Informação aos Leitores

INFORMAÇÃO AOS LEITORES

Microsoft Word - JOÃO DE ALMEIDA SANTOS.docx

A TODOS OS AMIGOS E LEITORES QUE AQUI ACOMPANHAM A MINHA POESIA, A MINHA PINTURA, OS MEUS ARTIGOS E ENSAIOS, INFORMO:

1. Durante o mês de Agosto suspenderei a regularidade das minhas publicações. Foram vários anos sem interrupções e chegou a altura de fazer uma curta pausa de reflexão.

2. Entretanto, antecipo a capa de um Livro de Poesia de minha autoria, João de Almeida Santos, Poesia (Lisboa, Buy The Book, 2021), prestes a entrar em tipografia. O livro inclui 67 poemas, um capítulo “Sobre a Obra de Arte” e, outro, com “Diálogos com os  Leitores Digitais” sobre vinte dos poemas aqui publicados, tendo alguns destes poemas ilustração no livro. Tem 438 páginas (contando com as ilustrações), capa rija, cosido, com 12 ilustrações de minha autoria reproduzidas em papel couché mate. A capa reproduz uma obra minha: “O Aurífice”, criada para o poema “Esculpir-te”.

3. Prevejo que o livro esteja disponível ainda este mês ou no início de Setembro.

4. Será uma edição limitada (150 exemplares) e só pode ser adquirido por encomenda, via WhatsApp, Messenger ou E-mail, feita ao autor.

5. É editado pelas Edições Buy The Book.

6. Aqui fica uma antevisão da Capa e do Índice.

7. Índice do livro:  João De Almeida Santos, Poesia, Lisboa, Buy The Book, 2021

NOTA INTRODUTÓRIA

I - SOBRE A OBRA DE ARTE

II - POESIA

1 - CANTAR

Sou o que sou
Palavras
O poema
Canta, poeta, canta
O poeta que se fez pintor
Pintei-te
Não sei se te chegam, as palavras
A carta
Segredo I
Solidão
Esculpir-te
Invocação
Lua
O poeta e a máscara
O poeta e o vendaval
Elas fogem, as palavras
A palavra proibida
Confissões de um confinado
Geometria
O benfeitor

2 - TEMPO

Tempo
A porta do tempo
A reinvenção do tempo
Espelho do tempo
A fronteira
Na bruma da memória
Março
Mudam os ventos e mudam as palavras
Catedral
Rituais
Para Leonard

3 - RAÍZES

Jasmim
Romã
Tentação
Teu corpo de cristal
Casta diva
Mandei podar o loureiro
O pavão
O jardineiro

4 - VIAGEM

Viagem
Liberdade

5 - MUSA

Musa
Cor, dá-me cor
A flor de papel
O meu nome
Marmelada
O brinco
O beijo
Não sei
A janela
À janela
Certos dias
Encontrei-te lá em cima, no monte
Origem
Segredo II
Caminhos paralelos
Valsa
Pas de Deux
Nostalgia

6 - SONHO E UTOPIA

Sonhar
A aguarela
Quase
Alma
Um sonho na aldeia
Vou contigo pra Pasárgada
Vã utopia

III - REFLEXÕES EM TORNO DOS POEMAS
Diálogo com os Leitores Digitais

IV - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAs

#JAS@08-2021

Artigo

AFINAL, O QUE É O BELO?

PARA SABER VISITE A ANDALUZIA

João de Almeida Santos 

AlcázarSevilla7

“Voando para a Andaluzia”. Jas. 07-2021.

     QUANDO o miserabilismo arquitectónico de massas ou a política do mamarracho pretensioso  disfarçado de arte conceptual (de vários tipos) se vêm impondo cada vez mais na nossa civilização, um banho de Andaluzia e do legado islâmico nesta belíssima parte de Espanha ajudar-nos-á a recuperar a ideia de beleza arquitectónica, não só física, mas também espiritual. É aquela Espanha que Marguerite Yourcenar, no capítulo “A Andaluzia ou as Hespérides” do seu livro “O Tempo, esse grande escultor” (1983), falando de Granada e de Constantinopla, identificou como “a ponta avançada do mundo da tenda e do deserto instalada nos jardins da Europa”. Esse mundo pensado por um “povo de alquimistas, de algebristas e de astrónomos” (cito da edição da Relógio d’Água, Lisboa, 2020, 141 e 145). Uma civilização que, a olhá-la através deste seu legado, impressiona pela altíssima sofisticação das suas obras de arte monumentais, onde a matéria se espiritualiza através de um requintado trabalho de criação artística. 

     Foi o que fiz há uns anos. Visitar esses lugares verdadeiramente mágicos: Sevilha, Córdova e Granada. São lugares históricos de embate de civilizações, a islâmica e a católica, lugares de reconquista, impondo, aqui, a separação, política, civilizacional e cultural entre a Ibéria e o norte de África árabe. Mas são lugares onde a história ficou registada no seu mais elevado e sofisticado nível e que, em certos casos, como veremos em relação a Córdoba, a civilização que tomou conta deles não esteve à altura de preservar e honrar a beleza patrimonial legada.

 O ALCÁZAR 

     Quando, em pleno Agosto, cheguei, com a família, a Sevilha deparei com um cenário curioso: ao deslocar-me, a pé, da zona do templo de Macarena, “a Virgem da Sexta-Feira Santa, a Macarena cintilante de pedrarias” (2020: 143), para o centro, às quatro da tarde, encontrei um autêntico deserto humano, fruto de uma mistura entre a “siesta” e as férias dos muitos sevilhanos que abandonaram a cidade e o calor. O centro, esse, estava repleto de turistas e dos resistentes indígenas que trabalhavam no turismo. Deslocámo-nos em direcção à Giralda e, depois, ao Real Alcázar, preparando a meticulosa visita do dia seguinte. O Alcázar arrasa, literalmente: pela beleza do Palácio, pelo fabuloso equilíbrio entre o geometrismo exacto do conjunto e a perfeição minuciosa e quase infinita das formas que o revestem e o envolvem. Trata-se verdadeiramente de um excesso não excessivo. De um excesso que nos convida a pedir mais. De um tesouro tão trabalhado que, paradoxalmente, nos esmaga com a simplicidade da sua beleza. Mas também mistério. Imaginamos olhares furtivos que resistiram ao tempo, eternizando-se por detrás daquelas redes ou filigranas em gesso, pontes entre o desejo oculto e o mundo exposto naqueles salões. Ambientes de mistério e de fuga, de olhares fugazes, de traições e assassínios. Numa Andaluzia dos Califados e dos Sultanados árabes. E de Pedro, «O cruel», ou do poderoso Carlos V. Séculos de intensa vida política, de conquistas e de derrotas. E de cultura requintada. O Alcázar, misto de estilos, mas de imponente e difusa presença estética muçulmana, impressiona. Um verdadeiro complexo estético, mas simples na sua relação com o nosso olhar. Quase me atrevia a dizer que, tendo conhecido o Alcázar antes da Alhambra, a visão desta ficou condicionada por tanta beleza concentrada neste Palácio Real.

ALHAMBRA

     A Alhambra, claro, é um enorme complexo monumental que multiplica o que já se vira no Real Alcázar. Em primeiro lugar, a dimensão monumental dos palácios e dos jardins, incluída a residência de Verão dos monarcas, o Generalife. Depois, a localização sobre Granada, em frente ao Bairro Albayzin, na colina oposta. Visão soberba de uma Granada única. O Albayzin e a Alhambra interagem como paisagens em diálogo, estruturando a verdadeira Granada. Qualquer uma das vistas – do alto do Albayzin para a Alhambra ou da Alcazaba ou dos Palácios Nazaríes para o Bairro – é fantástica. Depois, a riqueza interna dos palácios, a sua perfeição geométrica, minuciosa e abundante, deixa-nos perplexos, perante aquele excesso de minúsculas e preciosas formas e materiais que inundam paredes e tectos, gerando, quase paradoxalmente, uma incrível harmonia e simplicidade nos conjuntos. A Alhambra é um poema ao arrojo estilístico, à harmonia, à abundância de formas, à minúcia estética, à perfeição, como se os palácios fossem uma gigantesca filigrana em gesso, lá onde a própria escrita árabe assume um valor estético autónomo, quase indiferente aos seus valores semânticos. Um poema à beleza construída e à espiritualização da matéria a um nível dificilmente superável. A Alhambra é bem o símbolo de um poder que se manteve séculos por estes lados da Andaluzia. Um poder majestático, mas altamente sofisticado, com um profundo sentido do intemporal.

A MESQUITA DE CÓRDOBA

     Antes de chegarmos a Granada, detivemo-nos um dia em Córdova. Quisemos revisitar a Mesquita, hoje Catedral católica de Córdova. Já a conhecia, desde os meus tempos de estudo no liceu até visitas recentes. E confesso que quanto mais a visito mais penoso se torna o percurso, porque não consigo compreender aqueles enxertos católicos num monumento tão diferente e tão belo, uma floresta de colunas onde uma luminosidade coada nos convida à reflexão distante e à serenidade. Um lugar de reencontro com nós próprios numa atmosfera predisposta para a espiritualidade sem amarras ou dogmas, religiosos ou de qualquer outra natureza. É um “non-sens” aquela presença difusa em toda a Mesquita dos tradicionais fragmentos iconográficos católicos que chupam literalmente a alma do monumento e a diluem no seu espaço ritualizado, neutralizando-a. Permitam-me que, a este propósito, cite de novo Marguerite Yourcenar:

     “Mesmo em Córdova, e apesar de a sua reconquista ao Islão ter acontecido dois séculos antes de Granada e vinte anos antes de Sevilha, o esventramento da mesquita deu-se só no tempo de Carlos V: coube ao barroco atestar, se não as verdades da fé, pelo menos a vaidade dos cónegos. Esta arte de pompa e circunstância atinge o visitante quando, de arco em arco, de coluna em coluna, ele chega ao centro do edifício e desfaz em migalhas, como uma bomba, uma das mais nobres meditações jamais feitas sobre o pleno e o vazio, a estrutura do universo, o mistério de Deus” (2020: 146).

     É isto que sente quem entra na Mesquita para a contemplar e fruir da sua beleza e, subitamente, se depara com uma igreja católica no ventre da mesquita, algo que esmaga a  espiritualidade que experimenta quem a procura por aquilo que ela é (ou era). “Un pugno nell’occhio”, como se diz em italiano. Um murro no olhar de quem se encontra em sintonia com a singela beleza daquele ambiente. Este choque lembra-me a Igreja de Santa Maria sopra Minerva, ali ao lado do Pantheon, em Roma, e aqueles cristãos primitivos que, como aconteceu com esta Igreja (como se vê pelo próprio nome), construíam os seus templos romanos sobre os próprios fundamentos dos templos pagãos. Não, não estamos perante um diálogo de civilizações. Estamos perante um cruel esmagamento espiritual de uma por outra. Mas a verdade é que a Mesquita, agredida na alma, resiste porque a beleza e a espiritualidade continua a estar do lado dela. Não se trata de crenças religiosas ou sequer de estilos arquitectónicos, mas sim de violência simbólica e de crueldade exercidas sobre uma obra de arte em nome de valores exteriores aos valores estéticos e ao que eles representam. Felizmente que, a seguir, já em Granada, pudemos entrar na Alhambra sem receio de sermos de novo agredidos pelo desvario de quem vê a arte como mero instrumento de poder.

     Seguiu-se Madrid, a minha segunda cidade de eleição, a seguir a Roma, mas esse é outro discurso mais longo porque não se pode contar dez anos de intimidade com esta belíssima cidade cuja distância à minha aldeia natal é igual à de Lisboa. Ficará para outra ocasião. #Jas@08.2021.

AlcázarSevilla7Rec

Pintura

ARTE AO VIVO – 9

NO MEU JARDIM ENCANTADO

JAS – “ESPANTO”, 2021

Partilho a imagem de mais um quadro de minha autoria já pronto para a Exposição em preparação, 87×126, em papel de algodão Hahnemuehle e com vidro de museu (70%). Este quadro pode ser adquirido, mediante comunicação de eventual interesse via E-mail, WhatsApp ou Messenger.

JAS – “ESPANTO, 2021

JAS_Espanto2021

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Poesia-Pintura

FLOR DE PAPEL

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Fleur de Papier
en Vol à la recherche du Poème 
perdu dans un Jour d'Hiver"”.
Original de minha autoria.
25 de Julho de 2021.

JASFleurdePapier2021

“Fleur de Papier en Vol à la recherche du Poème perdu dans un Jour d’Hiver”. Jas. 07-2021.

POEMA – “FLOR DE PAPEL”

NUM DIA DE INVERNO
Uma flor de papel
Voou
Para longe,
Levada pelo vento,
Rajadas fortes
Quebraram
Os subtis
Filamentos
Que a ligavam
À raiz de onde
Nascera...
...........
Seu alento.

CONTINUA A VOAR,
A flor de papel,
Ao sabor do vento,
Pousando
Aqui e ali
E logo voando
Para outros
Destinos,
Num perpétuo
Movimento.

PERDEU AS CORES
Luminosas
Que exibia
E a fonte
D’inspiração
(Sua seiva
De cada dia),
Borboleta
Já sem pólen
Para nova
Gestação
No jardim
Da fantasia.

MAS NUM DIA
Quente
De Verão
(Eu bem sabia)
Encontrei-a,
Por acaso,
Aninhada
Num arbusto,
À espera que 
O vento
A levasse
Prà ilha 
Da utopia.

PEGUEI-A
Na minha mão
E levei-a
Ao Jardim
Do meu poeta
Pintor,
Nosso chão
E recanto
Inspirador.

DEU-LHE COR,
O meu poeta,
Alisou suas
Rugas
De papel,
Mostrou-lhe
O horizonte
Lá em cima
Na Montanha
Nesse dia de
Verão
E logo a lançou
Ao vento,
Ao encontro
De raiz
Que nutrisse
Com a seiva
Uma nova
Floração...

JASFleurdePapier2021Rec

Artigo

O GRILO CANTA SEMPRE AO PÔR-DO-SOL?

Reflexões sobre a política em Itália

Por João de Almeida Santos

Imagem1

“La Fontana”. Jas. 07-2021

É O TÍTULO (mas sem ponto de interrogação) de um interessante livro-diálogo de Beppe Grillo, Gianroberto Casaleggio e Dario Fo (Milano, Chiarelettere, 2013). Muito aconteceu entre 2013 e 2021. Dario Fo e Gianroberto Casaleggio já não estão entre nós. Casaleggio e o irrequieto Nobel da Literatura partiram ambos em 2016. Beppe Grillo mantém-se activo e, com Giuseppe Conte, acabam de dar início a uma nova era na vida do Movimento5Stelle (M5S) com a convocação de uma Assembleia de inscritos para os dias 2 e 3 de Agosto para a aprovação de um novo Estatuto do M5S. Uma mudança, como veremos, de fundo.

ANTECEDENTES

O M5S é ainda a força política maioritária em Itália, com os seus 32,7% de votos nas eleições de 2018. Governou Itália, primeiro, com a Lega, de Matteo Salvini, e, depois, com o Partito Democratico (PD), até à recente chegada de Mario Draghi e um governo apoiado por todos os partidos, excepto por Fratelli d’Italia (FdI), de Giorgia Meloni. Mas a verdade é que, a crer nas sondagens, o M5S há muito que caiu para menos de metade do seu score eleitoral, perante o crescimento da Lega e de FdI, os dois partidos que estão à frente nas sondagens, com cerca de 20% cada um deles. Dois partidos de extrema-direita. O PD mantém-se em cerca de 19%, enquanto Forza Italia (FI) se situa em cerca de 7%.

As próximas eleições realizar-se-ão, se não forem antecipadas, em 2023 (a legislatura é de cinco anos). E, a manter-se o actual panorama, a extrema-direita poderá vir a governar com maioria absoluta. Entretanto, a mudança de liderança do PD parece não ter produzido uma significativa alteração e o M5S tem vindo a cair drasticamente nas sondagens. A última sondagem vem confirmar a tendência, verificando-se que FdI tem vindo a beneficiar do estatuto de única oposição ao governo de Draghi, chegando à posição de força política dominante (A Euromedia, 15.07.2021, dá os seguintes resultados: FdI, 20,5%; Lega, 20,3%; PD, 19,3%; M5S, 14,3%; FI, 7,5).

No início do próximo ano, terá lugar a eleição do Presidente da República sendo provável que Mario Draghi seja o candidato mais forte, dando lugar, a sua eleição, à queda do governo e provavelmente a eleições antecipadas.

O M5S

É neste contexto que se dá a mudança no Movimento5Stelle. É certo que já por ocasião da formação do governo Draghi se verificou uma grave divisão interna entre os que apoiavam Draghi e os que o não apoiavam. É também certo que a linha afecta a Davide Casaleggio e à Plataforma Rousseau se vinha distanciando da linha oficial. Até por problemas relativos à própria gestão da Plataforma. Por outro lado, a consistência política revelada por Giuseppe Conte enquanto Presidente do Conselho de Ministros posicionava-o cada vez mais como uma boa solução para uma liderança de sucesso do M5S e para a necessária recuperação eleitoral. E foi isso que aconteceu, depois de alguma turbulência e de desentendimentos entre Grillo e Conte. Beppe Grillo, “Il Garante”, a figura tutelar do M5S, e Giuseppe Conte, coadjuvados por uma equipa de notáveis do Movimento, entenderam-se e acabam de propor uma consistente alteração nos Estatutos do Movimento.

Além de enunciarem os cinco princípios nucleares do Movimento, correspondentes às cinco estrelas – Inovação Tecnológica, Bens Comuns, Ecologia Integral, Economia Eco-social de Mercado, Justiça Social -, os Estatutos consagram um modelo claramente presidencialista, centrado na figura e nos poderes do Presidente, e retiram a Plataforma Rousseau dos Estatutos (ela, antes, aparecia referida nos art.s 1 e 4), dando forma ao que já aconteceu de facto.  E, na verdade, a nova Plataforma onde se processará a votação dos novos Estatutos já não será a Plataforma Rousseau, mas sim a Plataforma Skyvote. Estes são quanto a mim os aspectos mais relevantes a evidenciar nos novos estatutos – a consagração de um modelo presidencialista (reforçado pela figura tutelar do Garante), a anulação estatutária da Plataforma Rousseau, símbolo da democracia directa on line -, mas também a introdução dos chamados “Grupos Territoriais”, que darão uma dimensão orgânica ao Movimento, não prevista pelos anteriores estatutos, e que de algum modo pode complementar organicamente a dimensão puramente digital. Uma evolução, esta, que se aproxima da estrutura partidária: uma liderança forte e um corpo orgânico, ficando a organização digital reduzida a mero instrumento de voto,  de consulta e de comunicação, ou seja, perdendo aquela sua característica de democracia directa digital que lhe era conferida pela Plataforma Rousseau (logo no próprio nome), mesmo se o Presidente do Comité de Garantia Vito Crimi continua a falar de democracia directa digital. Na verdade, a nova plataforma Skyvote é um mero instrumento técnico dos órgãos sociais do M5S que terá o seu baptismo hoje, 21 de Julho, na eleição do candidato a Presidente da Câmara de Turim.

Não são previsíveis os efeitos destas mudanças, mas é provável que a liderança de Conte possa melhorar a performance do M5S e o consenso em torno desta força política. Por outro lado, o PD não tem vindo a subir nem a descer, mantendo-se há muito na casa média dos 19%. De certo modo, M5S e PD poderão representar um bloco de centro-esquerda consistente, mas ainda insuficiente para governar, perante uma direita radical aguerrida que parece recolher um consenso superior, e à qual ainda se junta Forza Italia, com os seus cerca de 7%.

E AGORA?

O M5S em menos de dez anos tornou-se a maior força política de Itália, tendo assumido a liderança de dois governos de Itália, entre 2018 e 2021. Mas a verdade é que em pouco tempo teve uma queda vertiginosa nos consensos, sendo agora difícil recuperar uma parte consistente do que perdeu, mesmo com uma alteração profunda, já em curso. O apoio ao governo Draghi é uma amarra que dificultará uma sua afirmação politica, o mesmo valendo para o PD. O exercício de oposição tem dado a Giorgia Meloni boas oportunidades de crescimento, sendo neste momento, segundo a última sondagem conhecida, a maior força política de Itália. Nunca os herdeiros legítimos de Mussolini tinham logrado alcançar uma tal consistência eleitoral. Se considerarmos a Lega, FdI e Forza Italia, estaremos perante um bloco político de direita com cerca de 48%.

Ao que parece, a direita encontrou o seu caminho de afirmação política, com novas formas de populismo e com a assunção frontal de questões que a política de centro e de esquerda não conseguem assumir ou enfrentar com coragem, diluindo a acção política em tacticismos, em puro marketing e numa linguagem politicamente correcta que, no fundo, traduzem uma profunda crise de identidade política e ideal. A tentação poderia ser a recuperação das grandes narrativas ideológicas e a recuperação da organicidade das formações políticas, mas o que está a acontecer é algo mais profundo. No meu entendimento, o que se está a verificar é um desajuste profundo entre a política convencional e uma cidadania de novo tipo, dotada de instrumentos de informação e de intervenção e de uma mobilidade que antes nunca existiu, não bastando, pois, às forças políticas convencionais os velhos instrumentos de persuasão, sejam eles de natureza orgânica sejam de natureza comunicacional (as plataformas de comunicação tradicionais). As políticas concretas contam muito, mas também aí não se vê ruptura que convença os eleitores. Bem pelo contrário, o que se vê cada vez mais é um mau uso do poder e um relacionamento promiscuo e sem critérios com os poderes económicos. Nem narrativa nem policies consistentes.

CONCLUINDO...

Não creio que esta mudança do M5S venha resolver o problema e impedir que a extrema-direita chegue confortavelmente ao poder. Os consensos perdidos por Salvini desde que deixou o governo não foram capitalizados pelo centro-esquerda, mas sim pela extrema-direita mais radical, levando FdI a passar, em três anos, dos 4/5% para quase 21%. Ou seja, a extrema-direita parece estar a interpretar a política melhor do que o centro-esquerda. Na verdade, o essencial reside em saber interpretar as expectativas da cidadania, focá-las e dar-lhes repostas. As respostas da extrema-direita são diferentes, naturalmente, mas o que deve ser interpretado é o que a generalidade dos cidadãos sente. Olhando para o que se passa nos países europeus o que se constata é que a retórica dos valores se tem revelado insuficiente perante a crueza e a dureza dos fenómenos sociais que ameaçam ou atropelam as sociedades europeias. O que o cidadão pressente é que, por detrás dessa retórica, na verdade o que há é não só um real vazio de valores, mas também um exercício do poder sem balizas morais e casuístico, um tacticismo que gasta o efectivo exercício do poder com o único objectivo de o conservar. Na verdade, o centro-esquerda o que deve é trazer alma à política. Trazer a política de volta. É naturalmente um exercício mais difícil, delicado e trabalhoso do que o de identificar os problemas e propor a sua resolução pela via autoritária, como faz a extrema-direita, mas é essa a missão do centro-esquerda. O que exige também protagonistas à altura do desafio, que seguramente não estão aí ao virar de uma esquina partidária. Sim, mas este é o desafio.

Seria bom que Itália não tivesse de passar por um tempo de governação de extrema-direita para se aperceber que não é essa a solução. E, todavia, a esquerda não tem sabido antecipar os tempos para recolher consensos que lhe permitam evitar a catástrofe política. Sim, é verdade. Querem um exemplo? Matteo Renzi, o desastrado percurso de uma infeliz existência política. O seu caso diz tudo sobre um certo centro-esquerda que tem governado Itália. E mais não digo, na esperança de que se forme um sólido bloco de centro-esquerda capaz de travar a resistível ascensão da extrema-direita ao poder em Itália. #Jas@07-2021.

Imagem1Rec

Poesia-Pintura

A MONTANHA

Poema de João de Almeida Santos. 
Ilustração: “Mulher”. Elaboração 
de minha autoria, apud Gustav Klimt 
(“Estudo de uma Jovem”, 1885). 
Julho de 2021.

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“Mulher”. Jas. 07-2021.

“I live not in myself, 
but I become / 
Portion of that around me; 
and to me, / 
High mountains 
are a feeling....”

LORD BYRON

Childe Harold’s Pilgrimage 
(1812-18). Canto III, 72 (1816).

POEMA – “A MONTANHA”

ESTOU A PERDER-TE,
Meu amor,
O estro
Esmorece,
Vai perdendo
Lentamente
O seu fulgor,
O poema
Empalidece
E eu,
Em poética anemia,
Já sinto
Um suave
E sonolento
Torpor.

SUBI A MONTANHA
Contigo
E, feliz
De lá chegar,
Com palavras
Que me deste
Eu aprendi
A cantar.

CANTEI A TUA PARTIDA
Quando desceste
O vale
E eu,
Triste,
caminhei
Por veredas
Sem destino
A que nunca
Mais voltei.

PERDIDO
De ti,
Vagueei
À procura
De eco
Do meu canto
Derramado,
Som puro
E cristalino
Que pra ti
Foi desenhado.

MAS O ECO
Era silêncio
Profundo
Vindo do azul
Quase irreal
Da abóbada
Celeste
Na montanha
Seminal.

NEM SEQUER O CLARÃO
De um cometa
Fugaz
Me visitava,
Pinhal abaixo,
Rumo ao horizonte
Do meu inquieto
Olhar.

O AR RAREFEITO
Da montanha
Tomara conta
De mim,
Desfalecia
A emoção
De te rever,
Reinventar
E cantar
Em surdina
Perante o
Silêncio
Cortante
Que me negava,
Impenitente,
O eco da
Minha canção.

ERA POÉTICA
Anemia,
Nos sentidos
Desmaiados
Calava
A melodia,
O som
Era murmúrio
Inaudível,
Sem ponta
De comoção,
Alma ferida
Que já nem
A dor sentia
De tão gasta
Nesse tempo
Por excesso
De paixão.

AGORA DESÇO
Também eu
Ao vale
Da minha vida
E regresso
À triste monotonia,
Sem ti,
Sem corpo
Imaginado,
Semente
De poesia.

O VALE ESPERA-ME,
Já tem sabor
A rotina
Porque sei
Que não te vejo
E estremeço,
Que já não
Sobram sinais
Da rua do
Desencontro,
Fugas
Irreais
Para os teus
Infinitos
Nem janelas
De onde te veja
Passar
Ou sequer imaginar
Na esquina
Esquecida
Do nosso
Contentamento.

ESTOU A PERDER-TE,
Não há janela
Nem cor,
Não há tempo
Nem lugar,
Não há poema
Nem mar
Que suspendam
O vazio
De não te poder
Encontrar...
.............
Eu perdi-te,
Meu amor.

JAS18Klimt2021_Final1Rec

Pintura

ARTE AO VIVO – 8

NO MEU JARDIM ENCANTADO

“O VOO DA MAGNÓLIA”, 2021

Partilho a imagem de mais um quadro já pronto para a Exposição em preparação, 90,5×115,5, em papel de algodão Hahnemuehle e com vidro de museu (70%). Este quadro pode ser adquirido, mediante comunicação de eventual interesse via E-mail, WhatsApp ou Messenger.

JAS - "O VOO DA MAGNÓLIA", 2021

OVoodaMagnolia1

OVoodaMagnolia

Artigo

Reflexões sobre a Arte

O MUNDO COMO GALERIA DE ARTE II

Por João de Almeida Santos

InscriçõesPub2021

“Inscrições”. Jas. 07-2021.

 

O MUNDO COMO GALERIA DE ARTE  (“in nuce”) será sempre observado, como é natural, com olhar esteticamente comprometido, existencialmente exposto e animado pelo desejo de o elevar, de o representar com as categorias da arte onde a intencionalidade do artista determina a relação. Do artista, digo, não do sujeito empírico que também habita o corpo do artista. A objectividade não é categoria central na relação estética. Sei bem a diferença que Nietzsche, em “A Origem da Tragédia” (Lisboa, Guimarães Editores, 1972), estabelece entre o “artista subjectivo” e o “artista objectivo” (1972: 55) e a referência à superação da “subjectividade” pela sintonia com o “sofrimento primordial”, com o “abismo mais profundo do Ser” (1972: 56). Mas esta “subjectividade” artisticamente desviante (“a má arte”) a que ele se refere é o império do “eu”, do desejo e da vontade individuais, opostos à “contemplação pura e desinteressada”, embora reconheça que a superação desta “subjectividade” acontece “por influência dionisíaca”. O que será, depois, completado pelo espírito apolíneo, no  processo de recriação formal. São as categorias estéticas e o espírito apolíneo que acabam por finalizar a relação entre o olhar esteticamente interessado e o objecto, densificando-a. O objecto é o resultado de uma intencionalidade estética que se eleva sobre a mera relação psicológica do artista com o real. Um olhar que se materializa na obra de arte e que, depois, é devolvido ao mundo recriado, mais belo e mais rico, quando a solidão da recriação é partilhada, se torna pública. O artista permanece solitário, é verdade, mas é um “solitário em público” (Thomas Mann, Considerazioni di un Impolitico, Milano, Adelphi, 1997: 37-38).

ARTE E LIBERDADE

A arte como arma transformadora que produz efeitos sobre o real só se compreende quando é preciso lutar em condições de falta de liberdade. Quando faltam condições para que ela própria se possa exprimir como arte. Como luta pela existência e pela sobrevivência, usando recursos próprios que não podem ser confundidos com os instrumentos da política, essa sim, operacional e instrumental. Concordo com o que Thomas Mann refere nas Considerações (1997: 544) acerca da irresponsabilidade do artista (em regime de liberdade). Porque ele não se move por uma ética da responsabilidade, de compromisso, mas sim por uma ética da convicção estética. O que faz toda a diferença. E a diferença reside precisamente na liberdade. Que tem de ser total. Há uma frase, nesta obra, que ele atribui ao “político do espírito” (e que aparece num escrito do irmão Heinrich Mann), que merece atenção: “a liberdade é a dança báquica da razão”. Uma “perífrase poética do conceito de liberdade nihilista e orgiástico”, como ele diz (1997: 543).  Bacchus, o sucessor romano de Diónysos, o deus grego, convocado para a dança da razão, quando esta decide embriagar-se. A liberdade surge aqui ligada ao furor dionisíaco a que se entrega a razão ou o próprio espírito apolíneo quando a abraçam – dança báquica, embriaguez existencial.  E é nesta condição de liberdade dionisíaca que acontece o acto de criação. É o que diria Nietzsche, que, em “A Origem da Tragédia”, verbera precisamente o movimento contrário, representado por Sócrates, quando diz que “munida com o chicote dos silogismos, a dialéctica optimista expulsa a música para fora da tragédia: quer dizer, destrói a própria essência da tragédia, essência que tem de ser interpretada como manifestação e objectivação de estados dionisíacos, como simbolização visível da música, como mundo onírico de embriaguez dionisíaca” (Nietzsche, 1972: 112). Ou Schiller, citado por Nietzsche (1972: 55), sobre a poesia: “Um certo estado musical da alma é o que precede e faz gerar dentro de mim a ideia poética” (1972: 55-56). Porque há sempre um pathos que estimula o artista e o desafia a criar ou que até se lhe impõe verdadeiramente como exigência, como alimento da alma, como razão de sobrevivência, como resposta a algo que o real não está em condições de oferecer a uma alma em alvoroço e incapaz de se adaptar à desordem do real. Mas, depois, quando a viagem se inicia, se dá a descolagem, então, o voo não tem limitações que não sejam as do génio, da técnica, da inspiração, do estro. É voar em liberdade, bater as asas em direcção ao fio do horizonte, movido pela paixão. Na arte sobrevoa-se o real como a montanha se eleva sobre o vale. Se é verdade que a propulsão é sempre a vermelho, o percurso é sempre em azul. O azul representa a liberdade da forma e da criação. O vermelho, a propulsão, a energia que leva a que descolemos do vale em direcção à montanha. É dança báquica, furor. A liberdade está, pois, no princípio e no fim. Pelo meio, há um arco-íris, uma ponte entre as encostas da montanha e sobre o vale. E é nele que o artista se senta quando está cansado ou quer olhar para o vale da vida com maior detalhe. Mas é também sentado nele, nessa ponte, que o artista escolhe as melhores cores com que quer olhar para o vale da vida. É nas gotículas do arco-íris que o artista molha o seu pincel para pintar o vale e a vida que ocorre nele.

O ARTISTA É IRRESPONSÁVEL?

O artista é irresponsável? Sim, sem ofensa, claro. Não deve tocar no real sequer com a ponta dos dedos, diria o descomprometido Bernardo Soares. Não há artistas responsáveis, preocupados com os efeitos das suas obras, que não sejam de natureza estética, preocupados com o olhar desconfiado dos outros, que não seja sobre a beleza do que é oferecido, ou então empenhados em mudar o mundo, que não seja na forma como se olha para ele, através da sua obra. Que não é um olhar político ou interesseiro, mas estético. Claro que todos os artistas gostam que se veja o mundo como eles o vêem. É por isso que o pintam, com palavras ou com riscos e cores. E o oferecem assim materializado. É natural e compreensível. Mas isso não significa que criem para o transformar, como se se tratasse de uma arma apontada ao status e pronta a disparar para produzir a mudança. Não, não lhes compete a eles fazer isso porque adulteraria a sua linguagem e comprometeria o espírito contemplativo, a sua visão e a sua liberdade. Não é isso. O objectivo é o belo ou então a representação esteticamente comprometida das pulsões que movem comportamentalmente o ser humano, como faz o expressionismo com o grotesco ou o teatrodança da Pina Bausch. Tudo num plano que escapa ao olhar distraído das visões pragmáticas do real. A arte não visa efeitos práticos. Se visar não é arte. Quando muito, os efeitos práticos podem socorrer-se da arte. Mas isso é outra coisa.

Se um poeta escrever para resolver um problema que o real lhe criou e que ele não consegue desatar com as categorias da pragmática, porque na verdade não se ajeita com as coisas práticas da vida, essa resolução é de outra ordem e tem leis próprias que só obedecem ao princípio da liberdade e às categorias da arte. Há dias tive uma discussão acerca de uma personagem do meu romance “Via dei Portoghesi”. Alguém me dizia que o autor foi injusto no retrato daquela personagem, não enquanto personagem, mas enquanto retrato de alguém que poderia ter inspirado o autor para criar essa mesma personagem. Fiquei espantado porque isso indiciava uma leitura do romance por aquilo que ele não é, ou seja, uma descrição de um estado de facto, de algo concreto. Tive, pois, de explicar que essa personagem tem vida própria e que tem uma função, no interior do discurso, que está ligada às funções das outras personagens, à textura e ao sentido geral da narrativa. Nesta textura, a personagem já descolou totalmente do referente real (se ele existir). E, mais ainda, o autor até já perdeu alguma liberdade de o redesenhar à sua medida porque ele se inscreve numa narrativa que se torna completamente autónoma.  Na arte não há compromisso possível com os referentes. Gosto de dizer que, tal como os sistemas, a narrativa, seja ela de que natureza for, romanesca ou poética, tem uma dimensão autopoiética, desenvolve-se e expande-se internamente sem recurso a elementos que lhe sejam exteriores. O que não significa, naturalmente, que não haja um ponto de contacto, algo parecido com o que os neopositivistas chamam “proposições observativas” ou “proposições elementares” (Wittgenstein), que o referente não permaneça lá de forma remota, somente como marca, rasto ou mero indício. “Não, ele não era tão mau como tu o pintaste”, disse. Respondi que a outra personagem também não era tão esplendorosa ou deslumbrante como a pintei. Ou seja, não andei por ali, no romance, a fazer ajustes de contas ou a exibir as minhas preferências humanas. Não, isso não seria arte.

É claro que numa obra de arte há sempre referencialidade e intertextualidade, que remetem sempre para algo exógeno a essa concreta obra de arte. São esses os fios que a ligam ao real e à comunidade em que se inscreve. Algo real, sim, mas remoto, como se fossem pegadas da passagem da realidade pela obra de arte.

A OBRA DE ARTE E O REFERENTE

Dirás tu, cara Amiga: “nunca conseguirás evitar que sejam feitas leituras deste tipo das tuas obras. Como, de resto, até já te aconteceu, segundo julgo saber. Pelo menos, por quem julga identificar personagens concretos nas tuas obras”. Sim, reconheço. Mas o problema não é meu. Nunca ouviste dizer que a arte aspira à universalidade?  Como poderia então ficar prisioneira de algo concreto? Os filósofos sabem bem do que falo e todos conhecem o velho problema dos universais, da relação entre o universal e o particular ou sensível. Lá onde o universal não pode estar contaminado pelo particular porque, desse modo, deixaria de ser universal – universalizar-se-ia algo que, afinal, é tão-só particular. Há até quem diga que este é o mecanismo (absolutizante) da ideologia. E até houve quem procurasse encontrar o ponto elementar de contacto entre o universal (o sistema) e o particular (o individual, o concreto), como os neopositivistas. As tais “proposições elementares” ou “observativas”. Não quero dizer tanto como se diz do Poema de Parménides: do ser só se pode predicar negativamente porque qualquer predicação positiva determina o que, afinal, deve conservar-se indeterminado. Não, não quero, mas enquanto artista também não desejo ficar prisioneiro de um qualquer referente que me tenha estimulado, ateando fogo ao espírito dionisíaco, não atingindo a dimensão apolínea. Não seria arte, como se diz, e bem, em “A Origem da Tragédia”. “Ah, mas não és tu que dizes muitas vezes que nos teus poemas procuras sempre interpelar alguém em concreto e que é isso que te leva a procurar a perfeição para conseguires seduzir com maior eficácia?”. Sim, é verdade, mas é uma mera técnica, já que é possível que essa personagem não possa ser interpelada, porque não está lá, não vê nem lê o que escrevo. Porque está surda e muda perante o meu canto. Mas eu ajo “como se”, digamos, num plano transcendental. É, portanto, uma personagem reinventada como leitora virtual, como objecto virtual de interpelação e de sedução pela arte, na verdade, mais sedução da alma do que do corpo. É assim que funciona, descolando de um real que só existe na minha imaginação, apesar de poder existir na memória como referente real. Mas é elemento mnemónico, portanto, filtrado, de um passado que já passou. Quem interpelo é essa personagem da minha memória que eu finjo que está ali em frente de mim para ser seduzida e deste modo resgatar-me do mau desempenho que tive e que me levou a procurar a poesia e a pintura para conseguir, por outras vias, o que o real me negou. É aí que o tempo se pode tornar o grande escultor desse passado que já passou, mas que se conservou filtrado pela memória. E melhorá-lo, torná-lo mais belo do que era (para mim).

A ARTE E O ESPÍRITO DIONISÍACO

O artificialismo nunca deu bons frutos. Eu tenho sempre de olhar para o mundo nem que seja através da minha memória, dos apontamentos que sobreviveram à voracidade do tempo. Quando, em A Origem da Tragédia, Nietzsche valorizava, na tragédia grega, o elemento dionisíaco era a isto que se referia, ao fervilhar da vida, considerando o domínio do apolíneo que se lhe seguiu, na evolução da arte, um seu empobrecimento real. De certo modo também Heidegger viu no triunfo do racionalismo na história do pensamento ocidental um esquecimento do Ser, o mesmo empobrecimento. E não é por acaso que ele encontra precisamente em Nietzsche o momento de viragem desse secular racionalismo (o último dos metafísicos) para a redescoberta do Ser. Um filósofo de transição. Um filósofo que valoriza o espírito dionisíaco. Mais recentemente, a obra de António Damásio tem vindo a enfatizar o papel do sentimento no processo cognitivo e racional. Tudo isto vem valorizar o papel da arte na nossa relação cognitiva com o mundo, na forma de o representarmos e de o metabolizarmos para efeitos de gestão da nossa própria existência. Sim, o mundo como uma galeria de arte “in nuce”, pronto para ser reinterpretado e reinventado por nós para que se torne mais belo do que já é, sim, mas também para que se torne mais nosso. No quadro com que ilustro este texto, “Inscrições”, revelo vida que se insinuava numa pedra de granito amarelo, completando as formas larvares inscritas nela, enriquecendo-a e devolvendo-a ao mundo mais rica de elementos que sempre escapariam ao olhar distraído do observador ou ao olhar interessado de quem a quisesse usar simplesmente para efeitos práticos, por exemplo, numa construção. Eu devolvo, mediada por mim, a pedra de granito como arte e ponho-a à consideração dos que a possam ler como objecto que já está para além da sua utilidade prática. Uma verdadeira mudança de perspectiva, que é o que a arte é. Um olhar sobre o mundo que faça dele uma galeria de arte em gestação.

InscriçõesPub2021Rec

Poesia-Pintura

 

PAS DE DEUX

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Penché”.
Original de minha autoria.
Julho de 2021.
1107Pencher2021

“Penché”. Jas. 07-2021.

POEMA – “PAS DE DEUX”

SOU COREÓGRAFO
Da minha alma,
Desenho-me
No espaço,
Embalado
Pela suave
Melodia do teu
Silêncio.

IMAGINO-ME,
Às vezes,
Num "Pas de Deux”
Contigo
Num palco
Em noite
De luar
Ali, na praia
Da meia-lua,
A dançar
O murmúrio
Desse mar
Com que te
Pintas
E ouves
Dentro de ti.

DANÇAMOS
Com palavras,
Enleados
Pelos fios
Dos poemas
Com que
Teimosamente
Ilumino
Os caminhos
Por onde nunca
Ousarás passar.

O SILÊNCIO
É a tua
Sinfonia,
O teu canto
De sereia,
A melodia
Que ressoa
Nesse mar
Murmurejante
De linóleo
Onde nos desenhamos
Em suave
Bailado,
Numa despedida
Que nunca
Terá fim.

GOSTO DESTA DANÇA,
Contraponto
Dos sinais
Invisíveis
Com que pontuas
A tua assinalada
Ausência,
E imagino-te
Num bailado
A solo
Com o som
Da minha poesia
Na praia
Da meia-lua,
Numa noite
De luar
E perfume
A maresia.

CANTO-TE, SIM,
Mas neste meu
Canto
Eu conto-me
Como espelho
Onde podes
Rever
O passado
Desse futuro
Que nunca
Existirá.

AGORA, SOZINHO
No linóleo,
Acendo um sol
Com as minhas mãos
E procuro
O que nunca
Encontrarei...
..........
A não ser
Sombras
De mim próprio
Gravadas
Na areia branca
Da baixa-mar.

ESTE,
O que te celebra
Em arte,
Já não sou eu,
Mas o coreógrafo
Da minha
Melancolia

1107Pencher2021Rec

Pintura

ARTE AO VIVO – 7

No Meu Jardim Encantado

“O DESEJO”, 2021

PARTILHO A IMAGEM de mais um quadro já pronto para a EXPOSIÇÃO em preparação, 87×126, em papel de algodão Hahnemuehle e com vidro de museu (70%). Este quadro pode ser adquirido, mediante comunicação de eventual interesse via E-mail, WhatsApp ou Messenger.

 JAS – “O DESEJO”, 2021

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Jas_O Desejo2