APRESENTAÇÃO PÚBLICA DO MEU NOVO LIVRO
“FRAGMENTOS – Para Um Discurso sobre a Poesia”
(S. João do Estoril, ACA Edições, 2025, 228 páginas)
Auditório do Museu da Guarda, 12.09.2025, 18:00
Centro Cultural de Cascais, 19.09.2025, 18:00
João de Almeida Santos
Este meu novo livro, “FRAGMENTOS”, será apresentado no Auditório do Museu da Guarda, no dia 12 de Setembro, às 18:00, e na Fundação D. Luís I/Centro Cultural de Cascais, no dia 19 de Setembro, às 18:00. Apresentarão a obra António José Dias de Almeida (Guarda) e Salvato Teles de Menezes (Cascais).
O LIVRO
Trata-se de um livro que nasceu da reescrita das minhas respostas aos comentários que os meus leitores foram fazendo ao longo do tempo. São, portanto, reflexões, em 206 pequenos fragmentos, sobre a poesia, desenvolvidas a partir de cada poema que fui propondo nos meus habituais rituais poéticos de domingo, onde a interacção foi acontecendo sobretudo no espaço digital (e, em particular, no Facebook). Todos os fragmentos têm um título e o índice, que abre o livro, sinaliza-os (de 1 a 206) dentro de cada um dos quinze Capítulos que, com a Introdução e o Epílogo, integram a obra. Poderá, assim, o leitor escolher, no índice, guiado pelo título, o fragmento que deseja ler, numa lógica de total aleatoriedade, pois cada fragmento pode ser lido e interpretado autonomamente, sem necessidade de recorrer a referências externas, sejam elas o próprio poema que motivou a reflexão em causa ou outros elementos de natureza intertextual. Na verdade, trata-se de um Livro de Cabeceira que pode ser lido em, digamos, pequenas doses de texto e de tempo, ao sabor da disponibilidade ocasional e do interesse de cada leitor. Cada fragmento é autónomo e não necessita de conexões de sentido externas.
POÉTICA
Da leitura deste livro resultará um conhecimento mais preciso daquilo que se designa por poética, neste caso, da minha poética, ou seja, dos elementos estruturais e constantes que integram o núcleo de todos os poemas. Mas não só. Também se trata de reflexões sobre o ambiente interno em que acontece e se desenvolve o processo poético, para além da técnica de escrita e das componentes formais a que cada poema obedece. Poderá, pois, encontrar neste livro as principais constantes da minha poesia, ou seja, a minha poética: a sonoridade (a melodia e o ritmo como componentes fundamentais do poema porque tocam mais directa e intensamente a sensibilidade do leitor); a semântica (no essencial, em torno dos temas que estão na origem da minha poesia – os que a suscitam como imperativo existencial); a riqueza plástica do poema (estimula a imaginação e alarga o campo semântico e o seu cromatismo interno); e a sinestesia (que o complementa, ajudando a visualizar uma certa linha interpretativa, retroagindo sobre o poema e enriquecendo-o, sem que as categorias da pintura fiquem subordinadas ou dependentes do discurso poético). É esta, de resto, a função da sinestesia. Estas são invariantes sempre presentes que integram sistematicamente o processo criativo.
O POEMA COMO PAUTA MUSICAL
Muitos são os fragmentos que reflectem sobre a linguagem poética, a sua natureza, a sua especificidade, o que a diferencia das outras linguagens. Em particular, é sublinhada a essencialidade da dimensão performativa da sua linguagem, a característica que a distingue de todas as outras linguagens e a importância decisiva da sonoridade para garantir a sua eficácia, ou seja, o seu impacto sobre a sensibilidade de quem frui o poema. A estrutura formal que adopto na sua elaboração ajuda não só a organizá-lo como pauta musical, mas também a acentuar o minimalismo desta linguagem, reforçando a exigência de encontrar a palavra certa para cada verso e obedecendo não só à sua carga semântica, mas também à sua sonoridade, acontecendo mesmo que, por vezes, tendo de optar pelo seu valor semântico ou pelo seu valor sonoro, a escolha recaia sempre na sonoridade. Pela palavra menos denotativa, mas mais musical. Claro, o sentido do poema é determinado globalmente pelas conexões semânticas entre os versos, enquanto o efeito performativo depende mais da componente musical, daquela que atinge mais directa e intensamente a sensibilidade do leitor. Pois é aqui que o desafio se torna gigantesco: aliar a semântica à musicalidade do poema, já que a plasticidade está presente quer nas imagens induzidas pelas palavras quer pelo processo sinestésico que sempre adopto. Processo que contribui para a “visualização” do poema, certamente numa das suas possíveis interpretações.
ESTREMECIMENTO
Outro aspecto que merece realce é o da génese da poesia quando acontece o que, comparando com o dispositivo que dá início à filosofia grega, o do “espanto”, eu venho designando com “estremecimento” perante a aparição (directa ou indirecta, através de sinais) da musa inspiradora. É da conjugação desta reacção anímica com a dor (que resulta da ausência e do silêncio dela) que nasce a poesia, o canto libertador, a superação do fracasso (Cioran), o triunfo da leveza sobre o insustentável peso da existência. Diz Hölderlin: “Em tempos felizes, são raros os sonhadores”. Mais: “O poema lírico (…) é a metáfora contínua de Uma emoção” (Hölderlin, F., Todos os Poemas, Porto, Assírio & Alvim, 2021, pág.s 610 e 611). O poeta é um sonhador e a poesia é metáfora. Tem razão Hölderlin.
RAZÃO E EMOÇÃO
Sem um fundo pulsional e uma turbulência anímica a poesia não pode acontecer. É aquilo que Nietzsche, em A Origem da Tragédia, designa por “espírito dionisíaco”. Na sua génese está a emoção e o estremecimento da alma que sofre, regista e expõe. Mas ela também não acontece sem a intervenção do espírito, aquilo a que Nietzsche chamava “espírito apolíneo”, ou seja, sem a formalização de algo a que só a arte pode dar forma sem anular o seu essencial fundo pulsional. E esse é o grande desafio da poesia: conjugar esteticamente emoção e razão, usando, para tal, a fantasia. Deste processo falou Kant na “Crítica do Juízo”. Na verdade, todo o processo criativo se desenrola neste intervalo para onde confluem a alma e o espírito, a matéria e a forma, de modo a que daqui resulte um tertium que é diferente de ambos, mas que os integra. Uma espécie de quimera. Aquilo a que o Benedetto Croce chamava, na senda da mitologia grega, “ircocervo”. Sobre esta dialéctica se desenvolvem inúmeros fragmentos deste livro.
PERFORMATIVIDADE
Depois, a materialização da poesia como facto construído com palavras. “How to do things with words” é o título do famoso livro do filósofo inglês John L. Austin (Oxford University Press, 1962). Ele refere-se aos chamados enunciados performativos como acções verbais que não podem ser definidas como verdadeiras ou falsas e que correspondem àquilo que ele designa por actos ilocutórios e perlocutórios (estes, actos que visam influenciar, gerar consequências naqueles a quem são dirigidos). Ora quando falo da performatividade da poesia e da impossibilidade de a compreender através das categorias de verdadeiro e falso (como no caso das asserções) é no mesmo sentido que falo. Senti-la para a compreender. A poesia corresponde a um enunciado performativo com força perlocutória, ou seja, que produz efeitos psicológicos e comportamentais sobre o leitor, mas que não descreve o real. Claro, a poesia não visa efeitos práticos, efeitos úteis, mas produz efeitos que estão integrados na dimensão estética e na partilha. Com efeito, trata-se de uma acção verbal que só se completa quando é fruída por outrem (sobre quem recaem os seus efeitos) que não o poeta, sendo ao mesmo tempo uma expressão – com determinadas regras que provêm da sua própria tradição – da alma do poeta. Ela, no geral, respeita o essencial do que Austin atribui à performatividade, aos actos ilocutórios e perlocutórios, e eu creio que esta é a característica essencial da poesia.
Esta é, claro, uma referência teórica, mas que toca o essencial. A poesia não corresponde a um enunciado descritivo de algo que aconteceu no real. Ela é, antes, a expressão do que vai na alma do poeta, uma confissão cifrada, uma declaração de facto, um grito de alma que, inscrevendo-se na sua própria história, visa a partilha com outrem como forma de se completar, de se tornar efectiva, como acção verbal. Bem sei que o Austin põe nesse livro umas pontuais restrições desta lógica à própria poesia, mas não é neste registo técnico que eu entendo a performatividade da poesia. A poesia é uma outra forma de linguagem que, como ele diz, não cabe na clássica taxonomia da filosofia. É o próprio Hölderlin que reconhece que “há um hospital onde qualquer poeta desafortunado como eu se pode refugiar honradamente – a filosofia” (2021: 613). O poeta não precisa de hospital a não ser que fracasse poeticamente. Se fracassar, deve dirigir-se à filosofia para ser curado ou pelo menos para se nela se refugiar. A poesia é uma forma diferente de linguagem: a que comete actos ilocutórios e perlocutórios que não se inscrevem na clássica definição de verdade como adequação entre a consciência e a realidade, entre o sujeito e o objecto. Bem pelo contrário, ela dá vazão ao desejo de superar o desencontro entre a alma e a realidade, mobilizando o espírito e a fantasia.
TEMPO - O INSTANTE CRIATIVO
É disto que se fala em muitos fragmentos – a mobilização da fantasia para elevar o poeta sobre o estado deprimente em que ele se encontre. “Espírito apolíneo”. E um dos aspectos importantes que é objecto de reflexão é a ideia de tempo, o tempo subjectivo do poeta, comparado com o tempo cronológico. A luta titânica entre Chronos e Apolo. O poeta, ajudado por Apolo, desafia o tempo. Certo é que o seu tempo é um tempo kairótico, um “tempo oportuno”, o do instante criativo, equivalente àquilo que o Henri Bergson chamava durée, esse fio temporal que estabelece um “continuum” entre o passado, o presente e o futuro. O tempo da poesia é um tempo reversível. Sobre o tempo discorro abundantemente no livro porque ele é decisivo para compreender o processo poético.
UM DISCURSO HÍBRIDO
Estas e outras matérias são tratadas ao longo das 228 páginas do livro com uma linguagem que procura situar-se entre a prosa e a poesia, num estilo híbrido que permite ligar o discurso analítico com o discurso poético. Muitas vezes encontrei-me mais a poetar do que a reflectir analiticamente sobre o meu exercício poético. Mas creio que todo o texto exibe uma profunda coerência, garantida pela sua própria génese – a minha poesia. Mas também pelo que, ao exercê-la, traduz o que eu próprio penso dela, o que é e por que razão ela se impôs como exigência interior ou mesmo como imperativo. Na verdade, não foi um qualquer desejo de viajar por este mundo ao sabor de uma complexa ou rica intertextualidade que resultasse da minha cultura poética, das minhas leituras dos poetas. Coisa que naturalmente também acontece e sobre os quais já tive ocasião de dissertar longamente no meu livro “A Dor e o Sublime” (S. João do Estoril, ACA Edições, 2023, pág.s 13-89). Mas não, este percurso poético surgiu como uma necessidade, uma outra forma de me relacionar com o mundo e com a vida, libertando-me do excesso de conceptualização a que, por razões profissionais, estive toda uma vida obrigado. É por isso que a minha poesia, sendo-o também, é muito pouco intertextual, ainda que por decorrência temática dos próprios poemas sempre acabe por me aproximar de alguns poetas que trataram dos mesmos temas. Uma convergência que, afinal, não foi pilotada ou mesmo desejada. Para o dizer de forma clara: a minha poética foi sendo construída por mim próprio sem recorrer a uma qualquer tendência poética ou a qualquer doutrina sobre a poesia. Digamos que se trata, perdoem-me a imodéstia, de um produto genuíno, construído lentamente ao longo do tempo e com os recursos intelectuais que a minha profissão e as minhas preferências culturais me foram concedendo ao longo da vida.
A PINTURA
Acresce ainda esse outro aspecto da minha vida para o qual fui atirado pelas exigências próprias do meu trabalho poético e daquilo a que ele esteve associado. Falo da pintura, tão intimamente associada à minha poesia. Nasceu por causa dela, da poesia, e nunca mais dela se desligou. Assumi, então, o compromisso, como poeta, ou seja, comigo mesmo, de poetar ao mesmo tempo que pintava ou, pelo menos, de ligar todas as pinturas que ia executando com os poemas que, há cerca de dez anos, venho propondo aos domingos. Um exercício que já ronda os quinhentos poemas.
ASSIM NASCEU UM LIVRO
Este ritual dominical que ocorre na rede (no meu site e nas várias redes sociais) tem tido a vantagem de convocar muitos leitores que acabam por comentar os poemas e as pinturas que proponho. Não só por gentileza, mas sobretudo por dever, a todos eles eu respondo, levando muito a sério o que me dizem. Estas minhas respostas são, pois, na maior parte dos casos, muito empenhadas, não só porque os comentários o merecem, mas também porque elas já visam uma futura publicação em livro, exactamente na forma que este livro assumiu. E assim tem vindo a acontecer. De tal modo que já está pronto outro livro, “Novos Fragmentos”, que aguarda publicação. No entretanto, espero que gostem deste. JAS@09-2025