Trump também violou normas democráticas essenciais quando denunciou abertamente a legitimidade das eleições); 2) afirmam que os seus rivais constituem uma ameaça, seja à segurança nacional ou ao modo de vida predominante; 3)  têm quaisquer laços com grupos armados, forças paramilitares, milícias ou outras organizações envolvidas em violência ilícita; 4) patrocinaram ou estimularam eles próprios ou os seus partidários ataques de multidões contra oponentes; 5) solidarizaram-se tacitamente com a violência de seus apoiantes, recusando-se a condená-los e a puni-los de forma categórica.

Trump e a Democracia Americana

Note-se que são estes personagens que, tendo lá chegado por via eleitoral, prenunciam os desvios autoritários ou ditatoriais das democracias, de forma mais ou menos aberta. Os autores dão exemplos que são conhecidos de todos nós: de Fujimori a Chávez, de Putin a Erdogan, a Orbán, entre outros. Trump, na visão Levitsky e Ziblatt, e ainda sem conhecerem a gravidade do que viria a acontecer depois, inclui-se neste quadro tipológico. E, como os próprios dizem, ainda que não tenha conseguido destruir por completo o quadro das normas que sustentam a democracia americana, abriu certamente o caminho a outros que o possam continuar a percorrer. O que não será certamente o caso de Biden e do partido democrático, que, pelo contrário, deverão ter como tarefa central repor a normalidade democrática, não apenas formalmente, recuperando as regras grosseiramente atropeladas, mas sobretudo respondendo com eficácia aos problemas de fundo da sociedade americana que motivaram um tão alto score eleitoral de Trump, nestas eleições.

Os autores evidenciam ainda as duas normas básicas que preservam os “checks and balances” da democracia americana e a fazem funcionar: a tolerância (concorrentes que se aceitam mutuamente como competidores legítimos) e a contenção (uso comedido das prerrogativas institucionais). Mas chamam também a atenção para uma polarização extrema da política americana que pode destruir a própria democracia, ao anular as suas próprias redes de protecção. E este é também outro contexto em que se inscreve a acção de Donald Trump, não estando, pois, os autores longe da verdade quando afirmam, a meio do seu mandato, que a ascensão de Trump representou “um desafio para a democracia mundial” e que mesmo que não tenha conseguido deitar abaixo as grades de protecção da democracia constitucional americana, ele aumentou a probabilidade de um futuro presidente o vir a fazer. Este simbolismo das grades de protecção da democracia americana encontram um dramático referente no que viria a acontecer realmente com o selvático assalto à casa da democracia, o Congresso americano. O impeachment de Trump poderá, se outras razões não houvesse, vir a impedi-lo de se recandidatar em 2024, é certo. Mas, como reconhecem os próprios autores, o problema de fundo já lhe é anterior e certamente não acabará com ele. Por isso, a resposta tem de ser mais profunda e ficará, sobretudo, sob a responsabilidade do partido democrata (que tem um Presidente e a maioria em ambos os ramos do Parlamento), mas terá também de envolver uma parte do próprio partido republicano, todos aqueles que se revêem, sem reservas, nas palavras e no comportamento de John McCain. Este Presidente possui, para isso, condições reconhecidamente excepcionais para desenvolver uma diplomacia política junto dos republicanos que evite males maiores, e que não seriam somente males americanos.

Conclusão

Vimos festa na posse de Joe Biden como 46.º Presidente da maior potência mundial. Uma festa blindada, mas festa. E vimos celebrar esse espírito de união que se deve elevar acima das diferenças sobretudo no momento em que o país reconhece uma liderança institucional como resultado da escolha da cidadania. Mas que este dia de festa tivesse, pelas razões que todos conhecemos, de ser um dia altamente blindado, um dia de preocupação e de suspense diz tudo acerca do momento que vivemos, onde à trágica pandemia se vem juntar um alto risco de colapso democrático, não só nos Estados Unidos, mas também em outras partes do mundo, agora mais expostas por este lamentável exemplo dos quatro anos de trumpismo e do arrojo dos seus seguidores em, desta forma grosseira, grotesca e inacreditável, assaltarem a democracia americana, derrubando grades físicas de protecção da Casa da Democracia, mas sobretudo procurando derrubar as grades simbólicas que protegem a própria democracia. Que os deuses protejam e inspirem Joe Biden, no mandato que ontem iniciou como Presidente dos Estados Unidos.

PosseJB2PubRec

“S/Título”. Detalhe.

Poesia-Pintura

ENCONTRAR-TE NUM POEMA

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “La Diseuse”. Original
de minha autoria para este poema.
Janeiro de 2021.

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“La Diseuse”. Jas. 01-2021.

POEMA – “ENCONTRAR-TE NUM POEMA”

ÀS VEZES
Perco-me
Em ti
Quando te sonho
No poema,
Ondulas
Entre tristeza
E doçura
Nos teus dias
Mais incertos,
Em momentos
De ventura,
Na fronteira
Do dilema.

SE ÉS TERNA,
Eu estremeço
Porque enleia,
O teu olhar,
Olhos castanhos
Despontam
No suave
Amanhecer
Quando em surdina,
Vibrando,
Partilhas
Esse teu
Acontecer.

CONTEMPLO
A tua imagem,
Beleza
Intermitente,
Por instantes
Muito breves,
Mas logo regresso
Ao murmúrio
Sedutor,
Encanto
Tão inocente,
E a tão meiga
Ternura
Que me afaga
Com pudor.

O TEMPO
Corre sempre
Contra nós
E eu corro
Contra ele
Pra que a saudade
Não chegue
Antes de a partida
Soar
E em meu rio
Desague
Para logo
Transbordar.

VIVO 
No intervalo
Do desejo
De onde te ouço
Dizer
Que não há
Excesso de tempo
Neste efémero
Viver,
Destino
Que te domina
E me impede
De te ter.

MAS PERCO-ME
No brilho 
Desses teus olhos,
Bem cedo
Pela matina,
À procura
Dessa cor
Que logo assoma
Bem viva
Quando o sol
 Te ilumina.

SINTO CALOR
No meu peito
E procuro o teu
Regaço
Pra que me vejas
Por dentro
No poema
Que te canto
E que ouves com
Ternura
Como se fosse
Abraço.

EU GOSTO
Da doçura que te
Invade
Quando recusas
O mundo
Que te atropela
Nas curvas
Da tua vida
Para sentires
Com a alma
O poema
Que te deixo
Quando chega
A partida.

AH, COMO GOSTO
De te sonhar
Dizer-te
Em poesia...
...........
É encanto,
É prazer
E é mistério...
.........
É a vida
Em sinfonia!

LaDiseuse2_012021Rec

“La Diseuse”. Detalhe.

Artigo

ACONTECEU NA AMÉRICA

Por João de Almeida Santos

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“S/Título”. Jas. 01-2021.

PERGUNTEI-ME SE ESTE ARTIGO deveria ser sobre as presidenciais ou sobre o assalto ao Capitólio pelos seguidores de Donald Trump. E decidi-me pelo comentário sobre os Estados Unidos. De resto, estas eleições presidenciais não vêem activamente envolvidos, directamente, os dois principais partidos, pilares do sistema político, ambos apoiando, com maior ou menor intensidade, directa ou indirectamente, a candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa. Isso desloca a centralidade das eleições para os outros candidatos que, à excepção de Ana Gomes (mas o seu score eleitoral terá efeitos, ou não, sobre o próprio PS), estão a usar as presidenciais para se afirmarem enquanto partidos (PCP, Bloco, Chega, Liberais, RIR). Ou seja, verdadeiramente não temos uma competição presidencial com grande dimensão política. Temos pequenos protagonistas a lutarem pela sua afirmação pública. Tudo num ambiente em que o vencedor parece estar definido à partida, mas também num momento em que estamos a braços com a grave crise do COVID-19 e a sua recente intensificação. A preocupação sanitária é maior do que a preocupação pela função presidencial. E, por isso, até há quem considere que as eleições deveriam ser adiadas, visto que constituirão – para além do simbolismo das reiteradas excepções excessivamente permitidas – ocasião para um maior nível de contágio, sendo este o maior problema que o País tem neste momento. Não sei, mas ir votar, nestas condições, com risco de saúde acrescido e conhecendo-se antecipadamente o resultado, até pode aconselhar a um efectivo adiamento. Pessoalmente, tenho as minhas resistências a um adiamento, mas não ficaria chocado se acontecesse. Depois, talvez se evitasse um catastrófico nível de abstenção que poderá alterar significativamente aquele que seria o natural resultado em condições normais, produzindo efeitos políticos que poderão não ser os mais democraticamente justos e fiáveis, embora legítimos.

Assalto ao Capitólio

MAS, MESMO ASSIM, por considerar extremamente grave e preocupante o que se passou nos Estados Unidos, no assalto ao Capitólio, dedicarei o artigo a este facto. Algo tão grave que, a poucos dias da tomada de posse do novo Presidente Joe Biden, o partido democrático já avançou com um processo de impeachment  (o segundo) ao Presidente que está de saída, tendo conseguido a aprovação da Câmara dos Representantes por 232 votos contra 197 (com voto favorável de dez republicanos).

A democracia tem regras e o Estado de Direito também. Trump recorreu, como era seu direito, a todos os expedientes legais para anular a vitória de Biden. O sistema judicial não o seguiu e confirmou a vitória do democrata. O Congresso também a confirmou. Manifestações pacíficas de pesar pela derrota são aceitáveis e os recursos judiciais também. O que não é tolerável é o ataque ao Congresso no momento em que este faz a contagem final dos votos para proclamar o vencedor, ao fim de um longo processo para eleger o próximo Presidente. Uma ruptura simbólica no sistema democrático americano. O vídeo que mostra Trump, familiares e colaboradores a seguirem ruidosamente e com sinais de aprovação a manifestação que daria assalto ao Capitólio, depois de ele próprio ter incentivado os manifestantes a avançarem contra o processo de consagração do vencedor, é de extrema gravidade. Ou seja, do que se tratou foi de sedição patrocinada pelo próprio Presidente da mais poderosa nação do mundo. Sem querer extrapolar, sabemos como Hitler chegou ao poder. Por eleições e por violência generalizada em todo o País. Também sabemos que Trump tem da democracia um estranho conceito que o levou a governar por tweets e a nunca revelar publicamente a sua situação fiscal pessoal. Ligeireza e opacidade na governação. Sim, mas foi este comportamento que levou ao assalto ao Capitólio que resumiu bem, e com evidência, toda a sua concepção acerca da vida política e da democracia. E, por isso, continuo a não compreender como é que o sistema político de um país como os Estados Unidos permite que um indivíduo deste jaez possa chegar a Presidente, com os enormes poderes, inclusivamente nucleares, que estão à sua disposição. E também continuo perplexo com a atitude do Partido Republicano, que não tem um sobressalto de vergonha perante este comportamento sedicioso e indigno neste poderoso e fantástico País. Valha-nos a atitude responsável de dez representantes republicanos no acto de aprovação do impeachment pela Câmara dos Representantes.

O Impeachment e o Futuro

O QUE SE PASSAR com a iniciativa do Partido Democrático, e agora da Câmara, para o remover simbolicamente do poder (na verdade, já foi removido pelos eleitores) ditará o futuro da democracia americana e de muitas democracias por esse mundo fora. Os Estados Unidos têm responsabilidades que ultrapassam as do próprio país pela sua importância política e económica a nível mundial. E terá efeitos muito sérios sobre o comportamento de inúmeros ditadores em funções que verão na fraqueza da democracia americana a ocasião para se reforçarem sem receio de consequências vindas da comunidade internacional. E também os partidos de extrema-direita, inimigos da democracia, se sentirão cada vez mais legitimados e confortáveis para assumirem o destino dos respectivos países. Sabemos bem que vivemos tempos muito sombrios e que o comportamento das democracias mais robustas tem efeitos de contaminação por esse mundo fora. É por isso mesmo que neste momento precisamos de uma União Europeia forte e com uma forte capacidade moderadora no plano internacional. Não só ela é precisa para dar voz internacional aos países europeus, que, de outro modo, ficariam à mercê das grandes potências mundiais, emergentes e não emergentes, como é necessária para moderar as tendências mais extremas e perigosas da política mundial.

A Democracia e as Redes Sociais

NÃO É ERRADO dizer que o establishment político das democracias ocidentais tem dado provas de grande fragilidade política e de incapacidade de mobilização da cidadania para os combates do futuro, num período de grandes e profundas mudanças estruturais como as que estamos a viver. Trump foi durante quatro anos um claro exemplo disso. Na verdade, não conhecemos cartografias políticas seguras para responder a estes desafios a não ser este ruidoso combate contra o chamado capitalismo da vigilância que está a mobilizar os poderes tradicionais e a esquerda mais aguerrida, esta numa versão aggiornata do movimento antiglobalização. O combate faz-se contra a excessiva concentração de poder nas grandes plataformas digitais, mas silencia-se o crescimento da cidadania que elas tornaram possível, relativizando o poder dos mesmos de sempre, os donos do espaço público, e dando mais poder à cidadania. A mesma que poderá exigir, isso sim, uma forte e saudável regulação destes poderes e dos fluxos comunicacionais que eles tornam possível. Ou seja, que poderá exigir o aprofundamento do que já tem vindo a ser feito pelas grandes plataformas em acordos com os poderes públicos e em nome da responsabilidade social das empresas. Processo que, afinal, já está em andamento na União Europeia com a Proposta da Comissão Europeia sobre a regulação de um mercado único para os serviços digitais, o “Digital Services Act”, aprovado em Dezembro de 2020 para ulterior apreciação pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho. Entretanto, temos vindo a assistir a um duro combate contra as grandes plataformas digitais, designadamente nos Estados Unidos. E, depois de, no seu famoso livro, No Logo, a bíblia dos movimentos antiglobalização, Naomi Klein ter, em 2000, posto a nu (com grande competência, diga-se) a realidade mundial das velhas multinacionais (americanas), surge agora uma nova bíblia contra o chamado “capitalismo da vigilância”, o novíssimo capitalismo das plataformas, A Era do Capitalismo da Vigilância, da senhora Shoshana Zuboff (Lisboa, Relógio d’Água, 2020, pp. 694) – a versão escrita, analítica e muito documentada que parece ter dado origem ao documentário, fortemente crítico e militante, da Netflix contra as redes sociais e as novas multinacionais, as plataformas digitais (todas elas americanas), tendo a própria autora nele participado. Já não bastava a militância guerreira de todos aqueles que se sentem desapossados do monopólio do acesso ao espaço público e ao espaço público deliberativo que agora surgem iniciativas judiciais nos Estados Unidos visando o desmantelamento dos grupos que detêm várias plataformas, acompanhadas, no plano analítico, de profundas investigações sobre os seus bastidores, com o é o caso do libro da Zuboff, e da divulgação de documentários altamente críticos das práticas por elas seguidas, como é o caso do referido documentário da Netflix, e a que se vem juntar, agora, o Digital Services Act, da União Europeia (já criticado pela Google).

Convenho que se trata de um poder imenso, de dimensão mundial, que se torna necessário regular. Sem dúvida. Mas também penso que, ao mesmo tempo, se torna necessário evidenciar o poder que as plataformas vieram dar à cidadania, dando início a processos de desintermediação da comunicação social e da própria política, permitindo combater as tendências endogâmicas de ambos os poderes e dando ao cidadão a possibilidade de se protagonizar no espaço público, como nunca antes acontecera, libertando-o do arbítrio dos clássicos gatekeepers da comunicação e da política.

 Conclusão: Assalto à Democracia

A VERDADE É QUE AS REACÇÕES DO FACEBOOK E DO TWITTER aos apelos insurgentes de Trump parece terem despertado preocupações em alguns dirigentes europeus (Merkel ou o ministro francês da economia, por exemplo) considerando-as problemáticas ou oligárquicas, mesmo tratando-se do desastroso comportamento do ainda Presidente dos USA. Não entendo. Proteger a liberdade de promover a sedição através das plataformas não será o mesmo que desproteger as sociedades democráticas? Vale a pena citar o que disse Steffen Seifert, porta-voz de Merkel:  “É possível interferir na liberdade de expressão, mas de acordo com os limites definidos pelo legislador, e não por decisão de uma administração empresarial”. Mas Seifert também terá dito que «as grandes plataformas digitais têm uma grande responsabilidade” e “não podem deixar de agir perante conteúdos que incitam ao ódio e à violência”. Sendo certo que o quadro em que se deve processar a comunicação nos “social media” deve ser regulado pelos Estados, Seibert reconheceu como positivos os esforços das plataformas em assinalar, com anotações ou chamadas de atenção, as mensagens mais ofensivas ou as fake news de Donald Trump (de notícia recolhida do Corriere della Sera, 11.01.2021). Perante isto, torna-se necessário recordar que, por um lado, foi o próprio chefe do Executivo que incitou à violência e à sedição e que, por outro lado, é a própria Câmara dos Representantes a pô-lo em processo, por isto mesmo. Se uma plataforma tira as consequências destes factos, que há de criticável no seu comportamento? A não ser que não se considere que a Câmara dos Representantes não tem legítimas competências estatais de regulação nem legiferantes. No meu entendimento, o Congresso tem o dever, por todas as razões, de punir um Presidente que atentou contra os órgãos constitucionais do País num momento de altíssimo simbolismo. 

Neste combate estou, pois, convictamente mais do lado de Nancy Pelosi do que de Angela Merkel, porque, como dizia Bobbio, a democracia é um mecanismo tão frágil e delicado que ao primeiro choque se pode avariar. Neste caso, o choque foi excessivamente violento para não dever suscitar as devidas reacções. E, por isso, nem compreendo bem o que quer dizer o ministro francês da economia quando fala de “oligarquia digital” a propósito da reacção ao apelo de Trump à sedição, sendo que é isso mesmo que está em jogo neste caso do assalto ao Capitólio: foi, sim, um verdadeiro assalto à democracia e por isso aplaudo a reacção das plataformas e lamento que o Ministro francês diga que elas são uma ameaça à democracia em vez de, a propósito, dizer que a ameaça está noutro lado. É por estas e por outras que estamos como estamos, falando de política.

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“S/Título”. Detalhe.

Poesia-Pintura

A CARTA

    Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Melancolia”.
Original de minha autoria.
Janeiro de 2021.

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“Melancolia”. Jas. 01-2021.

POEMA – “A CARTA”

DIZEM-ME
Que vagueias
Por aí,
Incerta,
À procura de ti,
Sem saber
Que te vais
Perdendo
Nas rotinas
Inventadas
Dos teus dias.

SENSÍVEL
À incerteza
Do teu caminhar,
Inundei-te
Com rios
De palavras
Sedutoras,
Setas falhadas
Ao coração
Do silêncio
Que te cobre
O rosto...
.................
Para te resgatar.

SEI QUE VIAJAS
Cada vez mais
Para dentro de ti,
Aninhando-te
Nessa melancolia
Sem fundo
Que sempre
Me cativou.

E DIZEM-ME
Que quanto mais
Te resguardas
Na sombra
De ti mesma
Mais procuras
Ver tudo
Sem ser vista,
Seguindo,
Invisível,
O meu rasto
Desenhado
Ao longe
Na neblina
Que se esfuma
E dilui
Lentamente
No frio
Horizonte
Da Montanha
Sagrada.

E ATÉ O VENTO
Que sopra
Lá do alto
Me segreda:
“Curiosa de si,
Abre
De par em par
As janelas
Das tuas estrofes,
Ar puro
Que respira,
Esse canto
De sereia
Que finge
Não ouvir,
Procurando
Decifrar
As tuas ondulações
De alma
No muro
Das lamentações
Poéticas”.

EU SEI BEM
Que te cobres
Com o véu
Escuro
Do silêncio
Para te resguardares
Do olhar
Indiscreto da vida
Sobre ti.

MAS A VIDA,
Meu amor,
É fugaz,
O tempo passa
E deixa marcas
Indeléveis,
Sulcos profundos
Que só o futuro
Desvelará
Porque o passado
Fica inscrito
Num destino
Que só conhecerás
Ao virar
Da esquina da
Tua vida,
Onde só o passado
Brilhará
Como futuro.

AH, SIM,
O reencontro
Acontecerá
Nesse momento,
Quando eu
Já só for
Um sinal
Impresso,
A branco e negro,
Uma vaga memória
Escrita
Perante teus olhos
Húmidos
De me terem
Perdido
Sem saber
Porquê
...............
Ou simplesmente
Como inútil
Expiação
De um pecado
Que nunca
Aconteceu.

ESTAREI LÁ,
Sim,
Nesse destino
À tua espera
Para te dar
Conforto,
Aninhado
Nas palavras
Que ainda
Não sabes
Declinar,
As mesmas
Em que vou
Viajando,
Invisível,
Por dentro
De ti
À procura
Da eternidade
Possível,
Tua e minha
Salvação
Da voragem
Do tempo.

Rosto100121PubTrans1Rec

“Melancolia”. Detalhe.

Artigo

UM BALANÇO DO FUTURO

Por João de Almeida Santos

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“S/Título”. Jas. 01-2021.

SE É VERDADE que esta é a mais grave crise que conhecemos depois da segunda guerra mundial, e é provável que seja, juntamente com a crise ambiental, então parece ser inevitável que deverá dar lugar a respostas equivalentes às que se seguiram à guerra. Respostas com futuro. E, na verdade, houve duas fortes respostas com futuro: a transformação da Sociedade das Nações(que pretendera responder, em 1919, às causas, ou causa, que deram origem à Grande Guerra) em ONU, Organização das Nações Unidas, em 1945, e a criação da União Europeia sob a forma de CECA, em 1952. Ambas para responderem ao problema central que originou mais de cinquenta milhões de mortos, através da promoção institucional da ideia de paz. Na altura, o problema era a guerra;  agora, o problema é a pandemia. Antes, a resposta foi a paz, e agora, qual é a resposta? Ambos, guerra e pandemia, são problemas mundiais e afectam toda a  população do globo. É preciso que a política esteja à altura, como antes esteve. Alguns já se começaram a mover, como os signatários do Manifesto “Convite aos cidadãos e líderes para um novo poder democrático europeu”, assinado, entre outros, por Felipe González, Cohn-Bendit, László Andor, Massimo Cacciari, Aleksander Kwanievski, Petre Roman, Fernando Savater, Guy Verhofstadt, Roberto Saviano e Sandro Gozi, propondo, no essencial, um reforço da União em legitimidade e eficácia, a construção de uma cidadania europeia e de uma democracia deliberativa, em suma, Um Novo Pacto Europeu, incluindo um verdadeiro Green New Deal.

A CRISE

A DEVASTAÇÃO PANDÉMICA não teve a aparência nem as consequências físicas das duas guerras mundiais, com esse rasto de destruição, com dezenas de milhões de pessoas mortas e de estruturas físicas destruídas por toda a Europa, mas esta devastação foi e está a ser grande e difusa, atingindo cada cidadão singular, independentemente dele estar ou não no “teatro de guerra” ou, melhor, com um “teatro de guerra” difuso e indefinido em todo o território. Devastação da vida em comunidade, devastação da economia e do emprego, devastação da saúde, com elevado números de mortes, a uma dimensão a que já não estávamos habituados. Um fenómeno que atinge directamente todos e cada um. Um fenómeno que fomos incapazes de prever nos seus efeitos globais, mesmo quando já havia notícia do que se estava a verificar numa zona da China, em Wuhan. A rápida expansão do fenómeno aconteceu num mundo globalizado, onde a mobilidade e a velocidade são categorias centrais em todas as manifestações da vida humana. E onde ambas se cumpriram sob a forma de pandemia, dando origem a uma rápida desestruturação da vida social com efeitos em cadeia que provocaram o desmoronamento das interacções que a alimentavam e que garantiam o seu normal funcionamento e a gestão das vidas das pessoas singulares e das suas actividades. A crise sanitária rapidamente se transformou em crise comunitária e em crise económica. A sociabilidade, na sua organicidade e territorialidade, sofreu um golpe profundo e persistente, motivando a intervenção dos Estados para a regular com normas de excepção e de forma generalizada. Uma intervenção que não se verificou somente na regulação dos fluxos da vida social, mas que também evoluiu para a minimização financeira dos enormes danos sofridos pelos agentes económicos, para a contenção da dinâmica de contágio e para a resposta aos seus efeitos disruptivos sobre a saúde pública. E quem duvidava da necessidade de um Estado com um bom poder regulador da sociedade verificou que, afinal, ele continua a ser imprescindível. Dizia-se no Grundsatzprogrammde 1989 do SPD que só as sociedades ricas se podem permitir um Estado pobre. Pois bem, esta crise veio demonstrar que nem as sociedades ricas se podem permitir um Estado pobre, o que também tem contraprova no valor e no significado da intervenção da União Europeia sobre a crise sanitária e sobre a crise económica dela derivada como condição para combater a pandemia e os seus efeitos devastadores sobre as economias nacionais. Se a lição serve para a defesa do Estado social (e de um Serviço Nacional de Saúde), ela também serve para a defesa da União Europeia.

Em síntese, o que aconteceu (e continua a acontecer) mereceu respostas para conter o fenómeno e os seus desastrosos efeitos, mas agora também deve merecer uma resposta de fundo que olhe para o futuro à luz do passado, prevenindo riscos, mas sobretudo construindo um futuro mais inteligente, flexível e sustentável. É preciso mobilizar a cidadania para este combate, em particular as elites políticas, como já estão a fazer, e bem, as personalidades europeias que já referi.

RESPOSTAS

TODO O SISTEMA SOCIAL sofreu  (está a sofrer) um forte abalo sistémico e é por isso que se torna necessário retirar consequências de fundo não só para que no futuro haja maior capacidade de contenção ab ovode fenómenos semelhantes, mas também para que as experiências positivas que resultaram da crise possam ser devidamente metabolizadas e internalizadas pelo sistema social. E é aqui que a política deverá desempenhar o seu papel. Na verdade, houve respostas que merecem ser evidenciadas pelo seu carácter positivo. A resposta da ciência, ao desenvolver vacinas em tempo recorde, tendo sido, e bem, dotada, pelo sistema, de recursos financeiros generosos. O recurso às tecnologias disponíveis para resolver com eficácia os problemas decorrentes dos vários tipo de confinamento alargado tornou evidente a vantagem do desenvolvimento científico e tecnológico, mas também mostrou que as potencialidades existentes não estavam a ser devidamente aproveitadas, funcionando o sistema essencialmente por inércia, apesar dos recursos que, na verdade, ia conquistando. O teletrabalho alargou-se a um nível que parecia não ser possível. O ensino à distância generalizou-se, revelando uma fantástica capacidade de adaptação às novas tecnologias pelo sistema de ensino a todos os níveis e demonstrando que a lógica orgânica, ainda considerada exclusiva, não é necessariamente exclusiva, podendo ser complementada online; e a conviviabilidade perdida, por motivos de confinamento, foi em parte reconquistada graças à comunicação em rede. Verificou-se também um abaixamento significativo dos níveis de contaminação ambiental à escala planetária, em virtude da redução da mobilidade social e das limitações de acesso à generalidade dos países. Os cidadãos viram-se confrontados com a necessidade de disciplinar a sua vida em comunidade e de adoptar rigorosas e novas regras de comportamento. As actividades económicas viram-se obrigadas a reinventar o modus operandi(no caso das indústrias de fornecimento alimentar com o desenvolvimento do take away, por exemplo) e as formas de organização e de gestão.

A crise implicou uma profunda mudança nas relações sociais com efeitos fortemente negativos, mas também com efeitos (positivos) que revelaram boa capacidade de resposta à crise, gerando novos comportamentos e novas relações.

RETIRAR LIÇÕES E METABOLIZAR PROCESSOS

TUDO o que nos tem vindo a acontecer é experiência muito séria à qual tivemos de dar respostas consistentes e sustentáveis, recorrendo a todos os recursos disponíveis. É experiência consolidada e posta à provas dos factos. Não foi experiência fugaz e circunstancial, pois há quase um ano que nos temos vindo a adaptar às novas circunstâncias, reinventando o nosso modo de estar em sociedade e explorando recursos que não estavam a ser usados em todas as suas potencialidades. E isso tem um significado e um valor que não deveremos esquecer quando tudo voltar à normalidade. Uma normalidade que deverá, pois, incorporar e metabolizar a experiência vivida naquilo que ela teve de positivo, de bom. Não só tirar lições do que não fomos capazes de resolver e para o qual não estávamos preparados, mas sobretudo tirar lições do que fomos capazes de fazer bem na resposta à crise.

CONCLUSÂO: A POLÍTICA, A CRISE E O FUTURO

MAS A VERDADE é que o passo seguinte só poderá ser dado com o contributo decisivo da política e das grandes empresas, sobretudo daquelas que, pelas suas características, o podem fazer e dispõem de instrumentos e de capacidades organizacionais para isso. Muitas empresas estão a funcionar com bons resultados em teletrabalho, tendo, para isso, adaptado a sua estrutura organizacional; o ensino à distância tem mostrado níveis de eficiência que têm de ser tomados em conta; a poupança de recursos nestes níveis é enorme, como é grande o grau de poupança energética e de despoluição do ambiente, devido à drástica diminuição da mobilidade devida ao trabalho. A conviviabilidade ganhou um novo meio de satisfação que se revelou muito eficaz, sobretudo quando a perda da conviviabilidade orgânica acontece, podendo ser altamente capitalizado em condições de normalidade; o investimento em saúde deve ser intensificado, ao mesmo tempo que o investimento em armamento deve ser reduzido; a rede não deve ser atacada como está a ser pelo papel que tem vindo a desempenhar designadamente na conviviabilidade, mas também na participação da cidadania na gestão do seu presente e do seu futuro e no acesso ao conhecimento. Tantas e tantas conquistas que deverão ser, com vantagem, adoptadas sem alterar o essencial do nosso modelo de desenvolvimento, mas corrigindo-o e melhorando-o. A iniciativa que acima referi é interessante não porque avance grandes e inovadoras ideias, embora vá no sentido correcto (reforço político e decisional da União, aposta na cultura, reforço da componente social e solidária, democracia deliberativa, etc.), mas porque evidencia a genuína preocupação de pessoas que já desempenharam funções de grande relevância política ou se notabilizaram pela sua actividade profissional, designadamente no plano cultural. Que os políticos no activo assumam também eles os desafios e lhes respondam com imaginação, coragem e determinação é o que a cidadania mais espera deles. #Jas@2021.

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“S/Título”. Detalhe.

Poesia-Pintura

 “O PAVÃO”

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Azul no Parque”. Original
de minha autoria para este poema.
 Janeiro de 2021.
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“Azul no Parque”. Jas. 01-2021.

POEMA – “O PAVÃO”

FUI AO PARQUE
Do Marechal
Logo ao amanhecer
Num triste dia
De outono
Na esperança de
Te ver
À procura do pavão,
Eram muitas
As saudades,
Já passara
Mais de um Verão.

NÃO TE ENCONTREI
Por ali,
Mas logo vi
O pavão,
Sozinho,
Também triste
Como eu
(Ou talvez não),
Pois nele
Reconheci
As cores vivas
Desta minha
Solidão.

PORQUE É
Tão belo
O pavão?
Exibe-se
Altaneiro
E é assim
Que seduz,
Enche-me
A alma
De cor
E inunda-me
De luz.

AH, O PAVÃO,
Esse seu
Porte austero
Estremece-me
Na alma
E gela-me
De emoção
Porque te chama
À memória
E me afunda
Sem perdão.

MAS SEGUI-O,
Nesse dia,
Parque fora
No silêncio
Luminoso
Dum despertar
De aurora.

FOLHAS CAÍDAS
No chão,
Tapete da
Natureza,
Acolhiam
O nostálgico
Passeio
Do poeta
E do pavão,
Num vaguear
D’incerteza.

NESSE JARDIM
Do simbólico
Encontro
A beleza
Despontava
Em seu ritmo
Natural,
Passos lentos
E cuidados,
Pose austera,
Altivez,
Um singelo
Ritual
Que vivi
Com timidez
Junto ao pavão
Matinal.

CAMINHEI COM ELE
Horas a fio,
Lado a lado,
Sem destino,
Procurando
O teu rosto
Num eterno
Desatino
Que sempre
Acaba
Em desgosto.

JÁ NO ALTO
De um muro,
Oráculo,
Arte pura,
Aparição...
............
Com o olhar
Lhe perguntei
Qual a cor
Da tua alma
Nos jogos
De sedução.

COM POSE ALTIVA,
Rigor
E perfeição
Logo exibiu
Esse azul
Tão luminoso
Onde sempre
Se esfumam
Os traços
Da tua mão...
.................
E logo o encanto
Surgiu
Com teu rosto
Espelhado
Nas cores vivas
Do pavão.
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“Azul no Parque”. Detalhe.