NOVOS FRAGMENTOS (XXIV)
Para um Discurso sobre a Poesia
João de Almeida Santos

"Chakra". JAS 2025
1.
Nella mia poesia “Catarsi”, con l’illustrazione “Profilo di un Poeta”, si tratta, infatti, di un dialogo con chi non c’è più, rispondevo a una mia cara Amica fiorentina, Laura. Ma è anche un tentativo di far rinascere ciò che sembra perduto, ho aggiunto. Una voce inaudibile che diventa, sì, “musica nell’anima”, come diceva lei. Il miracolo della poesia.
2.
A ilustração do poema “Catarse” até poderia ter sido um rosto feminino, mas preferi o perfil de um poeta (que é vagamente o de quem escreve) porque é dele a catarse. A poesia tem sempre essa dimensão catártica, mas também se eleva sobre ela porque procura, na fase apolínea, aproximar-se do belo, quer através da cenografia e da coreografia semânticas quer através da música. A poesia também é um bailado de palavras em palco intangível que não precisa de uma orquestra exterior. A música reside nelas, nas palavras, que são notas musicais. É por isso que a poesia é difícil. O poeta não só é cenógrafo, coreógrafo e “narrador”, mas também é compositor. Tem de ter bom ouvido, glosando a Szymborska. Tem de ser polivalente, além de sentir, em si, o pulsar da (sua) vida. Depois tudo acontece no palco da poesia perante aqueles que a partilham.
3.
Purificação, mas também redenção – é o que acontece na poesia. O poeta precisa, para poetar, de movimento emocional directo ou do fervilhar intenso da memória afectiva. Inquietação. A poesia não existe sem ela. E sem ela, será mera retórica poética, mero virtuosismo linguístico, mero divertissement. A poesia é mais, é “pathos”. Começa assim e procede, depois, com o desenvolvimento espiritual, apolíneo. É então que acontece a purificação e a redenção. No fim, ela passa a ser partilhável, na semântica e na estética, na beleza, que, na poesia, é altamente performativa. Na poesia o “pathos” subsiste estilizado. Há sentido e há música. Há cenografia e coreografia nesse bailado de palavras.
4.
O milagre da poesia desenvolve-se no interior de um processo que começa no sentir e, depois, evolui para o plano espiritual, sem que haja um corte com a génese. O poema não é fuga (Szymborska), mas metabolização espiritual do sentimento, que persiste.
5.
A poesia é, pois, catártica. E a leveza é uma sua característica fundamental. A catarse acontece no processo de levitação (poética). A poesia acrescenta vida à vida, como, em geral, acontece com a arte. Ela, enquanto arte, tem vida própria e não tem uma função instrumental. É a inspiração que a sustenta. No momento da composição há como que um “corte” com aquilo que lhe está na origem porque entram no processo exigências estéticas próprias – é o momento apolíneo. Mas não é um corte propriamente dito, porque o “pathos” persiste. E também não é fuga. A dor prolonga-se no exercício poético. E no próprio processo compositivo até acontecem as dores do “parto”. Que são dores diferentes da que deram origem ao poema. Glosando Calvino, privação sofrida, levitação desejada. No fim, o poeta sente-se mais leve e mais livre. A dor transformou-se pela verbalização e pela estilização.
6.
Paixão, amor, pulsão irresistível, tudo gerado por esses seios generosos a que se refere o poema “Os Seios” e que estão retratados na pintura, de minha autoria, “Mulher”. A presença remota dos seios maternos na fantasia do poeta? Tudo se mistura numa poética dos seios. Mulher fatal que se impôs à atenção do poeta? Não sei. Há no poema um pouco de tudo. Alusões e indefinição. A imagem ajuda. Sensualidade? Também, claro. O poeta terá visto algo que o fez estremecer – seios generosos que o fizeram regressar à infância? Ou lhe despertaram a libido a um ponto de não retorno? Uma autêntica fixação que o obrigou a recorrer à poesia para dela se libertar? O desejado, mas inacessível? Uma luz intensa que o encandeou? Há estímulos sensoriais que provocam estremecimento. E a arte em torno dos seios corresponde ao poder que eles exercem sobre a sensibilidade do poeta. Eu creio que este poema procura percorrer todo o espectro semântico que a beleza de uns seios pode gerar – da figura maternal à paixão sensual.
7.
“Em pose / De maternal / Sedução”, diz o poeta. E mais diz: “Criança perdida /No mundo, /Náufrago /Em alto mar… “. Mas também, “et pour cause”, intensa sensualidade nos seios daquela mulher (no referido poema). É a história de uma atracção fatal centrada nos seios de uma mulher. Tão importante que o poeta/pintor os pintou. Todos sabemos que os seios têm uma carga sensual profunda e remota porque aludem ao início da vida, ao momento maternal. É disso que o poema fala.
8.
O que diz Wislawa Szymborska:
- a) “Seria belo e justo se bastasse a força dos sentimentos para decidir do valor artístico da poesia. Se assim fosse teríamos a certeza de que Petrarca é uma nulidade em comparação com um rapazolas (…) perdido de amores, enquanto Petrarca conseguiu manter-se numa condição nervosa propícia para a invenção de belas metáforas”.
- b) “Cada poeta conserva em si a tentação de dizer tudo numa poesia”.
- d) “A poesia não é para eles (poetas) recriação e fuga da vida, mas a própria vida”.
- e) ”O poeta lírico escreve prevalecentemente sobre (a partir de) si próprio”
- f) “A poesia, apesar de se ocupar de temas eternos como o encanto da primavera ou a tristeza outonal, deve sempre fazê-lo como se fosse a primeira vez”.
- g) “Desde que o mundo é mundo, nunca houve um (poeta) que contasse as sílabas com os dedos. O poeta nasce com os ouvidos”.
- h) “A poesia (…) foi e será um jogo, e não há jogos sem regras”.
- i) “A melhor poesia é a que não tem título (…)”. “…em cada poesia o que conta verdadeiramente é a impressão de que aquelas palavras, e não outras, estiveram séculos à espera de se encontrarem e unirem numa totalidade indivisível”.
- j) “o talento não se limita à ‘inspiração’ ”.
- l) “Não há professores de poesia”
- m) “… também o poeta, se for um verdadeiro poeta, deve repetir continuamente a si próprio: ‘não sei’ ” (Szymborska, 2009: 973-995, 1000, 1040, 1043).
9.
Sublinho, destas frases, que constam da obra desta poetisa (Opere, Milano: Adelphi, 2009, 2.ª edição), as seguintes ideias:
- Não basta sentir para poetar. O passo seguinte é de natureza espiritual.
- O poeta tem a tentação de dizer tudo num só poema. Dizer tudo com o mínimo, como se as poucas palavras que usa chegassem ao palco poético pela primeira vez.
- A poesia não é recriação nem fuga da vida, mas a própria vida. O compromisso estético é com a vida.
- O poeta escreve (sobretudo) a partir da sua própria experiência, mas com pretensões de se elevar à universalidade e de provocar a partilha.
- Mesmo quando escreve sobre o mesmo o poeta deve sempre fazê-lo como se fosse a primeira vez.
- A poesia tem regras, mas não é prisioneira delas. Ela aspira sempre à reinvenção.
- O talento não se limita à inspiração – requer muito trabalho e paciência.
- Na poesia as palavras (finalmente) encontram-se numa unidade expressiva como se estivessem a esperar por isso há muito tempo.
- O poeta deve conservar-se sempre num estado de ignorância expectante.
O exercício poético deve observar estes princípios se quiser atingir resultados verdadeiramente poéticos. É isso que parece querer dizer a poetisa polaca Wislawa Szymborska, prémio Nobel da literatura, em 1996.
10.
Com Szymborska, mais um passo para chegar às variáveis que integram o processo poético, tal como eu o entendo, mas em boas companhias. JAS@12-2025












