Artigo

QUATRO REFLEXÕES

Por João de Almeida Santos

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“S/Título”. Jas. 03-2022

O NOVO GOVERNO

Toma posse hoje o 23.º governo constitucional, liderado por António Costa e ancorado numa maioria absoluta do PS, com 120 deputados em 230. Se contarmos os próximos quatro anos, o PS, em 2026, terá sido governo, neste século, 19 anos contra 7 do PSD, tendo conseguido duas maiorias absolutas, em 2005 e em 2022. António Costa será PM durante 10 anos (se em Novembro de 2024 não for substituir Charles Michel na Presidência da UE), tempo equivalente ao dos governos de Cavaco Silva.

  1. Este governo ficará marcado por ser um governo paritário ao nível de ministros: tantos homens como mulheres (9+9). Infelizmente, ao nível dos Secretários de Estado não chega a um terço o número de mulheres (12 em 38). Há que reconhecer, todavia, que é um enorme avanço.
  2. Mas ficará também marcado por um terço dos Ministros, e em funções muito relevantes, ser constituído por aqueles que hoje parece serem os possíveis candidatos à liderança do PS, quando António Costa sair: Mariana Vieira da Silva, Fernando Medina, Ana Catarina Mendes, Pedro Nuno Santos, José Luís Carneiro e Duarte Cordeiro. Seis em dezoito (contando o PM).
  3. O que não deixa de ter consequências. Todos eles se empenharão, como é natural e se espera, em ter boas performances não só pela responsabilidade dos cargos e pelo desejo de representar bem o PS na gestão do País, mas também porque uma boa prestação ministerial aumentará o capital político de cada um para efeitos de uma candidatura futura..
  4. Uma coisa é certa: todos foram promovidos, à excepção de Pedro Nuno Santos, que manteve as funções que já tinha. Mesmo Mariana Vieira da Silva, continuando como ministra da Presidência, foi promovida formalmente a número dois do executivo.
  5. Mas há dois riscos nesta fórmula: a) o de os ministros se preocuparem mais com o seu capital político do que com as funções institucionais que desempenham, sendo certo que se trata, de facto, de coisas diferentes; e, b), o de, por consequência, se deixarem tentar, a partir das posições institucionais que ocupam, pela arregimentação dos militantes do PS para efeitos da futura competição interna, até porque há um ministro que parece já ter um peso orgânico maior do que os outros, Pedro Nuno Santos, havendo, pois, a tentação de, deste modo, compensar o seu peso.
  6. Pode, pois, haver, na política governativa e em pastas muito importantes, pecado de excesso de política partidária e defeito de política institucional. Não digo nem desejo que vá acontecer, mas em tese é possível.
  7. Por seu lado, o PM parece ter as suas simpatias orientadas mais num sentido do que no outro, sendo também provável que a coroação de um designado possa ser uma tentação. A promoção governativa de todos estes protagonistas parece significar uma autêntica colocação em pole position de todos os possíveis candidatos por parte do líder. Até porque Pedro Nuno Santos já ocupava, por mérito próprio, essa posição, parecendo exibir maior autonomia (viu-se, por exemplo, nas eleições presidenciais) e peso político próprio do que os outros possíveis candidatos. Um reposicionamento de todos os eventuais candidatos, a cargo do actual líder.
  8. Seja como for, o que é desejável é que este venha a ser um bom governo, não só nestas seis pastas, mas também nas outras. Pela minha parte, aqui deixo o meu augúrio de bom trabalho.
QUE VIVA A COMPLEXIDADE, 
MAS TAMBÉM A COMPAIXÃO

Continua a saga dos que acham que a imprensa ocidental é como a de Putin, que as posições dos dois lados são equivalentes, que há que respeitar a complexidade dos eventos históricos, que é necessário afastar a emoção perante o que as televisões nos mostram, que é preciso confirmar que sejam verdadeiras as imagens televisivas de destruição e não pura propaganda induzida pela Ucrânia. Propaganda, jornalismo de parte (advocacy) e tendência censória para com os que não estiverem em linha com a maioria – são estes os termos que alguns aplicam à generalidade dos media ocidentais. Propaganda: se for pela democracia representativa e pelo seu valor universal, então está certo porque isso será bom para a cidadania e para o próprio jornalismo; se for jornalismo “advocacy” pela liberdade, pelo direito à autodeterminação dos povos e contra as invasões que desrespeitam o direito internacional, também está bem porque está em linha com a grandes cartas de princípios internacionais; já em relação à censura não se vê lá muito bem quem é que censura quem, uma vez que os que mantêm uma seráfica equidistância podem publicar livremente o que quiserem, sendo, todavia, minoritários e estando também eles sujeitos às críticas dos pares, ou seja, dos que frequentam os mesmos interfaces que eles. Finalmente, em relação à complexidade: apesar de morrerem milhares de pessoas e de um país estar a ser destruído à “bazucada”, resultado de uma guerra injusta e ilegítima, ninguém contesta que os teóricos da complexidade procurem explicações históricas para o que aconteceu e que o façam de forma muito sofisticada, com os seus próprios quadros conceptuais. Eventualmente até com uma “epistemologia do Sul”. Até se agradece isso. Mas também se lhes pede que se pronunciem, em nome de valores universalmente partilháveis, sobre esta guerra sem a relativizar, porque os morticínios e a destruição são mal absoluto e porque relativizar é banalizar esse mal absoluto, para usar os termos da Hannah Arendt no livro Eichmann in Jesusalem. A Report on the Banality of Evil (New York, Viking Press, 1963).  Este mal absoluto gera profunda emoção que, ao contrário do que afirma um dos apóstolos da complexidade, nas páginas do DN, não ultrapassa “os limites da decência” porque representa simplesmente compaixão e humanidade. 

A GUERRA DIGITAL

A guerra está a acontecer em duas frentes fundamentais: a frente, arcaica e trágica, territorial e a frente global, de efeitos quer imediatos quer diferidos. A guerra de destruição de vidas e de infraestruturas e a guerra económica e comunicacional, a nível global. Aqui parece ter-se aberto uma nova frente: a guerra entre as grandes plataformas digitais, Big Tech, e a Rússia de Putin, admitindo-se que a Internet possa deixar de ser universal porque a Rússia sairia e criaria uma sua Internet interna. O que se tem visto são fortes pressões e acções do Kremlin sobre as plataformas (incluindo os respectivos escritórios em Moscovo), exigindo-lhes a aplicação de medidas de censura, até com ameaças. Algumas cedem, mas outras não, manifestando até posições de simpatia pela Ucrânia, como, por exemplo, o Facebook, que, entretanto, foi bloqueado, assim como o Instagram e o Twitter. Jessica Brandt e Justin Sherman, em “Foreign Policy” (“Wil Russia will chase out Big Tech?”), põem mesmo uma hipótese de ruptura: “The Russian government is already pushing for a domestic internet, and isolating and blocking Western tech platforms may move the country toward greater internet fragmentation—at least, at the content layer. That will damage the principle of a free, open, and global internet”. Será isto mesmo possível? Faz sentido uma internet circunscrita a um só país? E qual a seria reacção dos cidadãos russos quando se vissem mesmo privados definitivamente das redes sociais tal como as conhecem? Não acredito que a história ande para trás e que as fronteiras do mundo (até no plano digital) comecem a fechar-se às mãos dos ditadores, regressando a Vestefália. As grandes plataformas têm aqui uma boa oportunidade de demonstrar que estão do lado da liberdade e prontas para ajudar a cidadania contra os ditadores. Uma oportunidade que as poderá resgatar dos fortíssimos ataques que têm vindo a sofrer pelo establishment mediático tradicional e por certos meios académicos e políticos. Veja-se, por todos, o livro de Shoshana Zuboff sobre o Capitalismo da Vigilância, sucedâneo de No Logo, a Bíblia dos movimentos anti-globalização, de Naomi Klein, ou o documentário da Netflix sobre as redes sociais. A China controla a internet, com alguma dificuldade (veja-se o meu ensaio sobre o assunto, “Mudança de Paradigma: a emergência da Rede na Política. Os casos Italiano e Chinês”, em ResPublica/17, 2017, pp. 51-78), mas nunca foi tão longe. Pelo contrário, recorreu à Cisco Systems, para construir o seu sistema informacional de controlo. Este, se a guerra não terminar em breve, será um importante dossier a seguir com a maior atenção. Veremos. 

A ESPECULAÇÃO E OS PREÇOS

Os efeitos da guerra estão a sentir-se fortemente, acrescentando-se ao que já sofremos com a COVID19. A especulação é amiga das crises e isso já está a acontecer com os preços, em todas as frentes do consumo, sobretudo devido ao aumento brutal do preço dos combustíveis, mas também à escassez de matérias-primas, que já era forte com a crise da pandemia. Segundo a DECO, só num mês (de 23 de Fev. a 23 de Março) os preços, num cabaz de produtos alimentares essenciais, aumentaram quase 8 euros, passando de 183,64 para 191,58 euros (4,32%). Sobre os combustíveis nem vale a pena falar. De novo se torna necessário revitalizar o papel do Estado e da União Europeia para fazer face à crise e proteger a economia e as famílias. A frente fiscal deveria desempenhar neste contexto uma função essencial, conhecendo-se a boa prestação do Estado em matéria de défice orçamental em 2021 (2,8% do PIB). Esta situação relança, pois, o papel do Estado em todas as frentes, pondo, de novo, em crise os que dizem que o Estado deve somente ser supletivo, mas também alimenta aqueles que acham que o Estado é tudo e que a sociedade civil não passa de um sub-rogado dele. Um mal nunca vem só e se é verdade que as crises são momentos propícios a uma reflexão mais densa sobre a história, também é verdade que elas aguçam a emoção e perturbam a serenidade analítica. O que, todavia, elas não devem pôr em crise é o apego aos valores universais já consignados nas grandes cartas universais de princípios, mas também a compaixão e a solidariedade com os que injustamente sofrem a violência dos mais fortes. #Jas@03-2022

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Poesia-Pintura

CANTA, POETA, CANTA

Poema de João de Almeida Santos
Ilustração: “Perfil de um Poeta”
Original de minha autoria
Março de 2022
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“Perfil de um Poeta”. Jas. 03-2022

POEMA – “CANTA, POETA, CANTA”

“Ora al nuovo sole
si affidano i nuovi germogli”
Virgílio.
CANTA, POETA, CANTA
Até que a musa
Te ouça,
Nem que a palavra
Te doa
E a alma
Estremeça.

CANTA, POETA, CANTA
Que o teu poema
Tem dor
Que te baste,
Mas tem cor
Que alumia
E tem sabor
A cerejas,
Que as dá
A Primavera.

SE NO CANTAR
Tu quiseres
Atingir o infinito,
Agarra
No teu pincel,
Salta pra cima
Dum risco,
Dá-te asas
De azul
E voa
Nesse teu céu
Até que a musa
Te veja,
Te pinte
Numa cereja
E murmure
O teu nome
Quando se tinge
De cor.

CANTA, POETA, CANTA
Que o teu cantar
Te embala
Como água
Cristalina
Que corre
Lesta
No rio
Que nasce
Dentro de ti.

CANTA, POETA, CANTA
Que contigo
Cantarei
A alvorada
Do dia,
Se chorares,
Eu chorarei,
Por não sentir
Alegria,
Se sorrires,
Eu pintarei
As cores
Do teu sorriso
E para ti
Dançarei
Uma valsa
De Strauss
Às portas
Do Paraíso.

CANTA, POETA, CANTA,
Para ti
E para o mundo
Que o teu cantar
Enobrece
Quem ouvir
A tua prece,
Quem sentir
O teu lamento
Que, de ser
Já tão profundo,
Não o leva
Nem o vento
Pois ele em ti
Entardece.

E SE O VENTO
O levar
Vai procurá-la
A ela,
Voa lento
Sobre a rua
E pousa
No parapeito
Da sua bela
Janela.

CANTA, POETA, CANTA,
Que um dia
Há-de ouvir,
Deixa que o
Tempo passe
E a razão
Se esclareça,
Confia, pois, 
No porvir
Sem que teu estro
Esmoreça.

NÃO CHORES, POETA,
Não,
Neste teu
Entardecer,
Tens arte
Na tua alma,
Inspiração a crescer
E mesmo que 
Não te ouça
É um modo
De a ter.

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Artigo

O Erro de Putin (III)

A GUERRA, A INFORMAÇÃO E O PROVEDOR

Por João de Almeida Santos

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“S/Título”. Jas. 03-2022

FUI LER O ARTIGO do provedor do “Público”, José Barata-Feio, “Guerra na Ucrânia: a boa e a má propaganda” (19.03.2022, pág.19), alertado pelo comentário crítico de José Magalhães no seu Facebook, e achei oportuno propor uma reflexão sobre a informação acerca da guerra, a que o Kremlin chama  eufemisticamente “operação militar especial”, punindo severamente quem se atrever a designá-la por aquilo que ela realmente é: GUERRA. E começo por concordar com o senhor jornalista-provedor quando considera que estamos perante um excesso informativo. Sim, o excesso é hoje a medida da informação televisiva portuguesa. Foi assim com a COVID19 e é assim com tudo o que é negativo, com tudo o que cheira a desgraça ou a horror. É assim com os maiores telejornais  do mundo. Tabloidismo desbagrado, é o que temos. Com certeza. Mas o meu ponto não é este.

A INDIGNAÇÃO DO PROVEDOR

É, SIM, A POSIÇÃO de fundo do colunista-provedor, que está bem resumida logo no lead do artigo, que passo a citar: “As opiniões públicas ocidentais recebem uma informação tão dirigida quanto a que é despejada sobre os russos”.  O senhor jornalista-provedor não faz a coisa por menos. Aqui está o que ele realmente pensa. E nem vale a pena dizer-lhe que este excesso informativo tem vindo a crescer desmesuradamente e que, por exemplo, “as guerras na ex-Jugoslávia” hoje teriam certamente uma cobertura muito maior do que na altura tiveram. Ou dizer-lhe que nunca, como hoje (excepção feita para a questão dos mísseis de Cuba, em 1962), o risco de uma guerra nuclear esteve tão perto. E também não vale a pena comentar a sua qualificação da “aberrante e ‘putinesca’ decisão do Conselho Europeu”. Ou mesmo o que o título logo parece insinuar: que a informação na EU é, também ela, propaganda. Não, não vale mesmo a pena. O que vale a pena é comentar a sua posição de fundo acerca da guerra, de resto partilhada por alguns, e que está bem expressa no lead do seu artigo, que citei. O que o senhor jornalista-provedor acha é que os meios de comunicação ocidentais estão a fazer uma informação de parte, informação “advocacy”, o que ele considera inacreditável, por inadmissível: “A guerra na Ucrânia é objecto de uma cobertura noticiosa unilateral, uma one side view sem paralelo na história da imprensa moderna”. E, não satisfeito, ainda pergunta: “mas qual é o lado da imprensa e dos jornalistas independentes na cobertura de uma guerra? E qual é a sua função? A de informar tão completamente possível ou a de, na prática, divulgar apenas as posições de um dos lados?”.  Um dos lados, note-se. Mas há realmente duas posições equivalentes? Também a Ucrânia já bombardeou a Rússia? E, finalmente, para que a sua consciência fique serena e tranquila, conclui que “Em relação ao PÚBLICO, o provedor não recebeu qualquer reparo dos leitores à cobertura que está a ser feita da invasão da Ucrânia”. Aplausos para o jornal, para ele e para a SONAE. Tivesse lido o artigo, precisamente na página ao lado da sua, de Bárbara Reis, e teria constatado que, afinal, há queixas, apesar de também haver boas respostas, como a da referida jornalista. Resposta a ele próprio, jornalista-provedor, ao mostrar muito bem o que está em causa nesta vertigem informativa. Mas vamos ao assunto.

 ALGUMAS PERGUNTAS

PARA COMEÇAR, aqui vai o que eu gostaria de perguntar ao senhor jornalista-provedor:

  1. As forças russas invasoras deixariam circular os jornalistas para informarem com objectividade e imparcialidade no campo de batalha, como acontece do lado da Ucrânia? Creio que não. Bastaria, para confirmar esta convicção, constatar o facto de a palavra “guerra” estar proibida na Rússia e o seu uso estar sujeito a pesadas penas, apesar de se tratar de uma invasão em larga escala de um imenso país como a Ucrânia, com dezenas de milhares de soldados, outras tantas armas e milhares vítimas russas, entre as quais, ao que se sabe, muitos e importantes generais mortos em combate. Acha que deixariam?
  2. As normas dos códigos éticos (imparcialidade e neutralidade, neste caso) mantêm-se em situação de guerra e quando o país invasor transgrediu o direito internacional, o direito da guerra, a doutrina da ONU, tendo o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) condenado a invasão e ordenado o retiro das tropas russas, a assembleia da ONU condenado também, e por uma esmagadora maioria de países (141 dos 193 países que a compõem, e apenas 5 contra e 35 abstenções), e estando a ser investigados os crimes de guerra entretanto cometidos pelos russos, designadamente em Mariupol? Nada disto conta para o senhor jornalista-provedor?
  3. O senhor jornalista-provedor distingue entre adversários e inimigos, sendo a lógica amigo-inimigo uma lógica de guerra e implicando o aniquilamento do inimigo? Um jornalista que assista a um assassinato deve relatar o que vê, mantendo-se equidistante, ou deve, podendo fazê-lo, impedir ou contribuir para evitar o assassinato de um inocente?
  4. O senhor jornalista-provedor acha mesmo que a Europa é governada por uma série de Putins e que toda a imprensa ocidental é igual aos meios de comunicação russos controlados pelo Kremlin? Acha mesmo? Acha que os “putinescos” governantes da União Europeia aplicam, através dos seus “putinescos” tribunais, penas de 15 anos de prisão aos jornalistas que ousem utilizar a expressão “operação militar especial” em vez de guerra, quando se referirem à GUERRA entre a Rússia e a Ucrânia? Há mesmo na União um génio maligno que comanda a informação europeia, transformando-a em propaganda e tratando os jornalistas como meros paus-mandados? Mesmo aqueles que já deram a vida para informar?
  5. Acha ele que as normas russas que punem com penas de prisão por 15 anos só foram decretadas por terem sido encerrados dois meios russos de comunicação (o Sputnik e Russia Today) na União? Acha mesmo?

Defendo, em condições de normalidade, o cumprimento rigoroso de quanto estabelecido pelos códigos éticos, o que, de resto, é cada vez mais raro, mas admito que, no caso de uma guerra, e ainda por cima injusta, ilegal e assimétrica, estes códigos não sejam escrupulosamente seguidos, por força de quanto acima referido. A este propósito, há uns anos escrevi um artigo sobre o New York Times e a sua posição sobre as eleições presidenciais americanas, disputadas entre Donald Trump e Hilary Clinton. Retomo, a propósito do assunto deste artigo, o essencial do que escrevi na altura.

O NEW YORK TIMES E A INFORMAÇÃO

O NEW YORK TIMES, num Editorial de 24.09.2016, tomou posição sobre a competição presidencial americana: “Hillary Clinton for President”. O que dizia, no essencial, o Editorial?  Dizia que aquele não era “um ano de eleições normal” e que, por isso, tomava posição para “persuadir aqueles de vós que estão a hesitar em votar na Senhora Clinton”. Em condições normais, o jornal cotejaria as posições de ambos os candidatos, mas, nas condições de então, isso seria um exercício “vazio”. E fez uma longa exposição sobre as suas qualidades pessoais, competências, posições políticas, desempenho nos cargos que ocupou, como Senadora e como Secretária de Estado de Barack Obama, mas também como Primeira Dama. Uma clara defesa da sua candidatura: “challenges this country faces, and Mrs. Clinton’s capacity to rise to them”. Considerava, além do mais, o candidato Donald Trump como o pior candidato proposto por um partido na moderna história americana.

Sejamos claros. Que a Fox News tivesse uma posição radical em defesa de um candidato republicano não admirava. Esse canal é conhecido por fazer um jornalismo “advocacy”, militante, ao serviço permanente do partido republicano. E que o seu antigo patrão, Roger Ailes, era um famoso e agressivo Spin Doctor dos republicanos, conselheiro de sucesso de vários Presidentes, também se sabe. Mas que o NYT o tivesse feito desta forma perentória e deste modo levantava uma velha questão de fundo, ou seja, a questão da função de cidadania dos media. E porquê? Porque no seu código ético encontramos palavras como “fairness”, “integrity”, “truth”, “accuracy”, “impartiality”, ou seja, as mesmas que encontramos em outros códigos éticos e que procuram preservar precisamente essa função, através da imparcialidade, da objectividade e da neutralidade no exercício da informação. Diz, com efeito o NYT: “The goal of The New York Times is to cover the news as impartially as possible”. Como se explica, então, esta tomada de posição?

OS CÓDIGOS ÉTICOS DO JORNALISMO

O QUE SÃO OS CÓDIGOS ÉTICOS e para que servem? São conjuntos de princípios que integram um quadro normativo de referência que deve guiar, tanto quanto possível, os meios de comunicação no processo informativo. Estes princípios enquadram a função de cidadania dos media porque garantem o fim último da informação: dotar os cidadãos de informação objectiva acerca da realidade para que eles possam fazer racionalmente as suas opções, seja na política, na cultura, na economia ou na vida quotidiana. Na verdade, os meios de informação existem para servir a cidadania, fornecendo-lhe boa e relevante informação, de forma neutra, imparcial, independente e objectiva. E para isso até são especialmente protegidos pela constituição americana, logo na primeira Emenda, de 1791, ou pela francesa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, nos art.s 10 e 11. De resto, destes códigos éticos já se fala desde 1690, data do famoso e primeiro código Harris. E, portanto, transgredi-los corresponde a desviar-se da sua função essencial.

Dir-se-á, então, que o jornalismo “advocacy”, ou militante, é ilegítimo? No essencial, sim, porque não cumpre a sua função originária: dar toda a informação isenta ao cidadão para que ele, sim, possa fazer, autónoma e responsavelmente, as suas opções, com as suas próprias razões ou fundamentos. Uma prática diferente corresponde simplesmente a engano e a manipulação – a spinning: informação com efeito. A não ser que seja dito expressamente que esse é um jornalismo “advocacy” e que esse meio de comunicação luta por uma causa muito concreta, sendo, portanto, um seu instrumento. Os jornais partidários são um exemplo e são legítimos, sim, mas como instrumentos assumidos de um partido político. Já a imprensa em geral não, não pode nem deve seguir este caminho.

LEGÍTIMA DEFESA

É AQUI QUE BATE O PONTO. Por que razão o NYT tomou posição, contrariando os seus próprios princípios e, em geral, os princípios dos códigos éticos? A minha resposta é a seguinte: em condições normais, como é dito no Editorial, não o faria, nos termos em que o fez, apesar de, como sabemos, ter um longo historial de apoio a Presidentes: de Lincoln a Kennedy ou a Obama. Só que se em 2016 o fez de modo perentório foi porque, no seu entendimento, se tratava de uma situação não normal, vistos, por um lado, os enormes problemas com que os Estados Unidos se confrontavam (problemas no Médio Oriente, relações da Rússia com a Europa oriental, guerra, terrorismo, pressões da globalização, graves problemas internos) e, por outro, a excepcionalidade negativa do candidato republicano. Sabemos que esta é uma prática comum na imprensa dos Estados Unidos (e não só), mas isto não invalida que esta prática contrarie os princípios de códigos éticos que foram livremente adoptados. E, ainda por cima, em matéria tão relevante e sensível como a da política. Não esqueçamos que o primeiro código ético surge precisamente nos Estados Unidos (conhecido como código Harris, como já referi) e que aquele que é considerado como o primeiro código formal é de 1910, o do Kansas, também nos USA.

O NYT sabia muito bem que estava a violar regras muito importantes do seu próprio código ético e do jornalismo em geral, e em particular as do próprio modelo liberal que tende, afinal, para a progressiva afirmação da neutralidade política, para usar o conceito de Daniel Hallin e Paolo Mancini, em “Comparing Media Systems”, de 2004 (veja-se o capítulo 7; existe tradução portuguesa). E disse-o de forma clara, argumentada e frontal. Mas fê-lo nestes termos, julgo eu, numa lógica de legítima defesa, pelas razões apontadas e pelo perigo que Trump representaria para os Estados Unidos e para a política internacional. Não ouso dizer, como então fez o conservador liberal Andrew Roberts, nas páginas do DN, que dos líderes históricos o mais próximo “de Trump é Mussolini”. Mas parece ser consensual que ele exibia posições que acrescentariam conflito e tensão aos conflitos e tensões já existentes. Tensões que, afinal, viriam a ter nas eleições seguintes desenvolvimentos gravíssimos no interior dos próprios USA, com o assalto violento ao Capitólio por parte dos seus apoiantes para impedir a confirmação da vitória de Biden. Matéria que está em investigação e em julgamento e que torna mais compreensível a posição do NYT. De qualquer modo, a posição de legítima defesa assumida por este jornal pode ser explicável, sobretudo porque as sondagens davam resultados que punham os dois candidatos em pé de igualdade e quando as campanhas sujas voltavam a entrar em cena de forma violenta. Como se sabe, o resultado foi favorável a Trump, levando-o à Presidência (e, ao que se sabe, Putin e a Cambridge Analytica, dos senhores Robert Mercer e Steve Bannon, tiveram activo papel no processo).

Esta posição do NYT, em tempo de normalidade democrática – mas, pelos vistos, para o jornal não o era, o que é, de qualquer modo, discutível -, não me parece estar de acordo com aquilo que é pedido à imprensa nem com os princípios do seu próprio código ético. Mas a justificação, que não foi dada explicitamente nestes termos e que, por isso, se torna mais problemática, poderia ser argumentada como o é o exercício da legítima defesa, regulado por lei, ou seja, poder ser accionada quando a vida está posta em perigo e não há possibilidade de recorrer à autoridade pública, a que detém o monopólio do uso legítimo e legal da força. No essencial, o que me parece é que esta transposição para o sensível mundo da informação em certos casos é legítima. E, por isso mesmo, numa situação como a que se está a viver na Europa e com a invasão da Ucrânia nos termos que já referi e com a avaliação que já foi feita pelas instâncias internacionais, é compreensível que este paralelismo possa ser invocado pelo establishment mediático europeu em defesa da Ucrânia, de si própria e da paz mundial. E, no entanto, tanto quanto julgo saber, nem sequer foi invocado qualquer argumento legitimador ou planeada qualquer estratégia informativa quer pelo poder político quer pelos próprios media, não podendo de modo algum a informação ocidental ser qualificada como propaganda, como parece sugerir o título do artigo.  O perigo é também para a Europa, a invasão é ilegal e ilegítima, foi condenada pelas instâncias internacionais e vive-se um tempo, não de normalidade, mas, sim, de guerra. Legítima defesa, informação em legítima defesa, expondo as atrocidades do invasor, situação em que o direito internacional, as normas da ONU e as resoluções do TIJ nada contam nem valem, e a que se pode ainda acrescentar crimes de guerra, talvez tudo isto possa justificar um posicionamento activo do establishment mediático europeu para que seja reposta a legalidade, a normalidade e a paz. Se até no plano do Estado de Direito é prevista excepcionalidade para o uso privado de força letal desde que em legítima defesa por que razão não deveria ser permitido fazer o mesmo no caso da informação em situação de guerra ou de grave ameaça à segurança? E até tomando em consideração que a imprensa é livre e em qualquer caso não recebe instruções do poder político, encontrando-se nela posições que directa ou indirectamente justificam a invasão de Putin. Vêem-se nas televisões e não se conhece qualquer tipo de proibição. Exemplos? O do famoso espião Alexandre Guerreiro ou o desse acelerador discursivo que dá pelo nome de Raquel Varela. Ou ainda o do seráfico apóstolo da complexidade, Viriato Marques, que, no DN, se rasga as vestes ao ver que alguém, ultrapassando, diz, “os limites da decência”, ainda se possa emocionar perante a onda brutal de destruição e morte que se vê na Ucrânia, sendo incapaz de, como ele, se distanciar, em nome da epistemologia da complexidade. O que eu pergunto é o seguinte: tratamento igual para condições absolutamente desiguais? Não só seria injusto como também errado.

FINALMENTE, QUE TAMBÉM OS MEDIA
NOS DEFENDAM DA GUERRA,
SEM MENTIR

BEM SEI que o modelo de jornalismo e de informação que respeita a sua função de cidadania está constantemente, e em tempos de normalidade democrática, a ser atropelado e sujeito a um spinning cada vez mais intenso e sofisticado, dando lugar a uma política que alguns já designam por política pós-factual e a uma verdade que já surge designada como pós-verdade. Mas também é verdade que a rede está a irromper com uma tal força no espaço público que pode também vir a servir de forte antídoto a este desvio, obrigando a uma efectiva correcção de rota no percurso informativo em suporte tradicional. O que, todavia, no meu entendimento, não nos deverá impedir de continuar a desenvolver, na frente mediática, um forte combate pela aplicação séria desses mesmos códigos éticos de que os próprios meios de comunicação livremente se dotaram. Para que a excepção não se venha a tornar regra e os media transformem a sua função de cidadania em puro exercício de poder sobre a consciência dos cidadãos. Sem dúvida. Mas também é verdade que em tempos de guerra a lógica das relações internacionais muda e, ao mudar, tem implicações no modo de funcionamento dos próprios subsistemas nacionais e nas próprias práticas informativas, mesmo não estando sujeitas ao diktat político, como acontece nas ditaduras. Não o reconhecer pode ter como consequência favorecer o jogo do inimigo, que deixou de ser, como em tempos de normalidade, um mero adversário. A dialéctica da aniquilação requer uma dialéctica diferente. A da legítima defesa. E, portanto, também esta pode ser, mas sempre num quadro de liberdade informativa, uma importante função de cidadania dos media, atendendo ao papel decisivo da informação em tempo de guerra.

Mas, mesmo assim, e para, finalmente, tirar dúvidas, vou ali perguntar ao Evgueny Mouravitch – que foi obrigado, certamente por causa do “putinesco” Conselho Europeu, a deixar a Rússia depois de trinta e cinco anos como correspondente – o que acha de tudo isto.

Tudo para dizer que me parece angelical ou mesmo sonsa e manhosa a livre posição do senhor jornalista-provedor, alinhando com os mesmos manhosos (e não são poucos, sendo, todavia, livres de a tomar, mas também sujeitos à livre crítica) que atribuem todos os males da humanidade aos USA, à NATO e à União Europeia, numa palavra, ao imperialismo. Mas o que eu acho é que quem confunde o tempo de Guerra com o tempo de Paz ou é insensível e distraído ou, então, também ele é, afinal, paladino de uma parte. Da pior parte, neste caso, ou seja, do invasor. #Jas@03-2022

NOTA

Não conheço o senhor jornalista-provedor, nada me move pessoalmente contra ele e não lhe conheço, certamente por falta minha, actividade que me mereça especial atenção. Este artigo procura somente reflectir criticamente sobre um ponto de vista que, como se sabe, alguns têm livremente – sublinho – vindo a defender, em nome do bom jornalismo (julgo eu).

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“S/Título”. Detalhe

Poesia-Pintura

A FESTA DA MÚSICA

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Doce Ciúme”.
Original de minha autoria.
Março de 2022.
VoarFinal_1

“Doce Ciúme”. Jas. 03.2022

POEMA  – A FESTA DA MÚSICA

CERTOS DIAS,
Quando a música
Me atrai
(Irresistível
Pulsão),
Entro em alvoroço
E até sinto
Alguma dor,
Doce ciúme
De amor,
Quase rebelião
Pelo silêncio
Que faz eco
A meus versos
Diletantes,
A solitária
Paixão.

DOCE CIÚME
Do turbilhão
Interior
Que seu ritmo
Produz,
Dos arrepios
Que faz
E do veludo
De alma
Que a música
Me traz.

CANTA-SE
Do lado de lá,
Sinto
Calor intenso,
Ovações,
Danças
Extenuantes
E expressivos
Sinais,
Corpos
Em êxtase
De tão intenso
Prazer
Em festivos
Rituais.

É FESTA, SIM,
E é baile,
É um tremor
Corporal
Que me liberta
A alma
Deste mundo
Tão banal.

É LIBERDADE
Em forma de
Emoção,
É rito,
É vibração,
Ondas
Que me projectam
 No ar
E transportam
O meu corpo
Para, feliz,
Levitar.

É LIBAÇÃO,
Bebida
Contagiante,
Bebedeira
Sensual,
É, como apelo
De amante,
 Um poema
Corporal.

MAS EU SÓ SINTO
Silêncio
Do lado de cá
Dos meus versos,
É ausência
Permanente
E sem recurso,
Melodia
Do silêncio
Em poético
Discurso.

INTERPELO
Não sei quem
No poético 
Instante,
Sabendo que
Há alguém
Que não ouve
E que não sente
Este canto
Diletante.

DOU COR
Às minhas palavras
E ponho-me
Sempre a pintar
Pra que as ouçam
Com alma,
Mas também
Com o olhar.

QUAL QUÊ?
(Penso eu)
É só fantasia
A fervilhar
De emoção
No silêncio
De um recanto
Como se fosse
Oração
Que redime
De uma vida
Devorada
Com paixão.

SINTO CIÚME,
Quase inveja,
De uma festa
Onde o corpo
Vibra,
Onde a palavra
É som
Que me convida
A dançar
E segreda
Ao ouvido
O que ele
Traga consigo
Para me arrebatar.

MAS SOFRO
De melancolia
Do lado de cá
Dos meus versos,
Vejo danças,
Vejo corpos 
Aquecidos
Ao som
De uma guitarra,
Ouço o timbre
De uma voz
Que me prende
Os sentidos,
Ouço ecos lá
Ao longe,
Na memória
Já perdidos...
..............
E recolho-me
Em solidão
Para compor
Com palavras
Meu silêncio
Pontuado
Nos versos
De uma canção.
VoarFinal_1Rec

“Doce Ciúme”. Detalhe

Artigo

O ERRO DE PUTIN (II)

Por João de Almeida Santos

JAS_Ucrânia3

“S/Título”. Jas. 03-2022

TENHO ACOMPANHADO com atenção e sem preconceitos ideológicos o intenso debate sobre a invasão da Ucrânia e gostaria de começar pondo um pouco de ordem na discussão, resumindo em três posições o essencial da argumentação. Há os que consideram, sem grandes argumentações, mas indo ao essencial, a invasão um acto bárbaro, ilegítimo e ilegal do senhor Putin, em nome da Rússia e de uma sua visão imperial ou czarística; há os que timidamente a condenam, com tantos “mas” que acabam por justificar a invasão; e há – poucos, pouquíssimos – os que atribuem explicitamente aos USA e à NATO, mas também a Zelensky, as culpas do que aconteceu por não terem atendido às razões de Putin sobre o direito à própria segurança da Rússia e às razões analiticamente expostas por Putin e oportunamente divulgadas pelo site do Kremlin. Compreendo todas as posições, a favor ou contra, desde que fundamentadas, mas não respeito aquelas que revelam uma manhosa hipocrisia e que, em expressivo amor à liberdade de imprensa, já se estão a queixar da censura que as democracias representativas ocidentais estão a impor à livre expressão das ideias sobre o assunto, mesmo que sejam as daqueles que destroem a liberdade dos outros à bomba, procurando legitimar as suas acções com propaganda junto opinião pública e não permitindo reciprocidade de tratamento no seu território. A superioridade moral da democracia, dizem, deve manifestar-se em relação à liberdade mesmo quando ameaçam destruí-la à bomba. Outra versão do postulado moral que diz que deves dar a outra face a quem já te esbofeteou.  Talvez seja correcto, moralmente correcto, mas confesso que tanta rectidão moral me põe de pé atrás, receoso que tudo isto não passe de pura hipocrisia e de uma visão angelical do mundo e da vida, proclamada sobretudo por aqueles que a vivem em duplicidade, ou seja, como ortodoxos que não praticam o que proclamam.

AS PALAVRAS E OS FACTOS

HÁ, POIS, PARA TODOS OS GOSTOS. “The Economist”, de 12-18 de Março de 2022, num artigo com o sugestivo título “The Stalinisation of Russia”, centra, a partir do título, as grandes questões que estão em causa neste conflito, mas remete, logo a partir do título, o essencial para a figura deste “dictator at home – a 21st-century Stalin, resorting as never before to lies, violence and paranoia”, que não dispõe, todavia, como Stalin, de uma ideologia forte que o legitime, mas tão-só de um serôdio nacionalismo imperial e de uma frágil narrativa justificacionista, bem expressa no ensaio que publicou em Julho de 2021, para preparar a legitimação da invasão e a tentativa de anexação da Ucrânia. Ensaio que, aliás, foi desmentido nos próprios termos, como veremos, pela posterior intervenção e pela  violência que se lhe seguiu.

No meu entendimento, o ponto é de uma simplicidade extrema: a Rússia invade a Ucrânia sem causa, sem que tenha havido qualquer acto de agressão ou de ameaça por parte da Ucrânia, o que não é absolutamente permitido pela carta da ONU, pelo direito internacional e pelas convenções que regulam a guerra. Bem pelo contrário, este país nem sequer reagiu com reciprocidade ao gigante russo (como poderia?) depois deste ter ilegalmente anexado um seu território (a Crimeia) e promovido e avalizado a declaração de independência de dois seus territórios (Donetsk e Lugansk), repetindo o que já fizera, em 2008, ao reconhecer a declaração de independência da Ossétia e da Abecásia, dois territórios da Geórgia, e ao invadir este país. Não há argumentação que possa justificar estas posições da Rússia, como, pelo contrário, fazem alguns empedernidos da extrema-esquerda anti-imperialista, atribuindo a causa destas violações ao imperialismo norte-americano e à NATO. A hipocrisia das posições que assumem é absolutamente confrangedora e até mesmo cruel.

A POLÍTICA EXTERNA DOS USA
E OS SEUS INIMIGOS

É CLARO QUE OS USA têm sido desastrosos na sua política externa, sendo o caso do Iraque o mais extraordinário e condenado de todos. A invasão, justificada com o falso pretexto das armas de destruição maciça, em cuja farsa o senhor Durão Barroso (juntamente com Blair e Aznar) e o actual tudólogo da TVI, Paulo Portas, seu ministro de Estado e da Defesa, participaram activamente, viria dar origem à enorme balbúrdia e destruição que se viveu e vive no Médio Oriente. Mas poderíamos acrescentar, condenando, as gravíssimas interferências na América Latina (por exemplo, na carnificina do execrável Pinochet, no Chile), o desastre do Vietname e do Afeganistão ou as injunções de drones em imensos países, à revelia do direito internacional. Sem dúvida. E até poderíamos também criticar a política de deslocalização económica dos seus potentados económicos para aquilo a que Naomi Klein chama as EPZ (Export Processing Zones), zonas de exploração/produção com enquadramento de tipo militar, tão bem retratada no seu excelente livro “No Logo” (veja-se aqui o meu artigo sobre esta obra: https://joaodealmeidasantos.com/2013/10/10/no-logo/). E ainda a sua rejeição, mas sem intervenção militar, dos mísseis soviéticos em Cuba, em 1962, sublinhando a simetria de posições de ontem e de hoje e o imprudente alargamento da NATO para junto das fronteiras da Rússia, contrariando o que, ao tempo, terá sido prometido a Gorbatchov. Poder-se-ia mesmo argumentar, dizendo que o que os USA não admitiram junto das suas fronteiras também outros têm o direito de não o admitir junto das suas. Certamente. E, por fim, o belicismo latente, sobretudo dos republicanos, que alimenta a poderosa indústria de armamento americana.  Sim, tudo isto é verdade e até poderíamos ver nos USA só coisas negativas, o que também acabaria por ser muito injusto, bastando lembrar que se trata de uma democracia ou o seu papel nas duas guerras mundiais em defesa da Europa. Ou a fantástica (ainda que um pouco interesseira, mas compreensível) ajuda de 14 mil milhões de dólares para a reconstrução europeia no segundo pós-guerra (o Plano Marshall). Criticar fortemente o que é criticável, sim, mas também elogiar o que há de positivo. Mas justificar ou legitimar esta bárbara intervenção com base em argumentos deste tipo ou de um anti-imperialismo primário é que me parece absurdo, pura e simples cegueira ideológica e gravíssima falta de humanidade, perante o que está a acontecer e que podemos testemunhar todos os dias nas reportagens televisivas e nas redes sociais. Não, não há razões que possam justificar ou legitimar a invasão e a chacina e impressionam-me os que, veladamente, directa ou indirectamente, a justificam, ainda que saibam que esta invasão vai alimentar os que estão sempre à espreita para reiniciarem o rearmamento, em nome da paz, sim, mas sobretudo movidos pelo desejo de lucro com a expansão das indústrias de armamento. E ainda me impressiona mais que haja, à esquerda, quem diga que o assunto só devia ser discutido entre os Estados Unidos (a NATO) e a Rússia, resolvendo-se do mesmo modo com que foi resolvida a questão dos mísseis de Cuba (que nem sequer foi igual, pois se tratou de mísseis soviéticos instalados e a instalar em território cubano e não tendo havido invasão daquele país pelo exército americano). Tudo muito de esquerda, para pacificar as consciências. Quanto a mim, há “mas” a mais na argumentação sobre a guerra.

O ENSAIO DE VLADIMIR PUTIN

PARA TIRAR DÚVIDAS fui ler o Ensaio de Putin, “On The Historical Unity of Russians and Ukranians”, publicado pelo Kremlin, em 12.07.2021: (https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwjU_aqN9sD2AhWck_0HHWe3BE0QFnoECAwQAQ&url=http%3A%2F%2Fen.kremlin.ru%2Fevents%2Fpresident%2Fnews%2F66181&usg=AOvVaw3WaxcrPeh5rqNjLD55C1Ys

É o mínimo que pode fazer quem se quiser adentrar na análise da invasão, procurando a fundamentação para o que – sem aparente explicação – viria a acontecer meses depois. Não havendo ideologia de suporte, como havia na URSS, foi necessário construir uma narrativa, que foi assumida oficialmente pelo Kremlin, ao publicar o texto também na versão em inglês, ou seja, para que pudesse ser lido por todos e não só pelos russos. E, depois da leitura, o que é que se pode concluir? Simplesmente que Putin considera ambos os países uma só nação com as mesmas raízes (incluída a Bielorrússia) no Rus de Kiev, que a verdadeira soberania da Ucrânia só será possível em parceria com a Rússia, que este país nunca foi e nunca será anti-ucraniano (como se está a ver) e, finalmente, que compete aos cidadãos ucranianos decidirem o que a Ucrânia virá a ser no futuro (como se está também a ver). Cito, para que não haja dúvidas: “I am confident that true sovereignty of Ukraine is possible only in partnership with Russia” (…) “Russia has never been and will never be ‘anti-Ukraine’. And what Ukraine will be – it is up to its citizens to decide”. Belas palavras que a realidade já desmentiu.

Todo o Ensaio está virado para estas ideias, desde a longa viagem histórica sobre a constituição da Rússia e da Ucrânia até àquilo que ele define como o virar de costas deste país a este mundo comum, que “se desenvolveu como um único sistema económico durante décadas e séculos”,  e a opção de se virar para o ocidente, com a cumplicidade deste, e de perseguir a comunidade e a língua russas, promovendo activamente uma mentalidade anti-russa. Tudo isto pelo poder que se instalou em 2014. Putin é claro na acusação: a) negaram o passado(excepto as fronteiras); b) mitificaram e reescreveram a história; c) deitaram borda fora tudo o que os unia à Rússia; e e) passaram a considerar o período em que a Ucrânia fazia parte do Império Russo e da União Soviética como uma ocupação.

Putin declara, assim, que a Rússia e a Ucrânia se inscrevem naturalmente num universo histórico, civilizacional, espiritual, religioso, cultural e linguístico comum que considera gravemente ameaçado pela opção ocidental da Ucrânia, chegando mesmo a deixar uma ameaça velada, que, afinal, em poucos meses, viria a concretizar-se com o bombardeamento russo de todas as cidades do país – “I would like to say that this way they will destroy their own country” -, assumindo, e citando Anatoly Sobchak, que “as repúblicas que foram fundadoras da União e que denunciaram o Tratado de União de 1922, devem regressar às fronteiras que tinham antes de se juntarem à União Soviética”. Nem mais. Note-se que a Crimeia foi cedida em 1954 por Krustchev (“in gross violation of legal norms that were in force at the time”), um líder (tal como Breshnev) cuja “party biography was most closely associated with Ukraina”, chegando mesmo a afirmar que “one fact is crystal clear: Russia was robbed, indeed”, que a moderna Ucrânia “is entirely the produc of the Soviet era” e que “was shaped – for a significant part – on lands of historical Russia”. Mais claro do que isto seria impossível. Estamos em Julho de 2021.

O ensaio, aliás, começa logo com grande clareza ao afirmar que o recente muro entre a Rússia e a Ucrânia (entenda-se depois de 2104), promovido pelas forças que querem dividir para reinar, acicatando um país contra o outro, representa um enorme e comum “infortúnio e tragédia”, sublinhando que ambos os países partilham o mesmo espaço histórico e espiritual e lembrando as palavras, fixadas para a posteridade, de Oleg, o Profeta, sobre Kiev: “Let it be the mother of all Russian cities”. A origem, o solo ou o lar que determinam para sempre a mesma pertença comum.  E pergunta: quem pode dividir uma herança comum entre a Rússia e a Ucrânia se Svevchenko escreveu poesia em ucraniano e prosa em russo e se um “patriota russo” como Gogol, que nasceu na Ucrânia (Poltavshchyna), escreveu os seus romances em russo? Ninguém.

No seu entendimento são milhões os ucranianos que rejeitam o projecto anti-russo dos actuais dirigentes ucranianos (que, segundo ele, consideram que “the ‘right’ patriot of Ukraine is only the one who hates Russia”), apesar de ele próprio, confessa candidamente, sempre ter insistido na necessidade de diálogo, tudo fazendo para “parar o fraticídio” (referindo-se a Odessa, ao Donbass, à Crimeia e aos herdeiros e seguidores do nacionalista Stepan Bandera). “Russia has done everything to stop fratricide”. Preto no branco.

UMA NARRATIVA LEGITIMADORA

Já temos que chegue. Em Julho do ano passado já Putin argumentava, com uma candura espantosa, que aquele mundo é um mundo fraterno e comum ao da Rússia, que os seus destinos são inseparáveis, apesar de o ocidente tentar dividi-los… para reinar. E dizia-o com fundamentação histórica tão minuciosa (o ensaio tem cerca de 20 páginas) e tão em profundidade que nem a União Soviétiva, de que foi fiel servidor como agente dos seus serviços secretos, fugiu às suas críticas, acusando-a de ter roubado a Rússia e apontando implicitamente o dedo, além de a Lenine, o responsável pela decisão (em nome do direito universal de autodeterminação dos povos) de dar autonomia e direito de secessão às repúblicas socialistas soviéticas,  também a filo-ucranianos como os dois Secretários-Gerais Nikita Krustchev e Leonid Breshnev, que, sublinhou, governaram a URSS durante trinta anos. Em palavras simples: Putin quer corrigir os “erros” da União Soviética, em nome da sua visão pessoal da história da Rússia. Nada menos.

São claros o desenho e a posição de Putin. A queixa é muito mais ampla do que a questão da segurança, que está também clara e criticamente formulada, pois centra-se na economia, na cultura, na língua, na tradição e nos laços históricos profundos que unem os dois povos, sentindo a traição ocidental dos ucranianos como se de uma perda de parte do próprio corpo se tratasse e, por isso, vendo-se obrigado a reagir, em defesa de milhões de ucranianos e, pasme-se, da própria soberania da Ucrânia.

O TRÁGICO ERRO

NUMA ÉPOCA DE GLOBALIZAÇÃO e de interdependência global das economias, de leis económicas que já ultrapassam a subjectividade dos próprios Estados, Putin decide, em nome do passado, das afinidades históricas, espirituais e civilizacionais entre os povos russo e ucraniano usar as armas, a força e a violência para impor a sua generosa e sentida ideia a dezenas de milhões de pessoas, sem compreender que isso não se pode obter pela força e pela violência, mas sim pelo afecto, pelas boas relações, pela cooperação, pelos interesses recíprocos e pelos argumentos. Sem compreender que as famílias, em nome de um tronco comum, não devem superar as divergências de interesse e de visão do mundo através da violência e da aniquilação de parte da própria comunidade familiar. Sobretudo no mundo de hoje, conhecendo o que aconteceu nas duas guerras mundiais, mais de 60 milhões de mortos, e do que aconteceria se o conflito ganhasse uma dimensão nuclear. Não serei tão assertivo como o articulista do New York Times Thomas L. Friedman quando diz, no artigo “Putin só tem duas opções. As duas implicam perder” (NYT, 09.03.2022), que “as únicas opções que lhe restam na Ucrânia são como perder: rápido e pouco e somente humilhado ou tarde e muito e bastante humilhado”, mas acompanho integralmente “The Economist”, no artigo acima citado, quando diz que “Mr Putin is committing war crimes against the fellow Slavs he eulogised in his writings”, como, de resto, vimos acima. E também é verdade que ao atacar a Ucrânia Putin “has committed a catastrophic error”. Erro que pagará caro politicamente e pessoalmente, podendo vir a ser levado ao Tribunal Penal Internacional por gravíssimos crimes de guerra. “Putin is isolated and morally dead”, acrescenta o artigo (não assinado), e este isolamento, devido ao carácter unipessoal do regime e às dificuldades não previstas por que está a passar, pode criar uma tal instabilidade interna que o levem, por receio de um golpe, a ter de lutar para se manter no poder. Palavras de “The Economist”, sendo também certo que as dificuldades na guerra só produzirão efeitos internos se houver movimentações no seio do próprio poder russo, desde que cresça nas elites a convicção de que o problema criado só se poderá resolver com o seu afastamento do poder. É preciso não esquecer que se trata de um regime de um homem só que, em tempos de globalização, se alimenta de um serôdio nacionalismo imperial concretizado com instrumentos que verdadeiramente já não são do século XXI.

Fora do tempo e incapaz de reconhecer as dinâmicas que estes tempos estão a gerar, Putin também intervém de forma errada para conseguir os seus objectivos, porque conseguiu os efeitos contrários ao que desejava, e que candidamente expressou no Ensaio, provocando uma indesejável fractura radical com o povo ucraniano, unindo a União Europeia e dando um substancial pretexto à NATO para se revitalizar e se rearmar em consistente unidade interna. E a tudo isto ainda acresce, como também afirma “The Economist”, que a Rússia, mesmo em caso de vitória no conflito, não dispõe de recursos e de condições para manter uma ocupação deste país, que só poderia ser militar. A comunidade de afinidades de origem, históricas, espirituais, linguísticas, económicas, e em grande parte também a transversalidade familiar que existe entre russos e ucranianos, acabou por ser anulada por aquele instrumento que representa exactamente o seu contrário – a violência. Putin, com a invasão, negou quanto afirmara no famoso Ensaio doutrinário sobre as afinidades entre a Rússia e a Ucrânia, publicado, não por acaso, no site do Kremlin, ou seja, assumido institucionalmente. Um erro histórico, por desfasamento no tempo, mas também um erro de concepção, por contradição entre fins e meios para os alcançar. Esperemos que a estes erros não acrescente um outro que, esse sim, seria fatal para todos nós. E se isso se mostrasse como realmente plausível, então o que se espera que aconteça é que os próprios russos impeçam, com as suas próprias mãos, o suicídio, deles e da humanidade. Para quem tivesse dúvidas sobre a perigosidade dos regimes unipessoais está a ficar cada vez mais claro que o perigo de suicídio colectivo é o maior de todos eles.

O EROS E O THÁNATOS

Sim, tudo isto me parece acertado, mas também considero que devemos pensar muito seriamente sobre o que Robert Reich diz no seu recente artigo (de 12.03.2022) em substack.com : https://robertreich.substack.com/p/the-six-things-putin-and-trump-convinced?s=r.

O que ele diz no essencial está contido no próprio título do artigo: “Putin and Trump have convinced me I was wrong about the twenty-first century”. Errado em considerar que, em tempos de globalização, o nacionalismo tinha desaparecido; que os Estados  (ele usa a expressão “Nations”) já não controlam o que os seus cidadãos sabem e conhecem; que o valor do território  passou a ser inferior à capacidade tecnológica e à inovação; que os maiores poderes nucleares já não arriscariam uma guerra de uns contra os outros porque o resultado seria a mútua destruição; que nunca mais a civilização ficaria refém de um só louco com poder de destruição; que em conflitos os avanços tecnológicos minimizariam as baixas entre civis; e que, finalmente, a democracia seria inevitável.

Ambos os líderes mostraram, no seu próprio entendimento, que Reich estava errado porque aquilo que ele julgava superado, afinal não estava. Esta guerra mostra que o mais inverosímil é possível e que, não se confirmando que a história ande de facto para trás, também confirma que a natureza humana não muda e que há pulsões profundas que sobrevivem à própria história (o amor e o ódio, por exemplo), encontrando sempre vias de imposição que hoje até podem ser fatais para a Humanidade. Muitas vezes, a pulsão de morte, aquilo que Freud, usando a palavra grega, designava por thánatos, a pulsão que se opõe ao eros, a pulsão da vida, vence (no suicídio ou na promoção da guerra, por exemplo). E, por isso, nada na vida deve ser dado como adquirido, não devendo a cidadania adormecer na “sociedade do contentamento”, para usar o título de um livro de Galbraith, porque acontecem, de facto, regressões, com novas faces, mas regressões, havendo sempre quem queira fazer história olhando mais para trás do que para a frente e mais para a violência do que para o consenso. Sempre houve quem vivesse mais da nostalgia do passado, mesmo, ou sobretudo, quando ele se revelou difícil ou mesmo trágico, do que do compromisso com o futuro. Um mecanismo estranho, mas real. E, todavia, no meu entendimento, nem tudo aquilo em que Reich considera que estava errado foi apagado, pura e simplesmente, pela subida ao palco da história destes dois personagens. Os países democráticos têm suficiente poder para confrontar Putin e derrotá-lo (no plano da guerra convencional vê-se agora que há muito de propagandístico no seu poder militar); os cidadãos têm de facto muito mais acesso à informação do que tinham,  sendo a sua neutralização quase impossível; a ideia democrática é hegemónica (embora não como facto, mas como ideia), a globalização e o poder da ciência e da tecnologia impuseram-se sobre a lógica territorial e sobre as fronteiras; o poder dissuasivo do nuclear mantém-se (apesar da incógnita do poderio nuclear de um homem só); o nacionalismo identitário e agressivo só ressurge com força histórica quando existe uma ameaça violenta ao território ou como instrumento de dominação política; a violência da guerra  (convencional) pode ser, de facto, limitada em termos de baixas civis, a não ser quando tudo falha (e é o que parece estar a acontecer com a Rússia invasora, como aconteceu na Síria). Ou seja, Reich só estaria enganado se tomasse as suas convicções analíticas por absolutos, que nunca a história admite e que ele próprio sabe não serem possíveis. O que Reich faz é sintetizar, e muito bem, as reais conquistas que se consolidaram no século XXI. Mas o que ele pretende dizer realmente, se bem entendo, e para além da natural retórica discursiva, é que nada é historicamente irreversível e que o progresso exige uma constante dinâmica que se imponha sobre as tendências regressivasque se mantêm latentes e adormecidas (como a ideologia de que falava Louis Althusser, em Idéologie e appareils idéologiques d’État, creio, quando a definia como eterna), impedindo que despertem nos momentos de maior fragilidade e de crise.

Esta sua radicalização dicotómica o que nos diz é que não devemos absolutamente dormir em cima dos progressos históricos porque eles estão sujeitos à lei do tempo e à vontade dos homens. A história, de facto, não se move com a mesma lógica e regularidade da natureza porque nela a subjectividade individual ou colectiva desempenha um papel extremamente importante. Basta pensar em Putin e no seu regime (subjectivo) de um homem só ou de um só homem. Nisto não acompanho as reflexões de Tolstoi na “Guerra e Paz”, a propósito da campanha russa de Napoleão, sobre o papel da singularidade na história. Se assim for, e até parece que é (os exemplos históricos existem e são recentes, por exemplo o caso de Hitler e da Alemanha nazi ou o caso de Stalin), talvez aqui o amor que possa ter à própria família, aos seus filhos ou à sua jovem companheira, o leve a refrear os seus instintos de destruição. Esperemos, sim, que o eros se imponha ao thánatos, se evite o pior e que uma nova ordem mundial possa ser desenhada com a ideia de paz no seu centro. #Jas@03-2022.

JAS_Ucrânia3Rec

Poesia-Pintura

O JARDIM

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Chakra”.
Original de minha autoria.
Março de 2022.
Chakra2022

“Chakra”. Jas. 03-2022

POEMA – “O JARDIM”

NAQUELE DIA
EU vi um estranho
Enlace 
No jardim
Onde nasci
Para a arte
Com que a deusa
Me prendou,
Uma dádiva
Dos céus
Ou o brilho
De uma estrela
Que sempre
Me ilumina
Nesse mágico
Lugar 
Onde a vocação
Despertou.

NESSE JARDIM
De mil azáleas
E do meu vasto
Jasmim,
De perfumes
E matizes
Que tomam conta
De mim
Há cores
Que brilham
Em fundo
De seda pura,
Luxuriante
Pintura e
Exótica magia,
Desafio
Permanente
A poética
Ousadia.

VERDE,
Azul,
Vermelho,
Amarelo
Ou lilás
São cores vivas
Que me vestem
O olhar,
Nelas vejo
O arco-íris
Que nasce
Dentro de mim
Quando me
Ponho a sonhar.

É ARCO-ÍRIS,
É sim,
O que teço
Com a alma
No Encantado
Jardim,
É quadro
Que pinto
Com cores
E com palavras,
É luz intensa,
Embriaguez,
Alquimia,
Acre perfume
De jasmim,
Minha secreta
Magia.

PERCO-ME
Nas sete cores,
Vou atrás delas,
Imparável
Correria,
Vertigem
De voo livre
No céu,
Redentora
Catarsia
De quem sempre
Se perdeu.

SÃO CORES,
São riscos,
São traços,
Palavras
Que me procuram,
É tudo
E é mais 
Do que a luz
Do meu olhar
Nesta arte
Que me leva
Como alta
Vaga do mar.

REGRESSO SEMPRE
Ao Jardim
Onde cresci,
Levo flores
Impressas
No corpo,
São cores
São quentes,
São vivas,
Até ardentes
Em demasia,
E nelas  
Eu me diluo
Levado pelo poder
Desta minha
Fantasia.
Chakra2022Rec

“Chakra”. Detalhe

Artigo

O ESTADO ENRIQUECE,
A MIDDLE CLASS
EMPOBRECE

Por João de Almeida Santos
Euro2

“S/Título”. Jas. 03-2022

BEM SEI que é preciso pagar impostos. E também defendo o Estado Social e a necessidade de o financiar. Mas não pode ser sempre a somar em todas as frentes, no IRS, no IVA, nas taxas e nas taxinhas, nas portagens, nos radares (as multas, com a técnica sniper, ascenderam, em 2021, a 159 milhões) e sei lá que mais, provocando aquilo que uns designam como fadiga fiscal e outros como saque fiscal. Sejam quais forem os governos (provenientes da alternância, claro). E muitos até acham que os recursos do Estado jorram espontaneamente de uma fonte milagrosa.

Mas antes de prosseguir, devo informar que este artigo foi escrito antes de o PM ter anunciado, ontem, que, a partir da próxima Sexta-Feira, o governo passará a anular semanalmente a subida do IVA sobre os combustíveis mediante uma equivalente redução no ISP, conseguindo deste modo estabilizar, na sua componente fiscal, o preço. É uma medida sobre os aumentos futuros, quando os combustíveis já chegaram a preços incomportáveis. Mantém-se o preço, mas compensam-se os aumentos futuros em IVA através da redução do ISP. Mas, sendo uma medida positiva, ela é temporária e não resolve o essencial, mantendo-se a carga fiscal elevadíssima e a indexação estrutural do valor do imposto (IVA) ao preço por litro (agora, a partir de Sexta-Feira, temporariamente suspensa). Ou seja, as novas medidas não invalidam a argumentação que a seguir apresento. Minimizam conjunturalmente o impacto dos aumentos, digo, dos aumentos futuros dos combustíveis, o que é positivo, mas nada mudam do ponto de vista estrutural. Esta medida tinha de ser tomada e confirma a justeza de quanto defendo neste artigo, ou seja, a insustentabilidade fiscal do preço dos combustíveis, que vem crescendo e que, entretanto, acelerou imenso.

ESTADO RICO
"MIDDLE CLASS" POBRE

SE NÃO ERRO, a parcela dos impostos sobre os combustíveis corresponde a mais, a muito mais de metade do preço por litro, a que se junta ainda o pesado imposto automóvel e as omnipresentes portagens (que cada vez mais me fazem lembrar as taxas pagas para transitar entre os estados feudais, a privatização de uma parte importante do território). Ou seja, em cada 100 euros que gasto, 50/60 euros vão directamente para o Estado. E se tomarmos como referência a média dos preços da gasolina e do gasóleo desta semana, ou seja, cerca de 2 euros, o Estado encaixa bem mais de um euro por litro. São números aproximados, mas que dão uma ideia muito concreta do que realmente se passa. Ou seja, quanto mais caros forem os combustíveis mais o Estado arrecada, sendo-lhe de todo conveniente, do ponto de vista exclusivamente financeiro, que os preços aumentem. Não bastava já a brutalidade do IRS, agora, o IVA e o imposto sobre os combustíveis acabam a obra. Junte-se-lhe também o aumento do gás (agora com uma bonificação para os consumidores com tarifa social de electricidade, 10 euros por garrafa, o que é positivo)  e o ramalhete ainda se compõe com maior exuberância. Tudo encarece, a classe média empobrece e o Estado enriquece. Depois, também haveria que reflectir sobre quem usa estes recursos, que visão tem do ser humano, da sociedade e das funções do Estado, fazendo um escrutínio efectivo dos candidatos a funções públicas/políticas relevantes, em vez de só se olhar para os envelopes fechados com sigla partidária que são propostos aos eleitores por quem manda. Saber quem é o candidato e se tem algo mais a dizer e a fazer do que simplesmente prosseguir uma tradição administrativa consolidada, somando novas exigências às que já existem. Faz falta uma sociologia analítica e crítica das classes dirigentes em Portugal que não seja só a que o poder judicial nos vai oferecendo através do pelourinho electrónico. E até temo que haja demasiados aprendizes de feiticeiro por aí, nos corredores do poder.

No caso em apreço, o que se poderia dizer é que o que é bom para o Estado é mau para os cidadãos, invertendo-se, deste modo, a razão de ser deste mesmo Estado. E foi precisamente por reconhecer isto que o governo, chegados aqui, decidiu avançar com as medidas ontem anunciadas. Medidas temporárias. As contas certas, dir-se-ia, não podem ser só do lado da receita. A verdade é que se o preço sobe os impostos também sobem. Isso é certo. Mas é algo paradoxal – que o Estado ganhe imenso quando o cidadão perde muito e fique parado a ver o imposto passar, não anunciando medidas estruturais, havendo hoje uma maioria absoluta no Parlamento. É claro que muitos dizem que só um país rico se pode dar ao luxo de ter um Estado pobre. Por exemplo, isto lê-se num Grundsatzprogramm do SPD (se não erro, no de 1989, o do Congresso de Berlim). Mas, que diabo, também não é preciso exagerar, assistindo-se a uma inflexível rigidez fiscal mesmo quando os combustíveis sobem a níveis absolutamente incomportáveis, com consequências sobre os preços de todos os outros produtos. E sobre a economia em geral. Dir-se-á que o Estado vai aplicar 140 milhões para minimizar os custos, decretando medidas como o famoso Autovoucher (agora também reforçado)  ou outras medidas anunciadas por esse ilustre barítono de voz grave e gutural que dá pelo nome de Matos Fernandes. Mezinhas temporárias que escondem o essencial: não querem mesmo baixar os impostos (mesmo que  digam que é porque não há Parlamento em funções). Mas poder-se-ia dizer também que este valor de 140 milhões depressa será recuperado pelo valor actual dos impostos sobre os combustíveis (ou simplesmente através das multas) e também, e por isso mesmo, dos outros produtos sujeitos a IVA. Serei pouco perspicaz, sobretudo nestas matérias, mas até admito que, baixando os impostos, depois, para os subir de novo, o custo político seria maior. Seria mesmo, pergunto? Portanto, em matéria de impostos será sempre a somar, como tem vindo a acontecer? Uma bela tradição portuguesa. Com bigodes. Mas até quando a middle class aguentará tudo isto, suportará este estado de coisas, este saque fiscal? Repararam que já há 20 deputados no parlamento que defendem a flat tax? E que amanhã serão mais? E que o PSD ou entra por aqui (não digo exactamente com a flat tax, mas com a redução de impostos) ou corre o risco de ver drasticamente reduzida a sua dimensão política? E para tal não bastam artigos de Luís Montenegro ou declarações avulsas sobre o assunto do líder que, ao que parece, está de saída. Este partido deve assumir a sua componente liberal-democrática se quiser sobreviver como grande partido que é, aspirando a representar efectivamente o largo espectro do centro-direita.

AH, MAS TEMOS O ESTADO SOCIAL

DIR-SE-Á que, depois, o Estado redistribui estes recursos financeiros expropriados com justiça social. Muito bem, embora até haja quem não saiba o que é isso da justiça social, como o pai dos neoliberais, Friedrich von Hayek. Eu acho que sei o que é a justiça social, que defendo, e até sei o que é a justiça comutativa, dos liberais. E talvez seja mesmo verdade que um país pobre como o nosso precise de um Estado rico para redistribuir, mesmo que isso seja feito sobretudo à custa de uma middle class em progressivo empobrecimento (o salário bruto médio mensal parece que foi de 1314 euros, em 2020). A valsa dos pobres, onde já se inclui a classe média baixa. Veja-se, por exemplo, a questão da habitação. O preço das casas já não lhe é acessível – sendo também o preço do arrendamento exorbitante -, não tendo o poder político até agora demonstrado capacidade para promover um mercado de arrendamento efectivo, o único modo de baixar a procura e, logo, o preço, promovendo ao mesmo tempo condições para o aumento da mobilidade no emprego. É só um exemplo. Vistos os preços exorbitantes praticados, um jovem da classe média (baixa) não tem recursos para arrendar ou para comprar casa, a não ser que se endivide junto da banca para toda a vida (por 30 ou 40 anos). A alternativa é viver em casa dos pais. Entretanto, os caridosos apóstolos da solidariedade social (e há muitos em posições de poder) chegam-se logo à frente dizendo enfaticamente que deve ser o Estado, em geral, e as autarquias, em particular, a terem casas para arrendar a preços sociais. O direito à habitação é ou não um direito constitucionalmente previsto? É, sim, e, por isso, que viva o Estado Papá que dá o que nem os papás da classe média já conseguem dar aos filhos, visto que também estes o não conseguem com tão baixos salários. Ou seja, outra vez os impostos caritativos. Outra vez a middle class a financiar a vida dos oprimidos do sistema: educação, saúde, segurança social, habitação. Uma ideologia, esta, a da solidariedade forçada e sem limites (através do Estado), que está fortemente radicada no nosso país, e sobretudo na nossa política, à direita e à esquerda. Uma ideologia com peso excessivo, no meu entender. A verdade é que as três principais funções do Estado Social (Educação, Saúde e Acção e Segurança Social) já quase equivalem, com uma despesa de cerca de 36 mil milhões (35.758 mil milhões), ou seja, com quase 79% do total dos impostos arrecadados, ao bolo geral que o Estado encaixa com os impostos, cerca de 45,5 mil milhões. Muito bem, mais uma vez. Só que, depois, começamos a interrogar a famosa redistribuição geral: total para a banca, segundo o Tribunal de Contas, entre 2008 e 2020: 22 mil milhões, quase 11% do PIB deste último ano. Se lhes juntarmos o valor da TAP chegamos a 25 mil milhões. Mais de metade do bolo fiscal. Em média, cerca de 1,9 mil milhões por ano. Gostava mesmo de saber (e não sei mesmo) quanto deste valor regressou aos cofres do Estado, criando, então, folga para desonerar fiscalmente os cidadãos e/ou reduzir a dívida pública. Nada, se se tratar de desonerar fiscalmente a cidadania. Isto para começar. Depois vem o Estado Social propriamente dito, o tal que exige um Estado rico. Muito bem, pela terceira vez. Mas mesmo aqui acho eu que seria necessário fazer um debate aprofundado sobre os seus limites, o funcionamento, as suas prestações, a sua eficiência, a qualidade dos seus serviços, os desperdícios. Até se poderia começar por esse mundo infindável (e excessivo) dos Municípios cuja receita corresponde a cerca de 8,6 mil milhões de euros (2019). Entretanto, quanto do valor global do orçamento vai para os salários do sector público e qual o crescimento do emprego aqui? Defendo o Estado Social, sim, não tenho qualquer dúvida, porque ele permite construir uma sociedade melhor em todos os seus aspectos, mas não como banco de caridade social ou criador directo de emprego financiado pelo Estado, para onde se atiram milhões e milhões para baixar o desemprego e para empregar clientelas. Desde 2015, segundo o Gabinete da Ministra da Administração Pública, o emprego público cresceu mais de 11,3%, o que equivale a cerca de 83 mil empregos, correspondendo a cerca de 125 milhões de euros, calculando um salário médio de cerca de 1500 euros  (1460 €, em 2017, e 1560 €, em 2021). Um salário médio que contrasta com os 913 euros do sector privado (em 2017) e que corresponde a 35 horas semanais, o que também contrasta com as 40 horas semanais no sector privado. Uma diferença que não se compreende e que é injusta, criando dois tipos de cidadãos. Mais uma vez o Estado Papá a proteger os seus, deixando em ferida o princípio constitucional da igualdade. Até aqui (no salário e no tempo de trabalho) encontramos uma diferença injustificável relativamente ao sector privado. Mais uma vez o Estado a bater forte no coração da classe política. A pergunta sobre o Estado Social poderá ser: em vez da ladainha habitual não seria melhor perguntar se não pode haver ganhos de eficiência e controlo na gestão de sectores tão importantes e delicados como estes? De resto, a importantíssima questão da eficiência da máquina do Estado (excepto, claro, a da máquina fiscal) talvez seja um dos mais esquecidos problemas pela nossa classe dirigente, habituada que está a atirar legislação e dinheiro para cima de tudo o que mexe.

O MEU PONTO É ESTE

NÃO IMPORTA, porque, hoje, o meu ponto é este, com as reservas que já fiz relativas às medidas temporárias decretadas: por que fatalidade será o Estado o principal beneficiário do brutal, permanente e progressivo aumento do preço dos combustíveis? Que ganhe, sim, na justa medida das necessidades de redistribuição, compreendo. São necessários recursos financeiros para as funções do Estado e não só para as funções do Estado Social (para a segurança, a defesa, a diplomacia, a justiça). Sem dúvida. Mas que enriqueça à custa do tipo que tem de encher o depósito semana sim, semana não ou de quem tem de se aquecer no inverno, usando para isso o gás ou o gasóleo, é que não me parece muito justo e até mesmo racional.  Como não me parece compreensível tanta rigidez na manutenção deste nível elevadíssimo de impostos. Bem sei que, pelos vistos, neste sector as entradas ainda não atingiram os níveis de 2019, certamente por causa da pandemia, mas o que não se pode é inverter o sentido da existência do Estado. A sociedade civil a alimentar a pança de quem nasceu para a servir, ou seja, o Estado e os seus filhos e enteados, cerca de 14% da população activa. Bem sei que a esquerda sempre achou que o Estado é a chave milagrosa para a solução de todos os problemas e que a pandemia veio reforçar essa ideia. Sei bem de onde vem essa repugnância ideológica pela visão liberal e até pelo melhor liberalismo, o que vai de Stuart Mill a Dewey, a Bobbio e, em geral, ao socialismo liberal. E também sei que as burocracias têm, todas elas, a sua “lei de ferro”, que lhes permite manterem-se no poder, reproduzir-se, engordar e expandir-se à custa dos recursos orçamentais dos respectivos organismos – a máquina torna-se fim de si mesma. Como diz Robert Michels, na sua famosa obra sobre os partidos políticos: “Há uma lei social imutável, segundo a qual, em qualquer órgão composto por um conjunto de indivíduos por intermédio de um acordo de divisão de trabalho, logo que este se consolida, se gera um interesse específico desse órgão que é interesse do órgão em si próprio e para si próprio” (Lisboa, Antígona, 2001, pág. 418). Uma rápida viagem pelo interior dos partidos permitiria compreender isto que diz Michels.  Só que o Estado nasceu para servir a sociedade civil e não para o contrário. O endeusamento do Estado atrofia a razão da sua própria existência, atrofia a sociedade civil, é fonte de injustiça e de poder desmesurado das administrações do Estado e da burocracia em geral. E isso tem de ser compreendido pela esquerda estatista. Visão que tem vastos e intrépidos militantes na esquerda e no próprio partido socialista, correspondendo a uma espécie de ideologia espontânea que actua por inércia sobre a consciência política de quem se situa, como eu, neste último espaço político. Mas a verdade é que até um marxista como Antonio Gramsci compreendeu isto. E não foi por o Estado italiano estar, na altura, ocupado pelos fascistas de Mussolini. Entendeu-o no plano teórico. E entendeu bem ao defender que a hegemonia ético-política e cultural se construía na sociedade civil, no plano do privado, dos aparelhos de hegemonia da sociedade civil (e que o estruturalista marxista Louis Althusser traduziria, e mal, por aparelhos ideológicos de Estado). O que já não é aceitável nas sociedades desenvolvidas e com sociedades civis robustas é a inversão de um processo que começou precisamente com a construção do Estado moderno ao serviço da sociedade civil. Para compreender isto basta ler os contratualistas. Todos, o Hobbes, o Locke, o Espinosa, o Rousseau, o Kant. E aos ortodoxos talvez fosse útil lerem o discurso do Benjamin Constant no Real Ateneu de Paris em 1819, “La Liberté des Modernes comparée à celle des Antiques”.  Esta rigidez de um Estado que enriquece à custa do agravamento das condições de vida dos cidadãos e em especial da middle class está a tornar-se, de facto, inaceitável, perniciosa e pouco amiga da cidadania.

GARROTE FISCAL 
ENRIQUECIDO COM GARROTE MORAL
E... ARQUITECTÓNICO

E se, ainda por cima, ao garrote fiscal juntarmos esse novíssimo, progressivo e pouco subtil policiamento da linguagem que está cada vez mais a tomar conta das instituições e dos próprios partidos políticos, com o politicamente correcto a infiltrar-se nos centros decisionais do Estado, quase apetece fugir. Ao garrote fiscal junta-se agora um garrote linguístico que – de tantos defensores institucionais que já tem – até já ganhou dimensão normativa e, pasme-se, até mesmo científica, com a hilariante imposição coercitiva e castigadora (“não te financio por crime de assimetria de género”) da paridade de género nos Centros de Investigação de financiamento público. O mundo está mesmo instável e perigoso, sim, mas também está a ficar insuportavelmente caro e, cereja em cima do bolo, ameaçado na própria liberdade de uso da palavra. E não é só na Rússia bélica, na infâmia da invasão da Ucrânia. Também por cá temos imensos e aguerridos vigilantes da moralidade linguística e identitária. O Estado fiscal encontra-se agora enriquecido com a moldura da vigilância moral. Dinheiro e liberdade em questão: uma mistura, de facto, explosiva.

Mas há mais. Acabo de saber que no País Basco e na Comunidade de Valência se prepara legislação (está já em curso) para regular minuciosamente a construção das cozinhas e dos quartos, quer em configuração quer em dimensão. Por exemplo, passa a ser obrigatório construir as cozinhas em open space e os quartos principais sem casa de banho própria (as chamadas suites). A designação deste projecto é a de “casa feminista”. Objectivo? Corrigir por de imposição arquitectónica as desigualdades de género. Nem mais. Uma injunção pública directa na vida privada e íntima das famílias, em plena democracia representativa, e no século XXI. Não tardará que a dupla Câncio&Moreira estejam a propor as mesmas medidas para o nosso país.

Apetece mesmo fugir, sim. Não sei bem para onde, mas lá que apetece, apetece. Certamente não para o País Basco ou para Valência. Mas o melhor talvez seja mesmo dar combate, com as armas que cada um tem. E a minha é a escrita. #Jas@03-2022.

Euro1Rec

“S/Título”. Detalhe

Poesia-Pintura

O REGRESSO

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Talismã”.
Original de minha autoria.
Março de 2022.
JAS_Talisma2022Pub

“Talismã”. Jas. 03-2022

POEMA – “O REGRESSO”

DISSESTE-ME
Que partias,
Que o coração
Em tormento
Já te pulava
No peito...
...........
E que ficar
Não podias...

“TENHO DE PARTIR,
Não me sinto
Muito bem,
É distante daqui
(Bem sei),
Como as memórias
D’infância
E o olhar
De minha Mãe."

“MAS OUÇO-AS 
Lá longe,
Ouço bem
As amigas
De outrora
Que fogem
Das bombas
Na hora,
Mas lembram
Hordas antigas
Nas ruas do
Meu país.”

DISSESTE-ME,SIM,
Que andavam
Por lá
Perdidas
Na tragédia
Consumada,
Na procura
Impotente
Dessa paz
Que foi
Roubada.

“EU GOSTO
Das praias
De areia branca,
Gosto das praças
E das ruas
Do teu país,
Mas é mais forte
A raiz,
O apelo
Que o vento 
Me traz
Do sagrado
Chão natal,
Poderoso
Chamamento,
Alvorada
Marcial.”

“GOSTO DA PRAIA,
Oh, se gosto
(Acredita),
Mas já não a posso
Sentir
Porque me pula
De dor
O meu pobre
Coração
E me leva
De regresso
Às origens,
Ao sagrado
Do meu chão.”

“JÁ NEM ADORMEÇO
Ao som
Das meigas ondas 
Do mar,
O cheiro a maresia
É vaga
Recordação
E a paz 
Em que vivia
Eu já não 
A posso ter
Porque é forte
O sobressalto
Logo ao 
Amanhecer.”

“ENEVOA-SE
A memória,
Há muito ruído
No ar,
Crepitam armas
No solo
Da minha infância,
No abrigo
Do meu lar.”

“VOU-ME EMBORA,
Vou lutar
Para o meu solo
Materno
E se um dia,
Caída
No chão
Sagrado 
E eterno,
Eu não voltar
Só te peço
Que me cantes
Em voz alta,
Com alegria
(A que agora 
Me falta),
Num poema
Desenhado
À beira
Do nosso mar.”

VAI SIM,
Minha Amiga,
A paz
Há-de voltar
E, numa tarde
De verão
Em tempo de
Preia-mar,
Sentar-me-ei
Contigo n’areia
Pra esse poema
Cantar.

Artigo

O ERRO DE PUTIN

Por João de Almeida Santos

JAS_Ucrânia03

“S/ Título”. Jas. 03-2022

ACHAVA EU (e era o que muitos achavam, em nome de alguma racionalidade), há dias, que, com tudo isto, o que Putin queria, depois de outras experiências de sucesso (na Geórgia e com a Crimeia), era consolidar a independência das duas Repúblicas, Donetsk e Lugansk (através do reconhecimento e do “apoio” militar). Tinha a esperança de que se ficasse por aí. Afinal, a Ucrânia é um país enorme, com mais de 600.000Kms2, com cerca de 44 milhões de habitantes e com a sua própria história. Variável no tempo, mas com autonomia e identidade próprias. Seria quase impossível ocupá-la, vista a sua dimensão territorial e populacional. Enganei-me. Não se ficou por aí e invadiu-a em várias frentes do seu território, designadamente a partir da Bielorrússia, governada pelo ditador-fantoche Lukashenko (no poder desde 1994), agora confortado com o resultado favorável de um referendo (votaram Sim 65% dos eleitores, tendo participado 78%, segundo informação oficial) que abrirá a possibilidade de albergar armas atómicas de Putin e lhe permitirá manter-se no poder por mais uns bons anos, até 2035, ficando com imunidade para toda a vida. No momento em que escrevo, os ucranianos negoceiam e ainda resistem, tentando impedir a Rússia de tomar Kiev e de instalar lá um governo fantoche. Na Rússia há condicionamento das redes sociais e, naturalmente, de todo o sistema informativo. Mesmo assim, são muitas as manifestações russas e mundiais contra a guerra. Entretanto, ameaçou a Finlândia e a Suécia. A resposta da NATO foi convidar estes dois países como observadores para a reunião que, entretanto, se realizou. Mas não contente com isso manda pôr em alerta o sistema de defesa nuclear. E marca negociações com a Ucrânia para a fronteira com a Bielorrússia. Aguardemos, pois, mas talvez para constatar que se tratou de uma farsa para mostrar (até para consumo interno) uma boa vontade que realmente parece não existir – estão a ver como os ucranianos (com a pistola apontada à cabeça) são intransigentes? Ou então que a farsa se transforme em verdade como saída para uma Rússia em reais e inesperadas dificuldades…

GUERRA ECONÓMICA

ENTRETANTO, começou a guerra económica, com a Alemanha a interromper o Nord Stream II, o Reino Unido a aprovar sanções a vários bancos russos, a EU a fechar o mercado financeiro da União à Rússia e a sancioná-la com o não acesso de vários bancos ao SWIFT e os USA a bloquearem vários bancos e a programarem o corte ao financiamento da dívida soberana russa. Estas entre outras medidas em curso, designadamente visando directamente os dirigentes e os oligarcas deste país. A generalidade da comunidade mundial condena a invasão (a Venezuela, do inefável ex-motorista Maduro, e Cuba não), mas o Conselho de Segurança não conseguiu aprovar a condenação da invasão porque a Rússia tem poder de veto, tendo-o exercido. Mesmo assim, a China e a Índia abstiveram-se, posição acompanhada pelos pouquíssimos países que se abstêm (entre os quais o Brasil de Bolsonaro) ou aprovam mesmo a invasão (por exemplo, a Síria ou o Irão).

Esta guerra vai (já está a) sobrar para todos nós. Já estava tudo muito difícil por causa da COVID19, mas a situação económica vai deteriorar-se por causa do boomerang provocado pelas sanções.

TOLSTOI E A GUERRA

CHEGADO AQUI, parece-me oportuno citar citar Lev Tolstoi, na “Guerra e Paz” (Lisboa, Inquérito, 1957, II, 407): “E, contudo, que vale a guerra que não exige completo êxito para o que a empreende?” Palavras do príncipe André Bolkonski, sendo a referência a guerra de Napoleão contra a Rússia, que na narrativa estava a decorrer. A questão agora consiste precisamente em saber o que, neste caso, é um “completo êxito” para Putin. Já se sabe que não eram as duas autoproclamadas repúblicas e que há um objectivo mais alto: a própria Ucrânia. Colocar no poder um fantoche de tipo Yanukovytch ou Lukashenko? E domesticá-la a ponto de lá poder instalar, como parece estar a acontecer com a Bielorrússia, outro arsenal atómico, inaugurando uma nova guerra fria? Seguramente este é um dos aspectos a considerar na estratégia de Putin.

O autocrata parece estar, de facto, a reconstituir a União Soviética, inspirado numa visão imperial ou czarística da Rússia. E, ao mesmo tempo, e como consequência, parece de facto também querer reinstalar uma lógica equivalente à da Guerra Fria, não aceitando o alargamento da NATO para os confins do território russo e avançando ele próprio para as fronteiras da União Europeia. A corrida da NATO e da União Europeia para as fronteiras de uma Rússia fragilizada pela queda do Muro de Berlim está a conhecer agora o seu reverso simétrico? Nem todos os erros estão só do lado de lá. A Rússia assediada que se defende, atacando? Também há quem ache (Martin Wolf, por exemplo, no Financial Times) que esta agressão à Ucrânia é precisamente o que melhor justifica o desejo de adesão destes países limítrofes à NATO. Mas a verdade é que não precisamos de uma ordem internacional de novo bipolar nem de uma ordem de natureza imperial, mas sim de uma nova ordem multipolar que decida operar em novos termos, salvaguardando as diferenças, congelando o conflito nuclear e disputando com o soft power ( o conceito de Joseph Nye) o consenso dos povos em nome dos próprios e legítimos interesses. E também não me parece aceitável que alguns procurem normalizar esta agressão argumentando com guerras ilegítimas ou ilegais do passado, como, por exemplo, a do Iraque, de resto, condenada por meio mundo. E não interessa dizer, como alguns, que a lógica das relações internacionais sempre esteve mais do lado do conflito interesseiro e antagonista do que do lado da cooperação. Para os contrariar podemos exibir o modelo da União Europeia, que é virtuoso sobretudo por uma razão: formou-se um espaço multinacional de paz e de cooperação económica e política por vontade das nações, por consentimento, por cooperação, por desejo de paz e de progresso, não pela força. Putin, pelo contrário, quer reconstituir um espaço multinacional pela força e pela submissão à sua vontade dos Estados limítrofes, sem atender aos novos tempos que já estamos a viver. Já se esqueceu da tentativa de Napoleão dominar a Rússia pela via das armas, com o resultado que se conhece, ainda que tenham tido necessidade de incendiar Moscovo. A leitura de “Guerra e Paz”, de Lev Tolstoi, dá-nos um quadro muito interessante do que aconteceu e de como as coisas se passaram.

A GUERRA E A GLOBALIZAÇÃO

SINCERAMENTE, esta estratégia ou, se quisermos, esta visão do mundo de Putin parece-me estar desfasada no tempo e não só porque, entretanto, surgiram outros protagonistas na cena mundial tanto ou mais importantes que a Rússia. Basta referir a China de Xin Jinping. Mas não é só isto. O que ele está também a provocar é uma escalada no rearmamento, que terá como efeito de boomerang um forte reforço militar e de unidade interna da Aliança Atlântica e dos países que a compõem, como por exemplo o enorme investimento militar agora decidido pela Alemanha, fragilizando-se, deste modo, indirectamente, ele próprio (alguém que um dia até pusera a hipótese de a Rússia vir a integrar a NATO) ao assumir-se como perigosa ameaça de uma guerra que, afinal, ninguém poderá vencer. Elevando, pois, uma conflitualidade que, afinal, nunca poderá passar da fase da dissuasão. Por outro lado, o mundo mudou muito em relação àquele em que Putin se formou e actuou, como importante agente dos serviços secretos da URSS, na Guerra Fria. Um dos instrumentos clássicos do poder, o establishment mediático (imprensa, rádio e televisão), já não detém o monopólio da informação porque surgiram as redes sociais e em geral a rede. Ou seja, o poder político nacional tem hoje muita dificuldade em controlar uma informação globalizada, policentrada  e multidireccionada, detida pelas grandes plataformas americanas. A própria China quando quis controlar a informação na rede teve de se socorrer da Cisco Systems americana para a concretização do chamado Projecto Escudo Dourado. Ou seja, o que temos hoje é um mundo globalizado que já não obedece a lógicas puramente nacionais, ainda que essas nações possam dispor de armas nucleares. Armas, de resto, impraticáveis porque instrumentos de destruição do próprio globo, onde não haveria vencedores nem vencidos. Também a economia mundial está cada vez mais globalizada e não suporta condicionamentos de natureza nacional. Ela funciona com processos globalizados (por exemplo, o sistema SWIFT, o mercado financeiro internacional que serve as dívidas públicas ou a notação financeira das agências de rating) que podem paralisar qualquer país em pouco tempo. É preciso lembrar que a tentativa de Gorbatchov decorreu de uma gravíssima situação de atraso e de uma economia sem alma, pretendendo ele instalar não só uma abertura política (glasnost), mas também e sobretudo uma profunda reestruturação de toda a política económica, com a perestroika e a promoção de uma economia social de mercado. Tudo o contrário do que tem feito e quer fazer Putin. Ou seja, para ser mais directo, o mundo mental de Putin é o velho mundo e ele age em conformidade, sem se aperceber que esse mundo na verdade já não existe. Quanto a mim este é o grave problema com que ele se irá debater. E não sei se a recusa do aliado Kazakistão em apoiá-lo militarmente na invasão (e de não reconhecer as duas repúblicas referidas) não será já um dos primeiros sinais desta impossibilidade a que ele meteu mãos, alterando os equilíbrios saídos da segunda guerra mundial.

Um outro aspecto que acresce, relativamente a este de carácter mais estrutural, é o das possíveis fracturas internas na oligarquia russa quando os efeitos das sanções mundiais começarem a fazer danos profundos nos seus empórios e nas suas finanças. E já começou com a falência da filial europeia de um grande banco russo e com a gigantesca subida da taxa de juro decretada pelo Banco central. Aí poderá ser o próprio Putin a ficar em cheque e o seu regime unipessoal a colapsar.

O ERRO DE PUTIN

A VERDADE é que a guerra tem hoje características que não tinha. A continuação da política por outros meios pode ser feita – e já está a ser feita – mais eficientemente através da economia e das finanças e de toda a logística de que ela precisa para funcionar. E a economia é global. E a informação também. E a história não se faz caminhando às arrecuas, regressando aos tempos e à lógica de Vestfália.

A questão posta pelo príncipe André Bolkonski, um dos personagens importantes da “Guerra e Paz”, ganha, pois, todo o sentido, porque provavelmente o líder russo nunca conseguirá com esta guerra um “completo êxito” pela simples razão de que o seu objectivo estratégico já não corresponde à real configuração do mundo tal como hoje o conhecemos. A Ucrânia poderá ficar amputada do Donbass e da Crimeia, mas mesmo assim tem um território imenso e uma população de mais de quatro dezenas de milhões de cidadãos que, sobretudo depois deste ataque, nunca tolerarão o domínio russo, estando hoje muito mais dispostos a lutar pela sua independência, como se vê pelos inúmeros cidadãos ucranianos que, em situação de guerra, decidem regressar ao país para combater a invasão. Este facto dá-nos bem conta do que aconteceria de imediato com um governo pró-russo imposto pela força das armas. Carl Bildt, num recente artigo no Project Syndicate (“Putin’s Imperial Delirium”, de 25.02.2022), diz que quando a história deste tempo for escrita Vladimir Putin “will be seen as an witting creator of the Ukrainian nation that he wanted so much to destroy”. E creio mesmo que será assim – o nacionalismo ucraniano tornar-se-á mais forte e mais robusto com esta tentativa putiniana de o destruir. Além do mais, é de ciência certa que estas operações de domínio político já não se fazem hoje com a guerra convencional e muito menos com a ameaça nuclear, que intensifica generalizadamente ânimos de revolta e de amor-próprio, mas sim com a economia, a propaganda, a informação, técnicas de marketing, especialistas em comunicação, alinhamento de bons profissionais da política nacionais e disponíveis, mas também com o apoio de importantes faixas da população autóctone, insatisfeitas com o statu quo. O que ele está a fazer é exactamente o contrário disto, gerando ódio e acabando por unir todos os ucranianos em torno da identidade nacional. E creio mesmo que esta sua irresponsável ameaça nuclear é já uma prova insofismável do seu ditatorial desespero perante a reacção ucraniana e mundial. Veremos.

FINALMENTE, A POLÍTICA
E OS SERVIÇOS SECRETOS

SE É CERTO que toda essa louca tentativa de restaurar a Guerra Fria e o bipolarismo estratégico-militar não faz hoje grande sentido – porque será sempre uma ameaça ao planeta – e se a globalização económica e financeira e informativa não favorece  as guerras convencionais enquanto meios de domínio político, e sobretudo no espaço europeu, também é verdade que o sucesso democrático e económico de um grande país como a Ucrânia poderia produzir efeitos de contágio sobre esse outro enorme país que é a Rússia, pondo em risco a oligarquia dominante, o sistema ditatorial e unipessoal vigente e a sua farsa democrática. Mas tentar apagá-lo como nação, pela força e com uma farsa ideológica, é como enterrar a cabeça na areia, em vez de olhar de frente o desafio interno e enfrentá-lo com coragem, inteligência e determinação. E em democracia. Na verdade, Putin, em vez de olhar para dentro e para o futuro do próprio país com o objectivo de o desenvolver, olha – como sempre fizeram os ditadores – para fora para se conservar no poder e manter a oligarquia reinante, de que ele próprio faz parte. Só que, ao que parece, nem sequer está a conseguir a tão desejada coesão interna, de tão desastrada e desastrosa ser esta extemporânea iniciativa militar. A verdade é que há manifestações em dezenas de cidades russas e milhares de manifestantes detidos (no dia 24.02, no início da invasão já tinham sido detidos cerca de 1600 cidadãos russos por se manifestarem contra a guerra).  Mas a pergunta que sobra é esta: poderá um ex-agente dos serviços secretos da União Soviética, como Putin, olhar para o poder e para a política de outro modo? A sua visão redutora da política até acaba de se virar contra os seus próprios interesses pessoais. Haverá uma ilha de Santa Helena à sua espera? Se houver, esperemos que a viagem seja em breve e que para tal não seja preciso incendiar Kiev. #Jas@03-2022.

JAS_Ucrânia2

“S/Título”. Detalhe