Poesia-Pintura

TEMPO

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Perfil de Mulher”, 
2022, 94X114.
Pintura em exposição no
Centro Cultural de Cascais
até 25 de Setembro.
Original de minha autoria.
Julho de 2022.
17Perfil de Mulher2022

“Perfil de Mulher”. JAS. 2022. 94×114. Pintura em exposição no Centro Cultural de Cascais.

POEMA – “TEMPO”

É TEMPO DE RECOMEÇO
Ao olhar
O teu perfil?
O que ontem
Eu já era
É o que hoje eu sou,
O afecto
Pediu tempo,
Mas o tempo resistiu
Ao que a vontade
Tentou.
É tempo
De recomeço
Quando o tempo
Não passou?

EM CADA MOMENTO
Procuro
O tempo
Que, no passado,
Eu, poeta,
Não cumpri
Porque sempre
Reinvento
Tudo aquilo
Que perdi,
Num poema
Ou em pintura
Para saber
Quem eu sou
Antes de lá
Me perder,
Nos lugares
Pra onde vou.

ENTRE O HOJE
E o ontem
Há algo
Que já mudou?
Fui ao baú
Das memórias
E vi logo
O que sobrou:
A imagem 
Bem precisa
Desse tempo
Que passou.

TUDO MUDA
Amanhã,
Quando, tenso,
Eu passar
Na curva
Do teu caminho?
Encontro o que antes
Nunca vi?
Mulher com futuro
No olhar
E que sempre
Me sorri,
A repetir com carinho
Um terno
E tão antigo “Olá!”,
Cabelos negros
Ao vento,
Corpo esguio
Em movimento,
Resolvendo um passado
Que nunca mais
Voltará?

NÃO, TEUS OLHOS
São uma janela
Fechada,
O tempo
Passa por ti
Sem destino,
É ritmo
Sem melodia,
Caminho
Sem fim
À vista
Que percorro
Dia-a-dia
Na vertigem
De um passado
Que cedo
Cristalizou,
Mais tristeza
Que alegria
Como peso
Do meu fado
Só liberto em
Poesia
Do tempo que
Não passou.

E TEM TEMPO,
A poesia?
Talvez tenha
(Eu não sei),
Com ela voo
No céu,
Sem limites
Nem fronteiras,
Num tempo que é
Só meu.

AH, SIM,
A poesia tem tempo, 
É tempo de salvação,
Perdi-te,
Mas eu não queria
Passado
De negação.

É TEMPO
De recomeço?
Sopra vento 
De feição?
Sou feliz em poesia
Pois escrevo
O meu poema
Na pauta
De uma canção.

NÃO É O TEMPO
Que salva,
Mas as palavras
Que digo
Enquanto fores
Alimento
Desta minha 
Inspiração
Porque é assim
Que te canto:
Da dor
Sai alegria
Que cura
Da solidão.

17Perfil de Mulher2022Rec

Artigo

SOBRE A MINHA PINTURA

A propósito da Exposição 
no Centro Cultural de Cascais 
23.07/25.09

João de Almeida Santos

Jas34_ODesejo2022

“O Desejo”. JAS. 2021. Quadro exposto no Centro Cultural de Cascais até 25 de Setembro de 2022.

I

A PINTURA está associada à poesia. Nasceu em terreno poético, o seu húmus. Para cada poema, um quadro. Para cada quadro, um poema. Há muitos anos que venho regularmente publicando aos Domingos, no meu site, poesia associada à pintura, em torno de um tema ou de uma história, que até pode ser a expressão de um breve, mas intenso, instante. É um delicado processo de sinestesia, perseguido com determinação, um diálogo entre duas artes, mas onde cada uma das expressões estéticas conserva a sua própria autonomia de linguagem e de narrativa. A pintura explora, com as suas categorias estéticas, ângulos de visão que resultam de uma intencionalidade temática originariamente associada à poesia, funcionando também como uma sua especial extensão ou projecção, onde a semântica conta. Por isso, é possível manter na pintura um registo semântico claramente identificável, ainda que sob forma mais ou menos alusiva a uma originária intencionalidade poética.

II

GOSTO DE EXPLORAR sobretudo cores quentes, as que melhor exprimem a carga semântica e o tónus da poesia com que a pintura converge, e de usar fundos negros, como recurso que permite evidenciar, com maior pregnância, as formas e as cores. Até porque o negro tem, no tipo de papel que utilizo, uma textura e um tom muito especiais. Parto sempre de uma mancha original, que capto através de prótese fotográfica, sempre accionada tendo em vista explorar plasticamente um determinado ângulo de visão, seja de um rosto, de um corpo, de uma flor ou de uma paisagem. E, para além do traçado central que dá forma e pregnância ao tema, procuro dar vida às figuras que nela se insinuam, originariamente ainda sob forma larvar, como se estivessem a pedir que lhes desse uma identidade definida. Um processo de gestação estética de formas inscritas originariamente num tecido ainda vagamente definido. Rostos, corpos, flores, paisagens, sim, em todas as formas ainda informes (para o fim em vista) procuro animação, vida, movimento. Parto à descoberta de figuras que, à primeira vista, são de difícil percepção, porque de pequena dimensão e de contornos indefinidos, mas que vão ganhando forma no processo de desenvolvimento da pintura. Como se se tratasse de uma construção a partir de uma estrutura molecular. E é esta animação interna da pintura que sugere os desenvolvimentos posteriores. É aqui que se centra a autopoiese plástica.

III

HÁ, NA VERDADE, UMA CONSTANTE – a presença e a influência do discurso poético na pintura. Como se o real de que parto fosse já o que a própria poesia propõe, apresentando-se a pintura como discurso metapoético, marcado originariamente, na génese, na origem pelo olhar poético sobre o mundo, sobre a vida. O mesmo mecanismo que determina a relação entre a génese dos processos noéticos e a sua ulterior formalização, a que os valida, universaliza e autonomiza. Assim acontece na pintura. Uma estética da cor e do traço geneticamente marcada pela semântica poética. A poesia funciona, assim, como uma espécie de mediação entre o pintor e o real. Um real oferecido pela sensibilidade poética. Uma “second life” de natureza poética como ponto de partida. Todas as pinturas têm, por isso, um poema associado, sem excepção. Assim, é possível detectar também uma sua função orgânica – a de tornar visível o discurso oculto da poesia, dar-lhe cor, prolongá-lo até ao ponto em que se desprende, transportando consigo, sim, a intencionalidade poética, mas exibindo-a em total autonomia, com a própria plasticidade e a própria hermenêutica. Uma relação sensorial com a realidade enriquecida pela sensibilidade poética. Poderia exemplificar com alguns quadros, nos quais se desenvolve e converte a própria fala poética. Mas essa sinestesia pode ser consultada livremente aqui, no meu site, no separador “Poesia-Pintura”, onde se encontra publicada a maior parte da minha obra poética, associada à pintura. E, todavia, não é possível dizer que a pintura seja a ilustração plástica da poesia, porque o mesmo poderia ser dito da poesia, dizendo que ela seria a ilustração discursiva da pintura. O efeito sinestésico resulta da convergência intencional e livre das duas artes em torno de um mesmo tema ou de uma história, tratados com a linguagem própria de cada arte. Também no meu livro de poesia (João de Almeida Santos, Poesia, Lisboa, Buy The Book, 2021, 438 pág.s) é possível encontrar treze exemplos desta sinestesia, estando os treze poemas associados a treze pinturas (entre as pág.s 98-99, 106-107, 114-115, 126-127, 194-195, 252-253, 256-257, 262-263, 298-299, 302-303, 306-307, 328-329, 340-341 e, finalmente, para toda a poesia, entre as pág.s 52-53). Mas nele também se encontra desenvolvida a minha concepção de arte num ensaio de estética e de introdução à poesia e à pintura ou, ainda, nas respostas aos meus leitores digitais.

IV

HÁ UM LUGAR INSPIRADOR central: o meu jardim na montanha e os horizontes que o enquadram. Ali colho grande parte da inspiração, mas interceptando sempre, por um lado, remotos, mas intensivos, fragmentos de memória e, por outro, as figuras que se insinuam na mancha original de que parto. Depois acontece o livre desenvolvimento da pintura em obediência aos meus próprios critérios de beleza e de harmonia, mas também às exigências semânticas que respondem ao chamamento poético. Não concebo a arte sem semântica, tal como não concebo a poesia sem música, mas também não compreendo a subordinação da forma e da totalidade estético-expressiva às puras exigências da semântica. É como se se tratasse de camadas que se desprendem de uma mesma matéria orgânica, ganhando autonomia e sentido próprio, embora contaminadas pelo próprio processo criativo e pela sua palingénese.

V

NÃO ME FILIO em nenhuma corrente estética (que me perdoem os encartados), por uma única razão: o real é o centro do meu discurso estético, ainda que, na pintura, seja um real já portador de sentido conferido pelo olhar poético do pintor. Conjugando pintura e poesia procuro interceptar e interpelar o observador, o fruidor, com uma clara intencionalidade. É uma interpelação complexa onde poesia e pintura cooperam para intensificar o chamamento e a convocação para a experiência estética. Mas também é possível detectar alguma intertextualidade na pintura. Por exemplo, a presença, em alguns quadros, de citações, de fragmentos klimtianos (“Uma Casa no Jardim”). Um autor, Gustav Klimt, que me seduz, desde sempre.

VI

MAS O MELHOR é deixar que a pintura fale por si, nestes trinta e dois quadros que agora exponho no Centro Cultural de Cascais, até 25 de Setembro, e que convido a visitar (e com visita guiada se me for solicitada).

Jas34_ODesejo2022Rec

PINTURA

EXPOSIÇÃO DE JOÃO DE ALMEIDA SANTOS

Inauguração a 23.07

CENTRO CULTURAL DE CASCAIS

De 23.07 a 25.09.2022
L&ClaraZanini

“O TERRAÇO” em observação

FOI ONTEM, 23 de Julho, entre as 18:00 e as 20:00, a inauguração da minha Exposição individual “Luz na Montanha”, no Centro Cultural de Cascais. Presentes cerca de 70 amigos que quiseram partilhar este momento comigo. O meu obrigado a todos. Tive oportunidade de dirigir algumas palavras aos presentes e de ler o poema “A Janela” junto do quadro com o mesmo nome, dando assim testemunho directo da íntima conexão entre a poesia e a pintura.

QUERO AGRADECER publicamente ao Senhor Presidente da Câmara de Cascais, Carlos Carreiras, ao Senhor Presidente do Conselho Directivo da Fundação D. Luís, Prof. Salvato Teles de Menezes, e à Senhora Coordenadora do CCC, Arquitecta Isabel de Alvarenga, a oportunidade de realizar, no prestigiado Centro Cultural de Cascais, esta minha Exposição. Estando o meu trabalho plástico intimamente ligado à poesia, entendeu-se fazer também a apresentação do meu livro de poesia (João de Almeida Santos, Poesia, Lisboa, Buy The Book, 2021) durante a Exposição, precisamente um dia antes do encerramento, ou seja, no dia 24 de Setembro. A apresentação será feita pela Professora Annabela Rita, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

ESTA EXPOSIÇÃO representa o ponto de chegada de um longo processo de trabalho diário dedicado à poesia e à pintura, que foi sendo divulgado através do meu site todos os Domingos e durante anos, sem interrupção.

A MINHA PROPOSTA consolidou-se como exercício de convergência entre a poesia e a pintura, onde o ponto de partida da pintura é a própria poesia. Adoptei a sinestesia, ou seja, a convergência de duas artes em torno de um tema ou de uma história, de forma sistemática, e assim fui caminhando até chegar aqui, a esta primeira Exposição, e à publicação de um livro de poesia, que exibe algumas (14) ilustrações demonstrativas da profunda relação entre a poesia e a pintura. O livro também está em exposição na segunda sala, 3 exemplares, numa vitrine, e também é consultável num volume disponibilizado para tal. Na verdade, a cada quadro (32, visto que os programados 37 seriam excessivos para o espaço disponível) corresponde um poema.

TODOS OS QUADROS expostos podem ser adquiridos, à excepção dos números 20 (“Março”), 30 (“Ketrof”, exposto só no catalogo), 35 (“Romã”) e 37 (“Magia”). A Exposição tem um Catálogo – que contém um texto do Prof. Salvato Teles de Menezes, dois textos meus sobre a minha pintura e a reprodução de 37 quadros – que pode ser adquirido no Centro Cultural de Cascais (valor: 7 euros).

PUBLICO AQUI várias fotografias do evento. Outras se seguirão durante o dia de hoje. Fotos de Ronald van Middendorp.

Intervenção2

Durante a minha intervenção na abertura da Exposição.

IntervençãoCorte

Outro momento da minha intervenção, dirigindo-me à Senhora Arquitecta Isabel de Alvarenga, Coordenadora do CCC

Image-1-3

Chegada à Exposição

Olga&João1

Comentando “Teus Olhos” com uma Amiga

Sala1

Quadros na Sala 1: “Pasárgada”, “Luz na Montanha”, “Rua do meu Jardim”, “Pasárgada II”, “A Montanha Encantada” e “Deusa das Camélias”

Texto

Texto “Sinestesia”, entre as Salas 1 e 2, e quadro “Pasárgada”

20220723_BlameDutchie_JdAS_00058

“Perfil de Mulher”

20220723_BlameDutchie_JdAS_00056

“Teu Olhar”.

20220723_BlameDutchie_JdAS_00046

O Autor

20220723_BlameDutchie_JdAS_00067

“Paraíso”

O Desejo

“O Desejo”

FachadaSite

Fachada do CCC com o Cartaz da Exposição “Luz na Montanha”

#Jas@07-2022

Pintura

EXPOSIÇÃO DE JOÃO DE ALMEIDA SANTOS

Centro Cultural de Cascais
23 de Julho - 25 de Setembro
Inauguração: 23.07, 18:00
CapaCatalogo

CATÁLOGO DA EXPOSIÇÃO – CAPA

SINESTESIA

“LUZ NA MONTANHA” é o título desta minha Exposição. É o título de um quadro que a integra, mas é também uma alusão ao ambiente natural que me inspira na pintura e na poesia.

Em exposição estarão as 37 obras aqui reproduzidas e que foram criadas em diálogo com a poesia. Elas são, pois, parte do processo sinestésico que adoptei na experiência estética.

Com riscos e cores, procuro dar forma plástica ao discurso poético e à matéria de que se alimenta: esse fluxo torrencial de pulsões existenciais que interpelam, estimulam e desafiam o poeta. A pintura continua o discurso poético por outros meios que, depois, seguem a sua própria gramática. Trata-se de paisagens interiores, pintadas, num primeiro andamento, com palavras em registo melódico, mas, depois, recriadas e figuradas em expressão cromática quente e intensa.

Uma dialéctica que torna a experiência estética mais rica e complexa, mas ao mesmo tempo mais leve e sedutora. Fragmentos cromáticos de um originário discurso poético que o projectam para fora de si e o oferecem ao olhar no interior de uma nova gramática. Como um magnetismo que atrai a palavra e a converte em cor, propondo-a, já transfigurada, ao olhar de quem frui.

O processo sinestésico permite, depois, um novo regresso ao poema, já com a alma cheia de cor, banhando e iluminando os versos e as estrofes com o brilho cromático das pinturas. E assim se sobe a um novo patamar a partir do qual se inunda de sentido a pintura.

Na verdade, nem a pintura ilustra o poema nem o poema descreve a pintura, mas ambos dão origem a um diálogo virtuoso que se eleva dialecticamente, através da sinestesia, em planos superiores mais complexos e exigentes. A densidade do poema é convertida em leveza na pintura e a leveza da pintura é densificada pela semântica poética.

É isto que eu pretendo, independentemente da interpelação e do chamamento a que ambas as artes estão necessariamente votadas. Se ambas respondem, na sua génese, a um originário impulso dionisíaco, para o dizer com Nietzsche, elas também têm como vocação a interpelação, procurando seduzir e chamar à experiência estética os que se cruzam com elas.

No essencial, foram estas as razões que me moveram nas 37 propostas que exponho.

João de Almeida Santos

Catalogo_JAS2

Catalogo_JAS

Poesia-Pintura

ENCANTAMENTO

Poema de João de Almeida Santos
Ilustração: “La Diseuse”
Original de minha autoria
Julho de 2022

LaDiseuse_07_2022Cor

“La Diseuse”. JAS. 07-2022

POEMA – “ENCANTAMENTO”

SÃO ECOS
Da tua alma
Estas cores
Intensas
Com que te
Pintas
E te revelas
Nestes dias
De tão incerto
Encantamento.

CONVIDAS-ME
A ler-te
Nas cores
Quentes
Com que
Teus olhos
E tua boca
Me convocam
E aguardas,
Expectante,
Que pinte
A tua alma
Com a devoção
De poeta
De alma 
Errante
E com palavras
Ambiguamente
Certeiras
Que saiam
Do fundo
Desta timidez
Em sobressalto
Que eu,
Inseguro,
Sinto
Cada vez que
 Te vejo
Lá no alto.

SÃO CASTANHOS
Os teus cabelos,
Mas a tua alma,
A que eu leio
Em teu rosto,
Está impressa
Como coroa
De cor
Efémera,
A das giestas
Floridas
Na primavera
Dos nossos
Fugazes
Reencontros.

A TUA BOCA
Sensual,
Lábios
Ao rubro,
Carnal,
Oferece-se
Ao beijo
Das minhas
Palavras
Nestes poemas
Lançados
Ao vento...

ÉS BELA
Como eles,
Estes dias
Do eterno retorno
Em que me
Deixas
Abraçar-te
Com palavras
De ousado
Desafio
No meu regresso
A ti,
Ó deusa
Tão ausente
Do meu viver.

MAS EU VEJO
No reencontro
Feliz
Uma leve
Tristeza
Que em teu
Rosto
Aflora
Em contido
Espanto,
Nessa hora
Em que te sinto
Quase como 
Choro
De não te ter.

É OLHAR
Que roga,
Boca suspensa
Da pergunta
Que não ousa
Sair sequer
Como murmúrio
De teus lábios...

AH, ENTÃO,
Pergunta,
Sim, pergunta,
Pra que eu
Te diga,
Cá de longe,
Sem hesitar,
As minhas
Certezas
Sobre ti
Sob o fascínio
Desse teu
Cintilante 
Olhar.

E DIR-TE-EI
Que os astros
(Sim, os astros)
Estão alinhados
Sobre nós,
Suspensos
De teus riscos e
Das minhas palavras,
Das nossas cores,
Dos sinais que,
Como sóis,
Iluminam,
Ardentes,
A nossa vereda
Tão estreita
Sobre o precipício
Fatal
Da arte.

POR ISSO,
Com o poema
Te seguirei
Mesmo que
Um dia
(Que nunca virá)
Se esfumem
No horizonte
As tuas cores
E te perca ali,
Na rua
Do desencontro,
Onde eu
Te conheci,
E meu rosto
Escureça
Sob as negras
Nuvens
Dos destinos
Não cumpridos.

MESMO ASSIM,
Continuarei
Em busca
Dos mil rostos
Da tua 
Metamorfose,
Essa que sinto
E pressinto
Como beleza
Oferecida
No teu olhar
Cintilante,
Na tua boca
Suspensa
De tanta
Incerteza
Nesse imenso mar
Onde se ouve
O canto
Das sereias.

PROCURAREI
Então,
Mais rostos,
Mais cor,
Mais riscos,
Com dor,
Usarei palavras,
Sinais,
Desenhar-te-ei
Cada vez mais,
Com meus poemas
Irei ao cais
Ao pé do rio
Saber se vais
À outra margem
Da nossa vida...
.............
Talvez cantar,
Nem sei
Que mais...

TANTO BRILHO
No teu olhar,
Ó deusa
Do meu destino,
Sempre a navegar...

LaDiseuse_16052022CorRec

Artigo

EUGENIO SCALFARI

Por João de Almeida Santos

La Repubblica

“La Repubblica”. Jas. 07-2022

PARTIU EUGENIO SCALFARI. Com 98 anos, o grande, enorme jornalista deixou-nos, ontem. E, nesta ocasião, senti o dever de escrever algumas linhas sobre ele e o seu jornal, o “La Repubblica”, que leio praticamente desde que foi, em 1976, fundado. Comecei em 1978, altura em que me mudei para Roma, e ainda o leio regularmente. Ainda por cima, fiquei e sou amigo de um dos jornalistas que o fundaram e que me habituei a ler logo nos primeiros tempos, Giovanni Valentini, que foi seu vice-director e, mais tarde, director de “L’Espresso”. Dizem-me que o nome do jornal foi um tributo ao jornal português “República”. E foi, mas já não é tanto, um grande jornal, que chegou a ultrapassar o Corriere della Sera. No início dos anos ’90, obtive, e concretizei, autorização do “La Repubblica” para reproduzir, a título gratuito, artigos e até vinhetas de autores famosos em publicações dirigidas por mim. E aprendi muito na leitura deste jornal. Lá escreviam os melhores jornalistas e intelectuais italianos. Havia como que uma identificação ontológica do jornal com Scalfari, sendo impossível dissociá-los. E o mesmo se verificava com o seu editor, Carlo Caracciolo, “il principe rosso” e “editor puro”, nas relações que sempre manteve com Scalfari. Como diz Giovanni Valentini, sem esta profunda cumplicidade de vida e de projecto entre ambos “La Repubblica” não teria acontecido.  Essa marca manteve-se sempre, mesmo quando Scalfari já não era o Director e se distanciara um pouco do jornal. Era um intelectual prestigiado, respeitado e muito influente. A sua “travagliata” vida deu-lhe uma densidade que se notava em tudo o que fazia.

UM ENSAIO DE SCALFARI SOBRE A BURGUESIA

Num livro que publiquei em 1998, “Paradoxos da Democracia” (Lisboa, Fenda, 1998, 175-179), retomei, no subcapítulo “Middle class, uma democracia sem futuro?”, um estimulante ensaio de Scalfari, “Meditações sobre o declínio da burguesia”, publicado na Revista “MicroMega”, 4/1994. Em poucas palavras, a sua ideia era a de que a burguesia estava a perder (ou já tinha mesmo perdido) o seu papel originário de classe geral, regressando a uma visão corporativa da sociedade e pretendendo ela própria interpretar directamente o poder, o que antes não acontecia. É claro que Scalfari tinha em mente o recente caso de Berlusconi e a comparação com os Agnelli – que nunca pretenderam gerir, eles, directamente o Estado – era inevitável. A ideia era a de que a universalidade do Estado não podia ser interpretada por uma concreta classe (ainda que obtivesse  mandato por via electiva) e, por isso, havia que favorecer a representação por parte de instâncias e de protagonistas não ligados directamente ao interesse e ao poder corporativo. De resto, foi assim que nasceu e se consolidou (dos contratualistas a Hegel) o Estado e o direito modernos. A emergência política da “middle class”  viria a favorecer um movimento social e politicamente fragmentário favorável à reconstrução de uma “burguesia de classe” já não identificada com o chamado “interesse geral” que a burguesia tradicional representou e a seu modo promoveu. Assistiu-se, assim, ao regresso do classismo burguês e à tentativa de acesso directo do grande capital ao poder de Estado. É o caso concreto do acesso ao poder de Berlusconi. Uma bela reflexão, a de Scalfari, a que um dia voltarei.

UMA "ESTRUTURA DE OPINIÃO"

O seu “La Repubblica” era um jornal culto e sofisticado que conseguia ao mesmo tempo ter uma enorme difusão nacional, uma difusão média diária de cerca de 730 mil exemplares, no início dos anos ’90, tendo atingido picos superiores a um milhão. E tudo isto era obra sua, enquanto líder deste excelente projecto jornalístico. Um projecto que Scalfari definia como uma “estrutura de opinião”, um autêntico “jornal de opinião de massas” (Valentini). Em suma, um projecto de centro-esquerda, que não era um quase-partido, como muitos diziam, mas, sim, quase uma “universidade popular” tal era a sua sofisticação, a diversidade de áreas em que intervinha com competência reconhecida e a enorme dimensão de massas que atingiu.

OBRIGADO, EUGENIO SCALFARI

Hoje vivemos tempos em que o modelo deste jornal de Scalfari está em declínio, não só pelo triunfo incontestado do audiovisual, contra a cultura de natureza mais analítica, e pelo dilúvio tablóide que inunda a maior parte dos meios de comunicação, mas também pelo desenvolvimento do digital, da rede e, em particular, pelo aparecimento das redes sociais e da revolução que elas estão a introduzir na opinião pública.

Scalfari pertencia a outro tempo e julgo poder caracterizá-lo analogicamente como tempo das Luzes. Um tempo que o seu projecto tão bem soube interpretar. E digo-o com conhecimento de causa e com alguma nostalgia, pois o que agora estamos a viver continua a ser, sim, um tempo de luzes, mas mais o das fugazes luzes da ribalta.

Addio e grazie, Eugenio Scalfari.

La RepubblicaRec

Artigo

O MUNDO COMO FENÓMENO ESTÉTICO

REFLEXÕES EM TORNO DE NIETZSCHE

Por João de Almeida Santos

JAS_Timidez2022

“Timidez”. JAS. 07-2022

PODE PARECER estranho o título deste artigo se atendermos ao estado calamitoso em que o mundo se encontra. Não é belo aquilo a que temos vindo a assistir. Mas também é verdade que muitas concepções de arte não a assumem como expressão do belo, no seu sentido clássico, mas sim como expressão de fracturas nucleares da existência, da vida, do mundo ou até mesmo de comuns esgares existenciais (de certo modo encontramos isso na pintura de Paula Rego  ou no bailado de Pina Bausch). Não é o próprio Nietzsche que diz, em “A Origem da Tragédia”, que “a epopeia homérica é o poema da cultura olímpica, o hino de vitória em que ele canta os horrores da guerra dos titãs” (Lisboa, Guimarães Editores, 1972, 88 )? Mas, sim, só que a arte serve precisamente para dar um sentido à existência, para a tornar suportável. A visão do horror, do feio ou do disforme quando convertida pela arte actua sobre a nossa sensibilidade como uma espécie de filtro e tende a cobrir com o véu da beleza a rudeza e a aspereza do real. E esta é a missão do espírito apolíneo que a interpreta, agindo sobre o alimento dionisíaco.  O título, afinal, reproduz o que diz Nietzsche em várias passagens desta obra.

TRANSFIGURAÇÃO

Vejamos , então, o que ele diz sobre a arte apolínea, precisamente em “A Origem da Tragédia”:

“Se nos fosse possível imaginar a dissonância (musical) feita criatura humana – e que é o homem senão isso? -, essa dissonância, para poder suportar a vida, teria necessidade de uma admirável ilusão que lhe escondesse a sua verdadeira natureza sob um véu de beleza”.

E continua, detalhando a mecânica do processo de gestação desta arte:

“Deste princípio de toda a existência, deste fundo dionisíaco do mundo, nada mais deve penetrar na consciência do indivíduo humano a não ser o que a potência transfiguradora apolínea estiver em condições de superar; de tal maneira que estes dois instintos  artísticos sejam obrigados a desenvolver as suas forças numa proporção rigorosamente recíproca, segundo uma lei de eterna equidade. Em toda a parte onde virmos as potências dionisíacas em subversão violenta, é desejável que Apolo, envolvido em nuvens, haja descido já até nós; e a geração seguinte contemplará certamente as mais esplêndidas manifestações da sua potente beleza” (1972, 178-179; itálico meu; e pequenos ajustamentos meus à tradução).

Ora aqui está: a erupção vulcânica do mundo em poderosa manifestação vital sobre a qual intervém a potência apolínea de transfiguração, envolvida “em nuvens”, resulta, em rigorosa proporção, em arte e em contemplação da poderosa beleza, por obra de Apolo. A síntese perfeita para a obra de arte perfeita. A que, de resto, Nietzsche  encontrava na tragédia grega.

A dissonância, a que ele se refere, sons estranhos entre si, na história da música evoluiu para a harmonia ou consonância musical, talvez esse mesmo “véu de beleza” que cobre a originária e recíproca estranheza dos sons entre si. A dissonância originária gera movimento e este tenderá progressivamente para a estabilidade, a consonância e a harmonia. Também aqui a arte resolve e converte em beleza o que na origem é aparentemente incomponível. E não se trata de uma estética do horror, que há quem a cultive, mas de arte e de beleza. Ou seja, da arte, na sua componente apolínea, como modo de viver o mundo calamitoso, mas de forma suportável. Aqui está: promovendo-o a fenómeno estético ele torna-se mais suportável. É como estetizar um sentimento, cantar a dor para melhor a suportar. E ela, a dor, é o combustível de que se alimenta a arte. Sobretudo a poesia. Cantar a dor não é propô-la como função existencial, mas sim uma forma de libertação por elevação estética. Não é como a visão do mundo exclusivamente moral que, como diz Nietzsche, aniquila e nega a vida porque esta é “essencialmente imoral”. O moralismo radical nega a pulsão vital. A tónica que Nietzsche põe no espírito dionisíaco diz precisamente o contrário: a exaltação da vida, das pulsões vitais, da alegria primordial que tudo anima – “o instinto dionisíaco, com a sua alegria primordial até mesmo perante a dor, é a matriz comum donde nasceram tanto a música como o mito trágico!” (1972: 176). Voilà. É aqui que se inscrevem quer a música quer a poesia. Como respiração cadenciada e sublime da própria vida. Com Apolo a indicar-nos o caminho: “com gestos sublimes é que ele nos mostra quanto o mundo dos sofrimentos lhe é necessário, para que o indivíduo seja obrigado a criar a visão libertadora, porque só assim, abismado na contemplação da beleza, permanecerá calmo e cheio de serenidade, levado na sua frágil barca por entre as vagas do mar alto” (1972: 51).

A MÚSICA E A POESIA

Achei muito curiosa uma observação que li no Ecce Homo. É esta: “Quando pretendemos libertar-nos de uma opressão intolerável , tomamos haschich. Pois bem: eu tomei Wagner” (Lisboa, Guimarães Editores, 1961, pág. 62).  Libertou-se através da música, mais concretamente, a de Wagner. Veneno, diz ele. Mas veneno excelso, o de Tristão (e Isolda, de 1865), o nec plus ultra de Wagner, “o maior benfeitor da minha vida”.  O papel da música na vida de Nietzsche é decisivo ao ponto de ele próprio comparar “Assim falava Zaratustra”, a sua poderosa obra-prima, com o “espírito da primeira frase da Nona Sinfonia” (cit. por Stefan Zweig, em Nietzsche. O combate com o demónio, Lisboa, Guerra e Paz, 2022, 98). A música é para ele a arte por excelência dionisíaca, vital, pulsional. “Não sei estabelecer diferença entre as lágrimas e a música”, diz ele no Ecce Homo (1961: 64). Uma intimidade tal entre sentimento e música que acaba por identificá-los, embora no interior de um processo de transfiguração estética que vai do dionisíaco ao apolíneo e, na música, da dissonância à consonância. E a poesia segue o mesmo trajecto.  Assim se cumprindo o papel da arte como redenção. Algo que, em vez de se distanciar da vida, se aninha nela e que, no calor do ninho, se eleva como fumo branco (“envolvido em nuvens”) que, desenhando formas perfeitas no ar, indicia combustão em terra. Mais uma vez, a música e a poesia.

Eu creio que a poesia é uma espécie de sequência da música, mantendo uma grande intimidade com ela, não só porque faz parte da sua matriz, porque é de algum modo o seu registo originário, mas também porque é uma linguagem performativa, que procura funcionar como acção, superando a dimensão de mera representação do real sentimental, emocional, vital. Tal como a música a poesia vibra por si. Ao dizer-se, cumpre-se como momento existencial com densidade ontológica. A poesia não pode, pois, ser concebida como representação, mas sim como vontade, exactamente como a música. Apesar de a vontade ser “o inestético em si”, a música aparece como vontade (1972: 64). O espírito dionisíaco move-se nestas águas, move a música, mas também move a poesia na sua génese, evoluindo, esta, depois, para um puro olhar contemplativo, o do espírito apolíneo.

Nietzsche cita Schiller: “Um certo estado musical da alma é que o precede e faz gerar dentro de mim a ideia poética” (1972: 55-56). Acontece o que ele chama uma “predisposição musical” no acto de poetar.  E fala da dissonância musical. A dissonância evolui na história da música para a harmonia de sons originariamente estranhos entre si, em analogia com a própria vida, fazendo-a evoluir da aspereza para a suavidade estética, a beleza, como única forma de suportabilidade: “o mundo e a existência não podem ter justificação alguma, a não ser como fenómeno estético” (172: 175, 60). E neste registo a música tem  um papel fundamental como propulsora da arte, como energia que “dá, de certo modo, asas à arte apolínea para a levar consigo no seu voo” (1972: 173).

O ARTISTA COMO MILITANTE DA VIDA

Esta distinção entre espírito apolíneo e espírito dionisíaco é decisiva para compreender a arte. O mundo como vontade e representação é o título da grande obra de Schopenhauer. A arte conserva a vontade como impulso originário do artista, como combustível, como energia que lhe dá asas, mas ela é mais do que representação e mais do que algo que se soma ao real disponível. Ela tem mesmo a pretensão de se tornar real, confundindo-se até com ele… para o substituir. Só assim poderá cumprir a sua função redentora e libertadora. E nesta operação o artista anula-se, resolvendo-se como indivíduo empírico concreto, como subjectividade do foro real (1972: 59, 60), para se elevar à universalidade possível, mas sem perder o cordão umbilical, que nunca é cortado, ficando, todavia, invisível e espiritualizado. No voo estético, o combustível está lá, mas praticamente já não é preciso porque no ar a aspereza do real se dissolve.  A arte não é positivista. E o artista não é um observador descomprometido com o real, que levita sobre o real. Não, o artista é um militante da vida… bela. Só militando nela, com todos os riscos e choques, ele se pode elevar à esfera contemplativa.

JAS_Timidez2022Rec

Poesia-Pintura

A PINTORA

Poema de João de Almeida Santos
Ilustração: “Olhar”
Original de minha autoria
Julho de 2022

A Pintora2022_0907

“Olhar”. JAS. 07-2022

POEMA – “A PINTORA”

QUANDO TE VEJO,
Vejo-te a cores,
Sinto aromas,
Provo sabores
Na fantasia
E vejo traços
E tantas fugas
Pró infinito
Nos sete céus
Dessa magia...
..............
E eu respondo
Sobre o que sinto
Se me perguntas:
- Epifania!

AO LONGE,
O horizonte
Do teu olhar
Aqui ao perto
Uma ponte
Desenhada
Que me leva
Ao pé de ti
Quando o rio
Me transborda
E eu sinto
Que me perdi.

QUANDO TE VEJO,
Eu vejo ruas,
Eu vejo praças
E catedrais,
Vejo figuras
A levitar,
Vejo vitrais
E vejo sóis
Em refracção
Que aquecem
A minha alma
Quando me olhas
E estremeço
De emoção.

VEJO TEU ROSTO,
Vejo-te a ti
Nesses poemas
Que escrevi,
Sentir-te perto
É o desejo,
Ver o teu céu
No horizonte,
A utopia...
.........
E eu ando
É por aqui
Sempre à procura
Da tua doce
Companhia.

VEJO MONTANHAS
E vejo cores
A brilhar
No horizonte,
Eu vejo casas
Nesses vales
E esses rios
Por onde corre
A água pura
Com que eu rego
O meu jardim
Pra que germinem
Os meus poemas
E te desenhe
Só para mim.

SINTO NO AR
O teu perfume
Cabelos soltos
A esvoaçar
E sinto o vento
Nesse teu rosto
E altas vagas
No nosso mar
Mesmo que chegues
Já no sol-posto
Com o teu barco
A navegar
Nesse horizonte
Onde se perde
O meu olhar.

EU VEJO TELAS
E teus pincéis
Eu vejo tinta
Na tua mão,
Vejo-te a ti,
Doce pintora,
Tão concentrada
Em mil desenhos
Em construção.

VEJO QUADROS
E vejo letras,
Nessa pintura
Vejo sinais
E sou feliz
De assim te ver
Porque te vejo
Neste pontão
Do nosso cais...
............
E tudo isso
É o que vejo
E o que basta
Pois não preciso
De muito mais.

EU VEJO TUDO
(A deusa ajuda),
Mas não te vendo
É grande a dor...
Vem ter comigo
A este rio
Passar a ponte
Pro outro lado
Dar-me a mão
E um sorriso,
Fazer de mim
Um desejado
Mesmo sem teres
A tua ponte
Bela e leve
Já desenhado.

EU VEJO TUDO,
É uma certeza,
Mas faz-me falta
O teu sorriso...
...............
Mesmo que minta
Nada mais quero
Pois é só disso
Que eu preciso.

A Pintora2022_0907Rec

Poesia-Pintura

O BEIJO

Poema de João De Almeida Santos.
Ilustração: "O Beijo". Original 
de minha autoria para este poema.
Dia Internacional do Beijo - 
- Seis de Julho, dia que celebro, 
com um poema, todos os anos.  
Inspirado em "Lotte in Weimar"
 (1939), de "Thomas Mann, 
a obra que continuou "Werther" 
(1774), de Goethe, e no meu 
romance "Via dei Portoghesi".

O_Beijo060722

“O Beijo”. JAS. 07-2022

LEITMOTIV

“O amor é o melhor na vida, assim, 
no amor, o melhor é o beijo –
Poesia do amor...”. “Beijo 
é alegria, procriação é luxúria”

Thomas Mann
 Inspirado também em:
 “Os beijos escritos 
não chegam ao destino,
mas são bebidos pelos
fantasmas ao longo 
do trajecto”

Kafka 
“Se para te beijar devesse, 
depois, ir para o inferno, 
fá-lo-ia. Assim, poderia 
vangloriar-me, com os diabos, 
de ter visto o paraíso
sem nunca lá ter entrado”

Shakespeare
 “O primeiro beijo não é dado 
com a boca, mas com os olhos”

Bernhardt

POEMA – O BEIJO

BEIJO FOI
O que nunca
Te dei
A não ser 
Com o olhar,
O primeiro,
Esse beijo,
Dei-to, pois,
Sem te tocar.

E DEI-TE MAIS,
Com palavras,
Quando olhar
Já não podia...
............
Foste embora
Para longe
E eu, triste,
Não te via.

FORAM BEIJOS
Que sonhei
Na rotina
Dos meus dias
E desejos
Que enfrentei
Quando tu mais
Me fugias.

MAS DOU-TE BEIJOS
Escritos
Que se perdem
No caminho
E se o poema
Me falta
Fico ainda mais
Sozinho.

O BEIJO
É emoção,
É razão
Descontrolada,
Se não for dado
A tempo
Pouco mais
Será que nada.

SEM BEIJO
Não há amor,
Sem amor
Perde-se o beijo,
A vida perde 
Sentido
Se me faltar
O desejo
De na alma
Te beijar
Por assim te ter 
Perdido.

AQUI O LANÇO
Ao vento
Pra que atinja
Como brisa
E suave melodia
Esse rosto
Que precisa
De afecto
Em poesia.

ESSE BEIJO
Que me falta,
De que nunca
Fui capaz,
Voa pra ti 
Em palavras
Na sua forma
Mais pura
Para que
Em seu trajecto
Voe, voe
A grande altura...
.............
Que fantasmas
Não o bebam
Enquanto
Seu voo dura.

MAS SEI
Dos escolhos
Da via,
Dos perigos
Que ele corre,
Capturado
Por fantasmas
É mensagem
Que me morre.

NO DIA DO BEIJO
É hora
De te cantar
Em voz alta
A poética do amor
Pra me redimir
Dessa falta
Com palavras
De poeta
Desenhadas
Para ti
Com mestria
De pintor.

E PORQUE O DIA
É teu
Ganha força,
Intensidade,
Mesmo que fantasmas
O bebam
É um beijo
De verdade.

O BEIJO
Que não te dei
Foi pecado 
Original,
Hei-de sofrê-lo
Pra sempre
Como chaga
Corporal.

NÃO HÁ PALAVRAS
Que bastem
Pra repor
O que não dei,
Elas voam,
Mas não chegam,
E mesmo assim
Eu tentei.

É CERTO QUE SEMPRE
O quis,
Só que nunca
To roubei,
A culpa foi
Desse tempo,
Dos dias em que
Te amei,
Um tempo
Em diferido
Sem presente
Nem futuro,
Talvez beijo
Sem sentido
Porque queria
Do mais puro,
Tangendo eternidade
Às portas 
Do Paraíso,
Um beijo
De divindade,
Mas simples
Como um sorriso.

ESSE BEIJO
Impossível
Que não é do 
Foro humano
Vou tentando
Construí-lo
Cada dia,
Cada ano,
Perdendo-me
Pelo caminho
Como sagrado
Em profano.

O_Beijo060722Rec