Poesia-Pintura

PERFIL

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Silhueta”
Original de minha autoria.
Janeiro de 2022.
Jas_Camelia2022_6

“Silhueta”. Jas. 01-2022

POEMA – “PERFIL”

AS LINHAS
Do teu perfil
Tão singelas
Ao olhar
Lembram-me
A tua voz
Quando te
Ouvia falar.

POETA,
Logo pintava
Essa tua silhueta
Com um secreto
Pincel,
Os traços eram
Palavras
Desenhadas
A caneta
Na brancura
Do papel.

PALAVRAS
Leva-as
O vento
(Era o que eu
Te dizia),
Mas se ditas
Sobre ti
Por um poeta
Gentil
(E eu nunca te
Mentia)
Ficam gravadas
Na alma
Quando pinta
O teu perfil.

CRESCESTE
Como camélia,
Flor branca
Nas folhagens
Do Jardim,
E sempre que
Tu me olhas 
Iluminas
De alvura,
Brilho intenso,
Cintilante
Dessa imagem
Que perdura
Mesmo quando
Estás distante.

PORQUE VIVES
No Jardim
Em ciclo
De natureza
Regressas
Em cada ano
Para afastar
A tristeza.

DEPOIS PARTES,
Mas fica-me
O teu perfil
Que me fala
Ao olhar,
A ausência
Já não pesa
E as saudades
Esmorecem
Porque tenho
A certeza
Que um dia
Vais voltar.

Jas_Camelia2022_6Rec

Artigo

O LEGADO DE MAQUIAVEL

Por João de Almeida SantosAlthusser

NOS INTERVALOS DA LONGA LEITURA da “Guerra e Paz” (nunca a tinha lido), do grande Lev Tolstoi, fui lendo o livro de Louis Althusser “Maquiavel e Nós” (Lisboa, VS Editor, 2021, 167 pág.s), que não conhecia. O interesse, naturalmente, era Maquiavel e não tanto o pensamento do marxista estruturalista francês, que conheço muito bem. Havia também um interesse subordinado por António Gramsci, pela proximidade que, há muito, tenho com ele e sobre o qual, há muito, escrevi o livro “O Princípio da Hegemonia em Gramsci” (Lisboa, Vega, 1986) e vários outros ensaios. Razão: as suas interessantes reflexões sobre Maquiavel, ao ponto de terem dado origem a um seu volume intitulado precisamente “Note sul Machiavelli, sulla Politica e sullo Stato moderno” (Torino, Einaudi, 1949). As reflexões sobre o novo príncipe – que, para Gramsci, é o partido político – justificavam plenamente este minha expectativa. E até porque o pensamento de Althusser é muito, mas mesmo muito, influenciado por ele. E, todavia, as incursões no pensamento de Gramsci são, aqui, a propósito de Maquiavel, diminutas, ainda que sempre muito significativas.

As duas obras que servem de referência a esta análise de Althusser, são, como não podia deixar de ser, “O Príncipe” (1513) e os “Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio” (1513-1519).

I.

Se dúvidas houvesse sobre o papel de Maquiavel na fundação da moderna ciência política, a leitura deste livro resolvê-las-ia. Porque ele foi, sim, o primeiro a desenvolver a análise política do ponto de vista da “realtà effettuale”, abandonando definitivamente a imensa ganga ideológica em que sempre se ambientou a análise política anterior, muito em particular durante a Idade Média; e até, como diz Althusser, colocando a sua proposta na óptica de um começo sem compromissos com a realidade política vigente nessa Itália de que se ocupava. Uma reflexão que parte, pois, mais da experiência do que de pressupostos filosóficos ou teológicos. Na verdade, Maquiavel antecipou em muito a exigência de construir um Estado-Nação em Itália, o que, como se sabe, só viria a acontecer com o Risorgimento italiano, em 1861, no qual tiveram relevante influência personagens como Garibaldi, Cavour e Mazzini, decisivos para este importante período da história italiana. Althusser chama, e bem, a atenção para a posição de Hegel relativamente a Maquiavel e para a simetria de ambas as posições relativamente à construção do Estado-Nação, agora, num país que também só mais tarde, com Bismarck, várias décadas depois, se viria a concretizar, materializando-se, assim, na Alemanha, essa poderosa antecipação teórica do filósofo sobre o Estado representativo moderno (o II Reich, em 1871, com Guilherme I e Bismarck). Esta ideia de Estado-Nação em Maquiavel, três séculos antes, é, pois, o centro destas reflexões.

II.

Do que se trata, então, é da questão da construção do principado novo e da emergência do príncipe novo, a que acresce, depois, uma extensa análise sobre como este, em nome do Estado, se deve comportar (politicamente) e quais as condições para construir e conservar esse principado novo. Esta análise (mas também muitos outros aspectos) interessou-me porque veio juntar-se à análise que eu próprio tinha desenvolvido num capítulo do livro organizado por António Bento Maquiavel e o Maquiavelismo (Coimbra, Almedina, 2012), ou seja, no capítulo “Viagem pelas Releituras de Maquiavel”, mas também no meu livro “Os Intelectuais e o Poder” (Lisboa, Fenda, 1999), no pequeno subcapítulo sobre “Maquiavel, Frederico II e o Neomaquiavelismo”.

III.

Outro aspecto relevante, sempre muito discutido ao longo dos tempos, que merece justamente atenção particularizada de Althusser é o da relação entre a moral e a política, estabelecendo uma nítida distinção entre moral e virtù, ou seja, entre princípios morais e sabedoria ou competência política, separando-as precisamente para não contaminar, com comportamentos guiados pela moralidade, a eficácia política na gestão do poder. Ou seja, trata o poder do ponto de vista da sua concreta mecânica, independentemente do valor moral. Sabemos bem como esta separação lhe viria a merecer fortíssimas críticas e acusações, como, por exemplo, acontece no “Antimaquiavel” (1741), de Frederico II (Maquiavel, segundo ele, tem a “intenção de destruir os princípios de uma sã moral” e “o autor ignora até o ABC da justiça e conhece só o interesse e a violência” – veja-se Santos, 2013 e 1999).

Althusser, além disso, detém-se na análise das relações entre a “Fortuna” e a “Virtù” e o seu papel na construção e na conservação do principado novo, ou seja, quando ambas se conjugam virtuosamente, permitindo, assim, a instalação e a duração no tempo do governo do príncipe novo. O modelo de Maquiavel, se de modelo se pode falar, é Cesare Borgia, apesar de, a certo momento, a “Fortuna” o ter abandonado, fazendo fracassar o seu projecto e deixando, pois, de corresponder ao seu modelo: a harmonia entre o bafejo da “fortuna” e a Virtù do príncipe. Virtù que, como disse, não se confunde com rectidão moral, mas sim com capacidade e competência política na construção e no exercício do poder.

IV.

Já sobre os elementos que integram uma política virtuosa, ou seja, competente, o livro ocupa-se deles longamente (mas veja-se também Santos, 2012 e 2013), havendo que sublinhar que, para ele, a política nacional se deve apoiar sempre num exército próprio (nacional, em vez de mercenário ou estrangeiro), em leis, em astúcia e na busca permanente do consentimento popular, lá onde o príncipe deve ser virtuoso, ou seja, ser capaz de assumir, em função das necessidades, comportamentos (não pessoais, mas que visam exclusivamente a estabilidade do poder) independentes das exigências morais, exigindo-se-lhe até que seja, ao mesmo tempo, respeitado e temido. E até mesmo mais temido do que amado. Para Maquiavel, nenhum príncipe que se baseie somente na força (“in sul lione”) se poderá manter no poder, devendo, pelo contrário conjugar a força com a astúcia próprias do leão e da raposa. A palavra virtù, não no sentido moral, mas de capacidade política do príncipe, ou seja, de obediência a todos estes princípios na sua acção, é, pois, central em toda a análise, pois só ela pode garantir o sucesso na gestão do poder, desde que a fortuna não o abandone, como aconteceu com Cesare Borgia.

V.

Na verdade, Maquiavel partia de um pessimismo antropológico que derivava do seu profundo conhecimento da psicologia humana, considerando que a boa política está lá precisamente para responder às tendências e aos desvios que possam pôr em crise um eficaz exercício do poder, neste caso o principado novo, o Estado. Maquiavel integra-se, de facto, e aqui refiro a posição de Carl Schmitt, numa fileira de nomes do pessimismo antropológico que contribuíram de forma significativa para o desenvolvimento da teoria política: Hobbes, Fichte, De Maîstre, Hegel, entre outros.  Este pessimismo antropológico (embora aqui, curiosamente, fosse um pessimismo de género) está bem ilustrado na sua fábula “Il demonio che prese moglie”, quando Roderigo, o arquidiabo que visitou a terra para saber a verdade sobre as relações entre homem e mulher teve de regressar subitamente ao inferno quando temia, já em França, um inesperado encontro com  Onesta, a sua terrível e vaidosa ex-mulher. Uma visão também ela terrível do ser humano e em particular da mulher: melhor o inferno do que a vida terrena. Debrucei-me profundamente sobre este aspecto, o pessimismo antropológico, no meu ensaio “Da Carl Schmitt a Niccolò Machiavelli. La Politica o il Pessimismo Antropologico”, publicado num número especial sobre Maquiavel da Revista que dirigi durante oito anos, ResPublica (13, 2013, 43-61, acesso livre em http://cicpris.ulusofona.pt/pt/respublica/respublica-13/). Ora é precisamente este pessimismo antropológico, ou seja, o reconhecimento “effettuale” e analítico da natureza humana que o leva a formular os princípios e a mecânica a que todo o exercício do poder deve obedecer para obter sucesso na sua gestão.

VI.

A leitura de Maquiavel por Althusser é feita sobretudo ex parte populi, apesar de se concentrar no essencial sobre o príncipe, que até pode ser não nobre, mas simplesmente virtuoso. Esta ideia, que, de resto, defendo no ensaio sobre o pessimismo antropológico, resulta do facto de no centro do seu discurso estar a problemática da construção do Estado-Nação, só possível tendo como suporte central a ideia de povo-nação, e da consequente necessidade de o príncipe manter sempre o seu suporte. Mas também é verdade que este aspecto tem sido muito discutido, chegando-se a defender a ideia de que Maquiavel quis dar a conhecer ao povo a natureza do poder e o modo como ele era gerido ou mesmo promovendo um poder de natureza popular, sendo por isso criticado pelo seu amigo Francesco Guicciardini (Santos, 2013: 56). Ou seja, ainda que em “O Príncipe” ele diga que para se conhecer o príncipe tem de se ser povo e que para se conhecer o povo tem de se ser príncipe, numa dialéctica que parece reconhecer uma autêntica simetria de posições em relação ao poder, a interpretação de Althusser parece de facto sugerir que a sua posição seja de facto ex parte populi.  E isto porque o fio condutor da obra de Maquiavel e também deste livro de Althusser é precisamente essa ideia de que a Itália necessitava de superar as divisões de carácter feudal ou as ocupações estrangeiras de parte dos seus territórios criando um Estado-Nação que a unificasse, mas que não reproduzisse à escala nacional nenhuma das formas de governo até então existentes. De algum modo, Maquiavel antecipa os contratualistas, dando um palco político inédito à ideia de povo.  Daí que Althusser sublinhe, como central no pensamento de Maquiavel, essa ideia de começo.

VII.

Vale mesmo a pena ler este livro porque ajuda a melhor compreender essas duas obras fantásticas de um autor imortal que têm por título “O Príncipe” e “Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio”, esta última escrita durante anos, desde o ano em que escreveu o primeiro (1513) até 1519.

VIII.

Parabéns, pois, ao Vasco Santos, não só por esta sua iniciativa editorial, mas também, como sempre acontece com as suas publicações, já desde o tempo da Fenda, pela qualidade estética da obra publicada. #Jas@12-2021.

Althusser2

Poesia-Pintura

PARTIR
Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Melancolia”.
Original de minha autoria.
Dezembro de 2021.
Melancolia2021_Pub

“Melancolia”. Jas. 12-2021

POEMA – “PARTIR”

ESTOU SEMPRE
A partir

Do mesmo lugar
Onde nunca estou,
Por isso não sei
O que te dizer
Ou então segrede
Para onde vou...

JÁ NÃO SEI
Onde estou
Nem quero
Partir,
Não tenho
Lugar
De onde sair
Porque nem
Cheguei

A ver-te
Entrar
Onde já
Não vou.

TU FOSTE
Pra onde,
Que eu já 
Não te vejo?
Tenho os olhos
Baços de tanto
Chorar,
Gastou-se

O meu rosto
De tanto

Te olhar,
Mas tu não
Me vês.
Sempre desencontro
Na rua perdida...
............
E não somos
Três!

NÃO HÁ TEMPO
E não há lugar
Para onde

Eu possa ir
Porque já nem sei
Como cá ficar
Ou como partir.

TU FOSTE
Pra onde?
Não sei

Onde estás.
Só de te sonhar
Eu serei capaz,
Mas perdi

Teu rosto,

Só há neblina
Neste sonho meu,
É fumo espesso
Pra cá da cortina
Deste teatro
Que a vida me deu...
................
E esta tristeza

A que me destina.

NEM ASSIM POSSO
Sonhar-te
Porque já perdi
A intensa cor
Desse teu olhar
Por onde
Entravam
As minhas
Palavras

Para te cantar.

NÃO SEI
Onde estás

Nem posso
Chamar,

Dizer o teu nome
Com delicadeza
Pra te soletrar.

PARTISTE DE VEZ
Pra outro lugar
Que não sei
Dizer
Nem sei
Desenhar,
Fogem-me

As palavras,
Tenteia-me a rima,
Procuro cantar
Mas já não consigo,
Perdi o teu rasto
E o teu abrigo.

NEM SEI
Se me ouves

Lá onde

Te encontras

Em busca

Dos sonhos

Que te desenhaste
Em tinta-da-china...
..................
Onde te encontrei
Para te cantar
Com a melhor rima.

MAS TU FOSTE EMBORA
E a minha alma
Logo entristeceu
E por isso chora,
Mas esse que tu 
Já perdeste
Serei sempre eu.

TU FOSTE PRA ONDE,
Mulher dos meus
Sonhos?

Fugiste de mim
,
Disseste que sim,
Foste na maré
Revolta nas ondas
Que dão vida
Ao mar
Onde te espraias
Cada amanhecer
Sem nunca parar
Em todos os dias
Desse teu viver.

TU FOSTE PRA ONDE
Na hora sombria
Desse entardecer?

Artigo

MAIS DO MESMO

Sobre as Eleições 
Legislativas de 2022

Por João de Almeida Santos

Ballot box

“Democracia”. Jas. 12-2021

POR QUE RAZÃO ESCOLHI este título para um artigo desta natureza? Pela simples razão de que mais uma vez estamos a assistir a um ritual que politicamente nada tem de inovador, apesar das transformações que as sociedades têm vindo a conhecer e que mereceriam uma sua interpretação e conversão política. Por exemplo, a sociedade em rede, a fragmentação do sistema de partidos ou a transformação profunda da identidade da cidadania, não mais redutível à ideia politicamente agregadora de “sentimento de pertença”. As eleições são, por isso, um excelente momento para reflectir sobre o processo de reconstituição do poder, a renovação do contrato social entre a cidadania e as elites políticas. Excelente, porque se tratará de verificar como funciona, a montante, este processo, ou seja, a selecção dos candidatos a representantes por parte dos partidos, detentores do monopólio da representação política no órgão legislativo, sendo certo que, no nosso caso, a máquina que executa esta selecção fica constituída aquando da eleição das estruturas partidárias, desde o nível concelhio até ao Presidente ou ao Secretário-Geral do partido. Daqui a enorme relevância do funcionamento interno dos partidos: a democracia interna, a competência, a eficácia, o compromisso programático, a ética da convicção, a ética da responsabilidade e, finalmente, o compromisso com a ética pública. E eu creio que, por isso, este é um dos aspectos mais relevantes de todo o processo democrático.

I.

ESTA ANÁLISE é, de facto, importante, quando se verifica que inúmeros deputados nem sequer conhecem a natureza do respectivo mandato: Ouve-se-lhes, com demasiada frequência, dizer que são os representantes e os defensores dos círculos eleitorais por onde são eleitos. Bastaria que lessem o n. 2 do art. 152 da CPR, para verem que não é assim: “2. Os Deputados representam todo o país e não os círculos por que são eleitos”. Coisa, de resto, muito antiga: “Article 7. – Les représentants nommés dans les départements, ne seront pas représentants d’un département particulier, mais de la Nation entière, et il ne pourra leur être donné aucun mandat”. Isto já se podia ler na Constituição francesa de 1791, no art. 7, da Secção III, do Cap. I, do Título III (itálico meu). E ainda acrescento o seguinte: os deputados – e são eles que são eleitos, não os partidos (que detêm o monopólio da propositura, sim, mas não lhes podem revogar o mandato) nem os programas – não levam consigo um qualquer “caderno de encargos” (programa eleitoral), mas tão-só a sua consciência. Também isto parece ser algo que muitos deputados desconhecem. Na verdade, o programa eleitoral é tão-só um dos elementos (que acresce ao “rosto” e à declaração de princípios) que ajudará o cidadão a escolher os seus representantes. Ou seja, temos um problema de literacia política mesmo a este nível.

II.

VEJAMOS AGORA a questão da selecção dos candidatos, que habitualmente fica esquecida ou oculta nas análises políticas, como se fosse algo de importância subalterna ou de insindicável poder decisional dos partidos. E não é. Pelas razões que exponho.

O que se passa, então? Os candidatos a deputados no sistema partidário português não estão, em geral, sujeitos a primárias, sendo certo que os partidos também não adoptam esta prática nas suas eleições internas. Exceptuou-se, no caso do PS, a eleição do actual Secretário-Geral do PS, António Costa, que, curiosamente, é adversário das primárias. E nem sequer as primárias que a direcção de António José Seguro introduziu no PS para a eleição das estruturas dirigentes eram verdadeiramente primárias (sequer internas) pelas drásticas exigências orgânicas que o regulamento impunha a todos os que pretendiam ser candidatos. Na verdade, a selecção dos candidatos é feita, de um modo ou de outro, e como disse, por estruturas já eleitas. Em caso nenhum (relevante e ao contrário do que acontece por essa Europa fora) cidadãos sem cartão partidário são chamados a participar no processo de selecção quer dos dirigentes partidários quer dos candidatos a eleições, sejam elas autárquicas ou legislativas. Numa palavra, não são chamados a participar no processo de produção de uma oferta política que decorre em regime de monopólio do sistema de partidos, no caso das legislativas, prevalecendo, como se sabe, e como lógicas dominantes, a de “nomeação” e a das bolsas de quotas. Casos há de dirigentes que venceram sempre as eleições internas, mas que, quando se apresentaram ao eleitorado (por exemplos em autárquicas) acabaram por perder sempre as eleições. A oferta política não decorre da procura (e de certo modo as primárias abertas é isso que traduzem), mas da identidade ideológica que define os partidos e de critérios orgânicos puramente internos. Isto foi o que sempre aconteceu, enquanto a ideia de “sentimento de pertença” era absolutamente dominante e as ideologias políticas tinham eram expressivas. Mas a verdade é que o mundo mudou e se não é desejável um sistema de partidos configurado exclusivamente à medida do marketing político, também já não é possível manter os partidos como polarizadores exclusivos do “sentimento de pertença”. Entre uma coisa e a outra o que verificamos é que as máquinas partidárias se têm vindo a reproduzir cada vez mais, por um lado, como sistemas fechados animados por pulsões endogâmicas e, por outro, ancorados nas várias instituições do Estado, que lhes garantem a sustentabilidade e a reprodução. Ou seja, o sistema de partidos está mais ancorado no corpo do Estado representativo do que na sociedade civil. E esta é uma tendência transversal no sistema de partidos. A cidadania muda, mas os partidos continuam a aninhar-se cada vez mais no corpo do Estado como condição da sua sobrevivência e da sua reprodutibilidade.

III.

POR OUTRO LADO, o sistema eleitoral que temos, o proporcional, também não ajuda ao aperfeiçoamento do processo de selecção dos candidatos, uma vez que ele funciona com listas fechadas cobertas e sobredeterminadas pela sigla partidária, ou de coligação eleitoral, sofrendo ainda um efeito de arrastamento polarizado pela personalização extrema da liderança e pelas amplas escolhas directas e indirectas do poder partidário central e do aparelho, em circuito fechado.

IV.

SABENDO-SE que a) uma parte consistente dos candidatos é escolhida directamente pelos órgão nacionais, sendo também certo que mesmo onde a selecção recai sobre as estruturas locais (concelhias ou distritais) a influência da direcção nacional é muitas vezes exercida com pouco respeito pela autonomia destas estruturas; e que b) a parte restante é decidida pelo aparelho que foi legitimado por eleições internas sem intervenção da cidadania e determinada em grande parte pelas bolsas de quotas, no fim,  c) a constituição das listas de candidatos, e tendo em conta o histórico das eleições anteriores, equivale à decisão da sua eleição efectiva como representantes (dependendo naturalmente do lugar que ocupam na lista), acontecendo que, por isso mesmo, é nesta fase prévia que os futuros candidatos concentram mais os seus esforços (entrar em lugares elegíveis), chegando à competição eleitoral com a sua eleição estatisticamente garantida. No essencial é isto que se passa, até pela natureza do próprio sistema eleitoral.

V.

TENHO BEM CONSCIÊNCIA de que nestas eleições havia muito pouco tempo para lançar procedimentos mais rigorosos e fiáveis na escolha dos candidatos. Mas também sei que, mesmo que houvesse mais tempo, isso também não aconteceria.

VI.

OU SEJA, temos dois momentos prévios às competições eleitorais que não ajudam à boa escolha nem à responsabilização política individual dos candidatos e de quem os escolheu. Com a cobertura da sigla, com as inúmeras “nomeações” de candidatos e com a extrema personalização da política na figura do líder o processo deixa muito a desejar. O voto perde importância e os candidatos pouco ou nada já têm que mostrar e demonstrar ao eleitorado. O essencial da escolha fica feito antes das eleições. Se, depois, lhe acrescentarmos o efeito das sondagens, que, por sua vez, já antecipam os resultados antes do voto, sobrará muito pouco ao cidadão para decidir. A decisão acabará por ter o sabor de uma simples confirmação do que foi antecipado pelas escolhas e, depois, pelas sondagens. Na verdade, nem o processo interno de selecção nem o sistema eleitoral ajudam a uma maior responsabilização dos candidatos, como aconteceria, por exemplo, com primárias e com um sistema maioritário em círculos uninominais.

VII.

PODERIA DAR abundantes exemplos de escolhas sem grande sentido e exemplares dessa prática tão habitual que se designa por endogamia, desde a insistência em repropor (“nomear”) insistentemente candidatos que andam por lá há décadas (alguns há mais de 30 anos no interior da bolha) e que resistem à renovação das listas até escolhas por razões de mera fidelidade serviçal ao líder do momento ou, embora com medíocres prestações governativas, por terem passado pelos governos como resultado de escolhas pessoais do líder, enquanto primeiro-ministro, ou, ainda, em incluir sistematicamente candidatos que não sabem o que é ganhar a vida cá fora, na sociedade civil, porque sempre viveram no interior da bolha partidária, ou, por fim, candidatos filhos das bolsas de quotas partidárias. Poderia, mas não o faço, por pudor.

VIII.

O QUE É CERTO é que o conjunto desta mecânica gera más escolhas, produz endogamia progressiva e afastamento da cidadania e, sobretudo, degrada o processo democrático, induzindo indesejáveis rupturas. De um lado, um sistema de partidos a funcionar em circuito fechado, do outro, uma sociedade civil já a funcionar em rede e dotada de TICs. A velha ideia de “sentimento de pertença” está superada na sua exclusividade, exigindo-se aos partidos mais do que a promoção da crença dos seus valores. Por outro lado, a ideia de hegemonia, no seu sentido mais amplo, parece ter desaparecido do horizonte do sistema de partidos. E, de facto, se procurarmos as estruturas internas que poderiam desenvolver esta ideia não as encontraremos, para além de simples nomes ou de meras intenções. O que se vê, pelo contrário, é o domínio total dos exercícios tácticos para chegar ao poder (ou aos poderes) ou para o conservar e a preocupação em ter boa presença televisiva, na imprensa e nas redes sociais e um bom marketing político. Mas, como alguém disse, esgotar o uso do poder com o único objectivo de o conservar é uma pobre ideia e um lamentável desperdício político.

IX.

QUESTÃO IMPORTANTE é também, e pelas razões já expostas, o da limitação dos mandatos: se ela existe para a Presidência da República e para o poder local por que razão não há-de haver para o Parlamento? Este importante órgão institucional é o lugar a partir do qual a lógica endogâmica melhor se afirma e reproduz, com perda de contacto com a sociedade civil, havendo mesmo casos em que nunca houve esse contacto, essa experiência, por exemplo, em personagens que transitaram das juventudes partidárias directamente para o Parlamento. Nem teoria nem prática. Apenas pertença orgânica e circuitos internos que permitem pontos de fuga institucionais a partir dos quais se consolidam estatutos e se reproduz de forma quase sistémica a classe dirigente. O que não é certamente bom para a saúde da democracia representativa. A representação política não pode transformar-se em profissão sob pena de deixar de o ser, tornando-se auto-representação, onde é a ideia de interesse (pessoal) que ocupa o centro do comportamento político. Assistimos até a uma espécie de desdobramento de personalidade com deputados (e até ministros) a colocarem-se na opinião pública como críticos de um sistema onde estão metidos até ao pescoço. Pura representação cenográfica. Não será muito difícil descobrir exemplos.

X.

MUITO MUDARAM AS SOCIEDADES, mas a verdade é que os partidos políticos não acompanharam as mudanças. E é aqui que reside, em parte, o sucesso dos populismos, de esquerda ou de direita, mas sobretudo de direita. E é aqui que residem as elevadas taxas de abstenção eleitoral e a progressiva fragmentação do espectro partidário. E é também aqui que reside a redução da cultura política a uma mera cultura de “management” sem alma e pendurada nas culturas de marketing, mesmo que seja desse marketing 4.0 que o senhor Philip Kotler já nos propôs.

XI.

BEM SEI que estas eleições, até pelo seu carácter inesperado, não poderiam dar lugar a uma profunda reforma de procedimentos e de práticas. Mas o momento em que acontecem é sempre uma boa ocasião para reflectir sobre o que nelas está em causa, esperando que, algum dia, os partidos, indispensáveis à representação política, possam metabolizar politicamente as profundas transformações que estão a acontecer nas sociedades actuais, se não quiserem tornar-se dispensáveis, dando lugar a regimes autoritários de má memória. Como dizia Norberto, a democracia é um processo tão delicado que até se pode avariar ao mínimo sobressalto. Cuidemos, portanto, dela, porque só assim poderemos cuidar bem de nós próprios.

Ballot box

Poesia-Pintura

OLHAR

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Teu Olhar”.
Original de minha autoria
para este poema.
Dezembro de 2021.
OlharPublicado_12_21luz

“Teu Olhar”. Jas. 12-2021

POEMA: “OLHAR”

QUE ME DIZES,
Quando olhas
De través
E procuras
Ver em mim
O que tu lês
Nas marés?

NO SILÊNCIO
Do meu canto,
Sinto poder
No teu olhar,
Fascinam-me
Esses teus olhos
Porque me sabem
A mar.

NÃO É AZUL
Sua cor,
Mas de sol
Que ilumina,
Olhas pra mim,
Meu amor,
Quando navego
À bolina.

ÉS SEREIA
No meu mar,
Vou-te ouvindo
Em sinfonia
De cor
Com música
Da minha
Pauta
Mas que tem
O teu sabor.

QUE PROCURAM
Os teus olhos?
Ler nos meus
Desejo
De navegar?
Mas eu vivo
Neste cais
De partidas
E chegadas
Para contigo
Embarcar...

TEUS OLHOS
Verdes
Fascinam,
A tua boca
Seduz...
..........
E eu,
Pobre
Poeta de Outono,
Na mais pura
Contraluz
Que me acende
O olhar
E a teu barco
Me conduz.

OLHAS-ME,
Então,
Inquieta,
Ergo-me
À tua frente,
É fascínio
O que sinto
E por isso
Eu te digo
Que o olhar
Nunca me mente
Seja de bênção
Ou castigo.

QUE ME DIZEM
Os teus olhos?
OlharPublicado_12_21luzRec

“Teu Olhar”. Jas. 12-2021

Artigo

UMA VIAGEM IMAGINÁRIA 
DA PRAIA DA MEIA-LUA
À CASA DAS HISTÓRIAS

Em Dez Andamentos

Por João de Almeida Santos

Pavao012021_2

“Azul no Parque”. Jas. 12-2021

I. 

PARA PINTAR um lugar que me inspira, imaginei uma curta viagem a partir da Azarujinha, a praia da meia-lua, talvez a mais íntima das praias portuguesas, acompanhado de uma mulher-neblina de olhos turquesa, até à “Casa das Histórias”, lugar sempre associado a esses estranhos e disformes corpos, sobretudo femininos, que povoam o imaginário de quem, por imperativos estéticos, o visita, ali em frente do Parque e da casa dos pavões, em Cascais. Uma estranha viagem pela linha do horizonte sobre um arco-íris preguiçoso, derreado pelo peso do sal nas gotículas do seu corpo, que pousa espraiado no mar, abraçando, num longo semi-círculo, a praia da meia-lua e a casa das histórias e tendo consigo, no regaço, azul, muito azul, murmurejos, areia alva e fina e silhuetas de figuras que se diluem na neblina matinal do oceano e no perfume a maresia.

II.

Uma viagem curta entre a terra e o mar sobre arco-íris e ao alcance de um rápido olhar que o percorra de um lugar ao outro sob o murmúrio cadenciado das ondas em mar sereno e um azul que brilha sob os raios de luz que o sol ou a lua projectam, indicando-lhe o caminho, em direcção ao génio da arte que habita aquela casa. Porque o génio se recolheu, pensativo, na casa das histórias, transfigurando-se em esculturas disformes e grotescas, sobretudo de mulheres, que parece contrastarem a beleza dos corpos lisos, bronzeados e esculpidos pelo sol e pela água do mar, mesmo ali ao lado, nessa imensidão líquida que nos beija insistentemente o olhar com o seu azul murmurejante… E que contraste, meu Deus!

III.

Ali perto, em frente, antes do choque pela contemplação dos estranhos, disformes e grotescos corpos que já nos fizeram esquecer as esculturas bronzeadas e vivas da praia, o grito de um pavão de plumagem multicolor, um caleidoscópio em tons de turquesa intensa ou azul petróleo, verde vivo e textura cromática mista, tigrada, que faz ponte entre o colo e a cauda de surpreendente beleza, mesmo quando não aberta em leque, em pose deslumbrantemente erótica. Na sua lentidão narcísica, o vaidoso e exuberante personagem faz questão de, sempre em pose, anunciar, com o grito e a sua fascinante presença, a arte que se oferece do outro lado da rua.

IV.

Viajo para lá com a fantasia, ainda meio aturdido pela intensa energia do mar e do sol que, na viagem, dispara sobre a minha pele, os meus sentidos, e penso numa mulher, dissimulada em riscos e ondulações cromáticas, voando baixinho desde as rochas agrestes e o azul líquido do mar da Azarujinha para o ocre liso da casa e das chaminés sempre anunciado pelo grito do pavão vizinho.

V.

Quem sabe se essa mulher não é, afinal, uma das que dançam ali na praia, ao luar, num espaço imaginário entre a Azarujinha e a Poça, sob os auspícios do velho e abandonado Forte da Cadaveira, lá no alto a apontar a lua-cheia que dá luz ao baile da meia-lua numa noite de luar. Sozinha, sem par, aprumada, escapuliu-se, agarrando-se, já pela manhã, a uma ténue linha que atravessava, discreta, o azul-marinho do céu, e foi pousar na ponta do pincel mágico da dona da casa, uma senhora de nome Paula, para ali ficar aninhada, sob o som estridente do grito anunciador desse pavão timorato que nunca ousa atravessar a rua para não ficar embalsamado no interior de uma moldura, podendo sair dela já só como fantasma.

O Baile1988Tate.jpg

“O Baile”. Paula Rego. 1988. Tate.

VI.

Mas o contrário também pode acontecer. Os da dança fugirem, como fantasmas, da casa das histórias e irem dançar sob o Forte da Cadaveira, numa noite de luar. Fartos da frieza da casa e da moldura que lhes servia de apartamento, foram animar a praia, tão triste desde que falhados estrategas mandaram o velho Bino para o Campo Santo, fazer tijolo, deixando ao abandono e com lágrimas salgadas essa meia-lua da sua vida.

VII.

Só regressaram pela madrugada e o pavão do parque deu conta, assinalando, com o grito, a chegada das figuras do baile à casa das histórias. E, solene, logo levantou a plumagem da cauda em honra dos vizinhos, acrescentando cor à cor dos bonecos animados sob a forma de fantasmas iluminados pela lua ou pelo sol e levados pela melodia sedutora desse mar tão caseiro que beija a praia da Azarujinha.

VIII.

Que tráfego este! Voa-se na neblina, em silêncio, da praia da meia-lua para as chaminés ocres da casa, reentrando nela como se fosse Natal. Mas a viagem preferida é a que fazem pé-ante-pé, caminhado sobre aquele arco-íris preguiçoso que está espraiado sobre o mar, passando pela linha do horizonte e indo apoiar-se no reduto mais íntimo do Paredão para, depois, já no regresso, se aninharem nesse reduto ainda mais íntimo da casa das histórias. Errâncias de arte viva.

IX.

A cor é a âncora do tráfego, da pedra para o tijolo, da meia-lua para as chaminés, do azul para o ocre – e vice-versa – sobre as sete cores do preguiçoso arco-íris que faz do mar a sua cama enquanto houver neblina. Animação na casa e baile na praia da meia-lua. É um dia de festa, assinalado pelo grito do pavão e pela girândola de cores, com a turquesa a abrir caminho, que brota da cauda em leque desse especioso e feliz porteiro da casa das histórias.

X.

A vida é um baile ou é um sonho? Bom, bom é ser as duas coisas. Dançar em sonho e sonhar dançando, desde que o percurso seja feito sobre o caleidoscópico arco-íris como percurso possível para uma visita aos lugares onde habita o belo.

Pavao012021_Recorte

Poesia-Pintura

VER

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “O Colibri”.
Original de minha autoria.
Dezembro de 2021.
Colibri2021

“O Colibri”. Jas. 12-2021

POEMA – “VER”

QUANDO TE VEJO,
Vejo-te a cores,
Sinto aromas,
Provo sabores
Na fantasia
E vejo traços
E vejo riscos
E tantas fugas
Prò infinito
Nos sete céus
Dessa magia
E eu respondo
Sobre o que
Sinto
Se me perguntas...
...........
- Epifania!

AO LONGE,
O horizonte
Desses teus riscos,
Aqui ao perto
Uma ponte
Desenhada
Que me leva
Ao pé de ti
E se o rio
Transbordar
Sei que te alcanço
Voando
Num colibri.

QUANDO TE VEJO,
Eu vejo ruas
E vejo praças
E catedrais,
Vejo desenhos
Na tua mão,
Vejo vitrais
E vejo sóis
Em refracção.

VEJO O TEU ROSTO,
Vejo-te a ti,
Sentir-te perto
Era o desejo
Nesses poemas
Que escrevi,
Ver o teu céu
Azul profundo
Pra onde voa
O colibri.

VEJO MONTANHAS
E vejo cores,
Eu vejo casas
E vejo amores
Por esses vales
E esses rios
Por onde corre
O fio d’água
Com que regas
O teu jardim
Pra nele nascerem
Os meus poemas
E ter-te sempre
Perto de mim.

SINTO NO AR
O teu perfume,
Cabelos negros
A esvoaçar
E sinto o vento
Nesse teu rosto
E altas ondas
No nosso mar
Mesmo que venhas
Só ao sol-posto
Com os teus barcos
A navegar
Nessas águas
Cristalinas
Onde se perde
O meu olhar.

EU VEJO TELAS,
Os teus pincéis,
Doce pintora,
Vejo a tinta
Na tua mão,
Vejo-te a ti
Tão concentrada
Nesses desenhos
Em construção
A pintar
Um colibri.

VEJO QUADROS
E vejo letras,
Nessa pintura
Vejo sinais
Para eu ler,
Vejo-te a ti
Neste pontão
Do nosso cais
E sou feliz
De assim te ver.
Isso me basta.
Não quero mais.

EU VEJO TUDO,
Eu vejo,
Mas faz-me falta
O teu sorriso.
Nada mais quero
Como desejo
Pois é só disso
Que eu preciso.

Colibri2021Rec

Poesia-Pintura

LUZ

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “O Arbusto”.
Original de minha autoria.
Dezembro de 2021.

Licht5

“O Arbusto”. Jas. 12-2021

POEMA – “LUZ”

LUZ DO CÉU,
Tanta luz
Descia por uma
Fresta
No coração
Do arbusto,
Raio
Na escuridão
Que caíra
No poeta
Como noite
No jardim.

LUZ, MAIS LUZ,
Era o que sempre
Pedia,
Era luz que lhe
Faltava
Quando ela
Esmorecia
No seu olhar
Já cansado.

MAS ELA CHEGOU
Sob forma de poema
E  desenho
Esboçado,
Cores quentes e
Traços
Ao infinito,
Palavras
Murmurejadas,
Num movimento
Sem fim
Até a luz 
Se apagar
No arbusto
Do jardim.

LUZ, MAIS LUZ,
Insistia o poeta
Ao entardecer
De um dia
Quando a luz
Esmoreceu
E, com ela,
Também ele já
Se perdia.

ERA VIDA
Que findava,
Tempo
De despedida
Que cedo demais
Lhe chegava
E obrigava
À partida...

E A LUZ
Reavivou
Nas cores
E nas palavras
Que lhe saíam
Do peito
E do fundo
Da memória
Pra recriar
A preceito
Tudo aquilo
Que sobrou
De uma paixão
Sem glória.

SÃO POEMAS
Que lhe canta,
São cores,
São riscos
Com que desenha
A alma,
São sons
Dessas palavras
Com que
Escuta o seu
Silêncio,
É pauta de melodia
Que da tristeza
O resgata
Como secreta
Alquimia.

É ASSIM QUE
A luz
Regressa,
O arbusto
Ilumina
E sua alma
Tempera
Como harpa
Em surdina.

VOLTA, POIS,
Ao dia em que
Tudo começou,
Tropeça na
 Luz intensa,
Alumia a sua
Alma
E põe um fim
À tristeza
Dessa perda
Capital,
Descobrindo
Nos poemas
Remédio
Para o seu mal.

Licht5R