Poesia-Pintura

NÃO SEI SE TE CHEGAM

AS PALAVRAS…

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “O Jardim das Palavras”.
Original de minha autoria para este
Poema. Dezembro de 2019.
JardimDasPalavrasFinal2812

“O Jardim das Palavras”. Jas. 12-2019

POEMA – “NÃO SEI SE TE CHEGAM AS PALAVRAS…”

NÃO SEI SE TE CHEGAM
As palavras
E, se chegam,
Se te tocam.
Não sei se
As arrumas
Nas gavetas
Da rotina
Ou as deitas
Nos desperdícios
Da vida...

TALVEZ NEM CHEGUEM.
Não sei.
É esta a beleza
Da minha invocação.
Canto-te
Sem saber se te
Chegam as letras 
Com que vou desatando
A sufocada
Afeição
Ou se o vento
As leva
Pra lugares
De poética
Virtude,
Resgate
Desta minha 
Solidão...

TALVEZ NÃO INTERESSE
Saber se chegam
Ao destino.
O que m’importa
É dar forma
À melancolia 
Do meu desejo de ti
Como se fosse
O primeiro dia 
Em que, fora do poema,
Eu logo te pressenti.

É POR ISSO QUE SÃO
Palavras pintadas
Com as cores
Do meu jardim,
Porque na beleza
Das palavras
E da cor
Se cristaliza,
Da vida,
O amor
E, da falta de ti,
Se decanta
A minha dor.

SIM, ÉS TU
Que me moves,
Me inspiras
E induzes perfeição.
Sem ti
Seria arte estranha,
Simples adorno,
Jogo de formas,
Um canto
De diversão.

O POEMA É 
Uma forma de socorro,
É magia
Que invoca o teu
Rosto
Perdido nas 
Nas brumas 
Da memória e
Coberto pelo
Silêncio
Do que nunca
Me dirás.

NADA A FAZER.
Com arte
Te quero seduzir
E eleger.
Não te chegam,
As palavras?
Só importa
A ideia
Que tenho de ti
E a poesia
Que decanta 
A minha vida
Pra te ter
Por companhia
Nesta longa
Despedida.

MAS À ARTE
Respondes
Com o silêncio 
E o mistério
Pra não quebrares
O encanto
Que faz de ti
Galeria 
Do que em arte
Eu senti
Em forma de poesia.

ESTRANHAS SAUDADES
Virão
Quando o estro
Me faltar
E à Torre
De Montaigne
Subir como refém...
............
Dela nunca
Sairei
Para novo
Desencontro
Lá para os lados
De Belém...
JardimDasPalavrasFinal2812Recor

“O Jardim das Palavras”. Detalhe.

Poesia-Pintura

“PRESSENTIMENTO”

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Travessia”.
Original de minha autoria
para este poema.
Dezembro, 2019.
Jas_Silhueta3

“Travessia”. Jas. 12-2019.

POEMA – “PRESSENTIMENTO”

MAIS UMA VEZ,
Ao entardecer,
Te pressenti,
Numa rua de Lisboa.
E não te vi.

AH, ESTA LISBOA 
Que amas!
Uma fria silhueta,
A travessia.
Um homem
Perdido em memórias
Que esfumam
No tempo
E deixam
A alma vazia.

DEUS EX MACHINA
Que desce sobre mim
No caos
Em que a vida
Se tornou,
Nos afectos
E na dor...
............
A invocar
As origens 
Do amor.

CAÍSTE-ME
NUMA ENCRUZILHADA
Improvável
Quando vinha
Da imensa planície
Onde os deuses
Se anunciam
No horizonte...

UM SÚBITO CLARÃO,
Um sobressalto...
 Estremeci.
Irrompeste,
Intempestiva,
Das brumas
Da memória...
...........
Mas apenas 
Te pressenti!

APROXIMEI-ME
Do teu mundo,
Sem saber?
Foi o destino,
Adormecido
Que estava
De nunca, 
Mas nunca 
Te ver.

ESTRANHOS
DESENCONTROS
Que desabam
Sobre nós
Com o destino
A comandar
No labirinto
Insondável
Das nossas vidas...

SILHUETA FUGIDIA,
É o que és,
Afinal,
Porque tudo é plano,
Demasiadamente
Plano, em ti.

VI UM NÚMERO,
A única certeza
Que tenho,
A janela
De onde te vislumbrei,
Mas incerto
Como todos
Os números
Deste mundo.
Incerto, sim,
Porque tu
Não és número
Que me dê
Certezas,
Para além da dor.
És mais quatro
Do que sete,
Meu amor!

OU TALVEZ TENHA SIDO
A minha fértil
Imaginação
Já um pouco doentia
A cruzar-se contigo
Num lance de
Pura magia.

MAS NEM SEI
Se é por ali
Que tu andas,
Porque de ti 
Nada sei,
Só o que me sobrou
Daquele tempo
E do tempo que criei
Para nunca te perder
Naquela história
Onde te conto
Longamente
Para em ti renascer.

QUE ESTRANHOS
Lugares de
Desencontro,
No meio da multidão!
Um instante,
Ambiente ruidoso
E improvável,
O regresso a ti,
Cada vez mais
Imaterial
Na película subtil
E transparente
Da memória...
Simulacro irreal.

AH, COMO NO FIM
Deste poema
Sofro a falta
De uns olhos verdes
A cobrirem-me a alma
De ternura,
Mas nem o sol
Se descobre
Para os acender
E me inundarem
De beleza
Da mais pura!
Jas_Silhueta3Recort

“Travessia”. Detalhe.

Poesia-Pintura

“O POETA-PINTOR”

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Amanhecer”.
Original de minha autoria
para este poema.
Dezembro de 2019.
MulherNaJanela151219Final

“Amanhecer”. Jas. 12-2019.

POEMA – “O POETA-PINTOR”

O POETA BRINCAVA
Com suas palavras,
Cantava-te sempre
Quando não estavas...

ERA UM POETA,
Era fingidor,
Não te desenhava,
Cantava-te
A cor.

E AS SUAS CORES
Eram só poemas,
Fazia pincel
Da sua caneta,
Enquanto poeta
As letras riscava,
Mas a sua tinta
Já não era preta...
................
Escolheu a cor,
Pintou a palavra.

POR ISSO COMPROU
Um belo pincel
E como pintor
Pintava, pintava,
Era a granel
E a sua tela
Que ele adorava
Já não era só
O velho papel.

DESCOBRIU A COR,
Que o fascinou:
Dourado, vermelho
E tanto amarelo.
Tudo ele pintou,
Procurando sempre
O que era belo.

ATÉ QUE O ENCONTROU
Na cor dos
Teus olhos,
Era luz da pura
Que iluminava
O novo papel
Onde desenhou
O teu fino rosto
Com o seu pincel.

DEU CORPO À COR
Com que te dizia,
As suas palavras
Tornaram-se riscos...
......................
Mais que poesia.

PINTAVA-TE ASSIM.
Os poemas
Já não lhe chegavam,
Pintor de palavras
De cor as compunha
E versos voavam
No azul do céu...
.....................
“E o que tu fazias
Faço agora eu”,
Dissera-te um dia,
“Porque sou poeta
Mas também pintor.
Deixaste-me só,
Entregue à palavra
E, eu,
Tão pobre de ti,
Pintei-me de dor".

"MAS EU FAÇO DELA
O meu arco-íris
Pra subir ao céu
A ver se t’encontro
Atrás duma cor
Pintando o teu rosto
Para um poema
Que vou escrever
Com todas as cores
Que trago comigo
Enquanto viver”.

O POETA BRINCAVA
Mas era tão séria
Essa brincadeira!
Perdido em palavras,
Encontrou a cor
E nos seus poemas
Dela fez bandeira.
MulherNaJanela151219FinalR

“Amanhecer”. Detalhe.

Poesia-Pintura

NÃO DOBRES A ESQUINA…

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Variações”. 
Original de minha autoria.
Dezembro de 2019.
Jas_Nãodobresaesquina

“Variações”. Jas. 12-2019

POEMA – “NÃO DOBRES A ESQUINA…”

AH, ACREDITA,
Já nem sei
Quantos fazes...
................
A ti conto-te
E canto-te
Ao minuto
De tão rápido ser
O dobrar da
Esquina,
O regresso
Fatal
Ao lugar
De onde nunca
Sais,
Desde menina...

UM DIA DISSE
(Lembras-te?):
“ - Esquece a infância,
Pára e ouve
O silêncio
Que espreita
Para te desvendar
O mistério da
Vida!
Dir-te-á:
Nunca regresses
Ao sítio onde já
Não estás.”

MAS TU NUNCA
PÁRAS,
Na louca correria
Para fora de ti
(Os lugares do costume)
Em busca do
Esquecimento
Reparador...

E EU A OLHAR
Para o tempo
Quando o tempo
Já é pouco
E a saber que
Te hei-de sempre
Reinventar
Com os fios 
Soltos 
Da memória...

MAS O DIA
Em que renovas
O contrato
Contigo mesma
Representa
(Acredita)
Um recomeço
Para o reencontro
Com o silêncio...
..................
E, uma vez mais,
Ele acaba
Esquecido
Nos aplausos
Vibrantes
E calorosos
Com que todos
Te celebram...
.............
Por fora!

ACORDA,
Meu amor,
Porque o silêncio
Quer falar-te
De celebração
Da alma,
Da tua relação
Íntima com o
Mundo,
Antes da queda
Na rotina
Dos enganos!

DESPERTA,
Que o passado
Se escreve a partir
Do futuro
Que antecipas
Cada ano
Quando renasces
A caminho da
Última fronteira...

PORQUE HÁ, SIM, 
Um derradeiro
Espelho vital
Onde revemos
O passado
Que construímos
Sobre as ruínas
Do presente...
............
Sabias?

AH, SIM,
Mesmo que não saibas,
No dia da celebração
O silêncio
Espera-te sempre
À esquina
Das tuas ruínas
Na mais profunda
Solidão...

NÃO DOBRES,
Em fuga,
Essa esquina.
Escuta-o, nesse dia.
Talvez seja
A tua salvação...
Jas_NãodobresaesquinaR

Variações. Detalhe.