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Sobre joaodealmeidasantos1

Professor universitário, escritor, poeta, pintor. Publicou várias dezenas de livros, seus e em co-autoria, de filosofia, política, comunicação, romance, poesia, estética. Foi professor nas universidades de Coimbra, Roma "La Sapienza", Complutense de Madrid e Lusófona (Lisboa e Porto). Publica semanalmente, neste site, ensaios, artigos, poesia e pintura.

Poesia-Pintura

LUZ

Poema de João de Almeida Santos
Ilustração: “Paraíso”
JAS 2022 (68x84, em papel de algodão,
310gr, e verniz Hahnemuehle,
Artglass AR70, em moldura de madeira)
Setembro de 2025

“LUZ”. JAS 2022

POEMA – “LUZ”

TANTA LUZ,
Meu Deus,
Esse teu céu,
Imenso mar,
Espelho
De todos
Os sonhos
Que dão asas
Pra voar.

O CÉU É BRANCO,
Cintilante,
Para te iluminar
E os teus olhos
Logo brilham,
Em viagem,
No meu mundo,
A voar.

QUANDO
Nos sonhos
Eu te vejo
Iluminada
Entro sempre
Numa porta
Branca
Que me leva
Ao paraíso,
Guiado
Por uma fada.

E, ENTÃO, VOO,
Deixando
Para trás
 O meu Jardim
Encantado,
Os bailéus
Da casa-mãe,
Desenhados
A rigor,
A quelha da minha
Infância
Que já anuncia
A viagem
De uma vida
D'errância
E tantas vezes
Com dor.

NOS SONHOS,
(Em todos eles)
Caio das nuvens
Brancas,
Como Ícaro,
Quase cego
De tanta luz,
No jardim
Onde tu vives
Sempre vestida
De cores
Como um manto
Que seduz.

É ESSA TUA LUZ
Cintilante
Que ilumina
O que me sobra
De ti,
Nos sonhos
Escritos,
Pintados,
Onde sempre
Eu te vi
E onde te vou
Visitando
Quando as saudades
Apertam
Por aquilo
Que perdi.

ETERNO RETORNO
Na vida
De um poeta
Sonhador,
Uma luz
Que se acende
Lá bem no alto
Do céu,
E o regresso
Ao jardim,
Esse céu
Que é só meu.

NOTÍCIA

ACONTECEU NO AUDITÓRIO 
DO MUSEU DA GUARDA, ONTEM...

APRESENTAÇÃO do meu novo livro “FRAGMENTOS”. Uma excelente apresentação por António José Dias de Almeida. Presentes os senhores Presidentes da Câmara Municipal da Guarda, Sérgio Costa, e da Assembleia Municipal, José Relva. Sala cheia, cerca de cinquenta pessoas. Falaram o Presidente da Câmara, o Editor, António José Dias de Almeida e o Autor, João de Almeida Santos. No Auditório, exposto um quadro do Autor, propriedade do Museu da Guarda, “Pasárgada II”, JAS 2022 (119×119). Os meus agradcimentos a todos os que me honraram com a sua presença e, em particular, ao senhor Presidente da Câmara, a António José Dias de Almeida e ao Editor, Ricardo de Almeida Santos. Na próxima Quarta-Feira publicarei, no meu site, a intervenção de António José Dias de Almeida. Na próxima Sexta-Feira, dia 19.09, o livro será apresentado no Auditório do Centro Cultural de Cascais por Salvato Teles de Menezes.


					

Artigo

TESES SOBRE A POESIA

A propósito do livro
“FRAGMENTOS - Para um Discurso 
sobre a Poesia”
(S. João do Estoril, ACA Edições,
2025, 228 páginas)



Apresentação: 
* 12.09, 18:00, no Auditório 
do Museu da Guarda;
** 19.09, 18:00, no Auditório
do Centro Cultural de Cascais

João de Almeida Santos

“S/Título”. JAS 2025

SONORIDADE, POLISSEMIA E SINESTESIA

A POESIA É UMA ARTE MUITO ESPECIAL. Ela procura integrar, nas palavras de que é composto o discurso poético, uma sonoridade cativante capaz de tocar a sensibilidade de quem a frui. Ritmo e melodia – rima interna e externa. Mas não só. Sempre com palavras, também procura desenhar ambientes cromáticos vivos e sugestivos onde decorra o discurso do sujeito poético, dando cor e expressividade à sua fala, e desenhar perfis que identifiquem os protagonistas do discurso. A sinestesia entre a poesia e a pintura é um ulterior complemento que ajuda a alargar o campo semântico e a “visualizar” uma determinada interpretação do poema.

A POESIA COMO IMPERATIVO EXISTENCIAL

HOELDERLIN DIZIA que “em tempos felizes, são raros os sonhadores”. E o poeta é um sonhador. Dir-se-ia que a felicidade é pouco propícia ao acontecimento poético. Não sendo, ou não tendo sido, feliz, sonha sê-lo. Mais amigos da poesia são a penumbra, a dor e o “fracasso” existencial, no sentido em que o Cioran falava dele. É uma pulsão negativa – é um facto negativo que a estimula – que provoca o impulso poético.  Mas, por isso mesmo, a poesia é resgate, reconstrução do que foi perdido ou não conseguido. A poesia, no meu entendimento, resulta, de facto, de um imperativo existencial, procurando, pois, dar-lhe resposta num plano superior, espiritual, através de recursos linguísticos. Os exemplos históricos de grandes poetas às voltas com os desencontros da vida ou as disrupções existenciais são conhecidos e numerosos. A poesia não se identifica com exercícios meramente retóricos, com o virtuosismo linguístico ou a pura intertextualidade, a construção de nexos de sentido assentes exclusivamente no património poético… como inspiração.

A POESIA É PERFORMATIVA

A POESIA É ACÇÃO. E é resposta interior a imperativos existenciais, usando determinados meios técnicos para se materializar – as palavras. É um recurso de sobrevivência interior quando ela está ameaçada por intensa melancolia ou mesmo por desolação existencial. Digo muitas vezes que a poesia é altamente performativa. O que é que eu quero dizer com isto? Que ela é acção, corresponde a um acto, a uma declaração de facto, com efeitos, mas que não está sujeita a uma prova de veracidade ou de falsidade. São conhecidos os exemplos: “Declaro aberta a sessão de hoje”, diz o presidente de uma assembleia – através desta declaração a sessão fica aberta; “Aceito x como minha mulher”, em acto formal e válido de matrimónio – através desta declaração fica instituído o vínculo matrimonial; “Amo-te”, diz o poeta, dirigindo-se à musa – através desta declaração poética fica instituído o vínculo amoroso entre o poeta e a musa, e não sujeito a verificação de veracidade ou de falsidade. O amor poeticamente declarado equivale a um facto, a uma acção. A fala poética é performativa. E vale pelo que afirma e institui através do uso da linguagem poética. Não deve ser procurado um referente externo porque o poeta e a musa são exclusivamente sujeitos internos do discurso poético.

A POESIA NÃO É DENOTATIVA

A DECLARAÇÃO POÉTICA tem efeitos poeticamente vinculativos e, porque é poética, não está sujeita a prova de veracidade ou de falsidade. A poesia não é denotativa. Este é um aspecto muito importante da poesia como arte e é isto que a distingue das outras formas de linguagem ou da prosa. Digamos que é uma dimensão da existência de tipo espiritual, mas que tem certas exigências: a) código próprio da poesia como linguagem não denotativa; b) harmonia acústica e expressiva; c) não verificabilidade do discurso para além das suas próprias regras internas; c) partilha, como fase final do processo absolutamente necessária para que o poema se complete. Este último aspecto parece estar em contradição com os outros, mas não está, porque quem frui poesia se coloca no mesmo plano em que o seu código funciona, nada mais esperando do que sintonia estritamente poética. Nada mais existe para além de uma relação estético-expressiva, plano em que acontece a partilha e a sintonia.

A POESIA ACONTECE

DAQUI DECORRE uma característica, a que se refere Fernando Pessoa – a poesia acontece. Também a Amália dizia que o fado lhe acontecia. Ela não resulta, pois, de uma intenção programada, mas acontece por circunstâncias da vida e de personalidade. E não acontece como expressão final, de natureza intuitiva, de um processo de digestão poética intertextual. O instante criativo não resulta, pois, de um processo de acumulação e saturação de património poético, mas sim de um imperativo existencial. Acontece, independentemente da vontade. Mas também é claro que o processo só acontece e se desenvolve quando se verificam determinadas condições. Por exemplo, um bom domínio da língua em que o poema deva ser executado. Só que nunca o bom domínio da língua ou até de cultura poética serão condições suficientes para que a poesia aconteça. Não. O que tem de acontecer, para o resgate do poeta, por sublimação, é a conjunção virtuosa de um imperativo existencial (normalmente motivado por dor, infelicidade ou fracasso) com o domínio técnico da língua em que se exprime o discurso poético

A MINHA POÉTICA

ESTAS SÃO, no meu entendimento, mas sobretudo na minha prática como poeta, as invariantes do processo poético. Todas elas fazem parte da minha poética, ou seja, todas elas integram os meus poemas, fazendo parte, em maior ou menor grau, do seu núcleo central, qualquer que seja a temática ou o conteúdo do poema. Assim, este livro é, em 206 fragmentos, a explicitação de minha própria poética através de fragmentos escritos em linguagem híbrida, mas com dominante estilística de tipo poético. Uma viagem expressiva pelo fascinante mundo em que a poesia acontece. JAS@09-2025

Poesia-Pintura

TESES SOBRE A POESIA

A propósito do livro
“FRAGMENTOS - Para um Discurso sobre a Poesia”
(S. João do Estoril, ACA Edições,
2025, 228 páginas)

Apresentação: 
* 12.09, 18:00, no Auditório 
do Museu da Guarda;
** 19.09, 18:00, no Auditório
do Centro Cultural de Cascais

João de Almeida Santos

“S/Título”. JAS 2025

SONORIDADE, POLISSEMIA E SINESTESIA

A POESIA É UMA ARTE MUITO ESPECIAL. Ela procura integrar, nas palavras de que é composto o discurso poético, uma sonoridade cativante capaz de tocar a sensibilidade de quem a frui. Ritmo e melodia – rima interna e externa. Mas não só. Sempre com palavras, também procura desenhar ambientes cromáticos vivos e sugestivos onde decorra o discurso do sujeito poético, dando cor e expressividade à sua fala, e desenhar perfis que identifiquem os protagonistas do discurso. A sinestesia entre a poesia e a pintura é um ulterior complemento que ajuda a alargar o campo semântico e a “visualizar” uma determinada interpretação do poema.

A POESIA COMO IMPERATIVO EXISTENCIAL

HOELDERLIN DIZIA que “em tempos felizes, são raros os sonhadores”. E o poeta é um sonhador. Dir-se-ia que a felicidade é pouco propícia ao acontecimento poético. Não sendo feliz, sonha sê-lo. Mais amigos da poesia são a penumbra, a dor e o “fracasso” existencial, no sentido em que o Cioran falava dele. É uma pulsão negativa – é um facto negativo que a estimula – que provoca o impulso poético.  Mas, por isso mesmo, a poesia é resgate, reconstrução do que foi perdido ou não conseguido. A poesia, no meu entendimento, resulta, de facto, de um imperativo existencial, procurando, pois, dar-lhe resposta num plano superior, espiritual, através de recursos linguísticos. Os exemplos históricos de grandes poetas às voltas com os desencontros da vida ou as disrupções existenciais são conhecidos e numerosos. A poesia não se identifica com exercícios meramente retóricos, com o virtuosismo linguístico ou a pura intertextualidade, a construção de nexos de sentido assentes exclusivamente no património poético… como inspiração.

A POESIA É PERFORMATIVA

A POESIA É ACÇÃO. E é resposta interior a imperativos existenciais, usando determinados meios técnicos para se materializar – as palavras. É um recurso de sobrevivência interior quando ela está ameaçada por intensa melancolia ou mesmo por desolação existencial. Digo muitas vezes que a poesia é altamente performativa. O que é que eu quero dizer com isto? Que ela é acção, corresponde a um acto, a uma declaração de facto, com efeitos, mas que não está sujeita a uma prova de veracidade ou de falsidade. São conhecidos os exemplos: “Declaro aberta a sessão de hoje”, diz o presidente de uma assembleia – através desta declaração a sessão fica aberta; “Aceito x como minha mulher”, em acto formal e válido de matrimónio – através desta declaração fica instituído o vínculo matrimonial; “Amo-te”, diz o poeta, dirigindo-se à musa – através desta declaração poética fica instituído o vínculo amoroso entre o poeta e a musa, e não sujeito a verificação de veracidade ou de falsidade. O amor poeticamente declarado equivale a um facto, a uma acção. A fala poética é performativa. E vale pelo que afirma e institui através do uso da linguagem poética. Não deve ser procurado um referente externo porque o poeta e a musa são exclusivamente elementos internos do discurso poético.

A POESIA NÃO É DENOTATIVA

A DECLARAÇÃO POÉTICA tem efeitos poeticamente vinculativos e, porque é poética, não está sujeita a prova de veracidade ou de falsidade. A poesia não é denotativa. Este é um aspecto muito importante da poesia como arte e é isto que a distingue das outras formas de linguagem ou da prosa. Digamos que é uma dimensão da existência de tipo espiritual, mas que tem certas exigências: a) código próprio da poesia como linguagem não denotativa; b) harmonia acústica e expressiva; c) não verificabilidade do discurso para além das suas próprias regras internas; c) partilha, como fase final do processo absolutamente necessária para que o poema se complete. Este último aspecto parece estar em contradição com os outros, mas não está, porque quem frui poesia se coloca no mesmo plano em que o código da poesia funciona, nada mais esperando do que sintonia estritamente poética. Nada mais existe para além de uma relação estético-expressiva.

A POESIA ACONTECE

DAQUI DECORRE uma característica, a que se refere Fernando Pessoa – a poesia acontece. Também a Amália dizia que o fado lhe acontecia. Ela não resulta, pois, de uma intenção programada, mas acontece por circunstâncias da vida e de personalidade. E não acontece como expressão final, de natureza intuitiva, de um processo de digestão poética intertextual. O instante criativo não resulta, pois, de um processo de acumulação e saturação de património poético, mas sim de um imperativo existencial. Acontece, independentemente da vontade. Mas também é claro que o processo só acontece e se desenvolve quando se verificam determinadas condições. Por exemplo, um bom domínio da língua em que o poema deva ser executado. Só que nunca o bom domínio da língua ou até de cultura poética serão condições suficientes para que a poesia aconteça. Não. O que tem de acontecer, para o resgate do poeta, por sublimação, é a conjunção virtuosa de um imperativo existencial (normalmente motivado por dor, infelicidade ou fracasso) com o domínio técnico da língua em que se exprime o discurso poético

A MINHA POÉTICA

ESTAS SÃO, no meu entendimento, mas sobretudo na minha prática como poeta, as invariantes do processo poético. Todas elas fazem parte da minha poética, ou seja, todas elas integram os meus poemas, fazendo parte, em maior ou menor grau, do seu núcleo central, qualquer que seja a temática ou o conteúdo do poema. Assim, este livro é, em 206 fragmentos, a explicitação de minha própria poética através de fragmentos escritos em linguagem híbrida, mas com dominante estilística de tipo poético. Uma viagem expressiva pelo fascinante mundo em que a poesia acontece. JAS@09-2025

Poesia-Pintura

VER

Poema de João de Almeida Santos
Pintura: “La Peccatrice”
JAS 2023, apud Klimt
(57x88, em papel de algodão, 310gr,
e verniz Hahnemuehle, Artglass AR70
em mold. de madeira)
Original de minha autoria
Setembro 2025

“La Peccatrice”. JAS 2023

POEMA – “VER”

QUANDO TE VEJO,
Vejo-te a cores,
Sinto aromas
E provo sabores
Na fantasia...

EU VEJO TRAÇOS
E vejo riscos
E tantas fugas
Prò infinito
Nos sete céus
Dessa magia
E eu logo digo
O que já sinto
A quem pergunta:
– É poesia.

AO LONGE,
O horizonte
Desses teus riscos,
Aqui, uma ponte
Desenhada
Que me leva
Ao pé de ti
Quando o rio
Já transborda
E eu sinto
Que me perdi.

QUANDO TE VEJO,
Eu vejo ruas,
Eu vejo praças
E catedrais,
Vejo desenhos
Nas tuas mãos,
Vejo vitrais
E vejo sóis
Em refracção
Que aquecem
A minha alma
Porque é bela
Esta visão.

E VEJO ROSTOS,
Vejo-te a ti
Nesses poemas
Que escrevi,
Sentir-te perto
Era o desejo,
Ver o teu céu
No horizonte,
Sentar-me logo
Neste meu banco
E ver-te bela
Sempre daqui.

VEJO MONTANHAS
E vejo cores,
Eu vejo casas
Por esses vales
E esses rios
Por onde corre
O fio d’água
Com que tu regas
O teu jardim
Pra nele nascerem
Os meus poemas
E a tua pele
Ser de cetim.

SINTO NO AR
O teu calor,
Cabelos negros
A esvoaçar
E sinto o vento
Nesse teu rosto
E altas ondas
No nosso mar
Mesmo que venhas
Já no sol-posto
Com os teus barcos
A navegar
Na imensidão
Onde se perde
O meu olhar. 

EU VEJO TELAS
E os teus pincéis,
Vejo a tinta
Na tua mão,
Vejo-te a ti,
Doce pintora,
Tão concentrada
Nesses quadros
Em construção.

VEJO QUADROS
E vejo letras,
Nessa pintura
Vejo sinais,
Eu vejo tudo
Neste pontão
Do nosso cais
E sou feliz
De assim te ver...
.............
E isso basta,
Não quero mais.

EU VEJO TUDO
À minha volta,
Mas não te vendo
Eu sinto dor,
Vem ter comigo
A este rio,
Passar a ponte
Prò outro lado,
Dar-me a mão
E um sorriso,
Fazer de mim
Um ser amado
Mesmo sem teres
A tua ponte,
Bela e leve,
Já desenhado,
Mas, mesmo assim,
Que eu possa ser
O teu pecado.

EU VEJO TUDO
À minha volta,
Mas faz-me falta
O teu sorriso,
Mesmo que minta
Nada mais quero
Pois é só disso
Que eu preciso.

Artigo

APRESENTAÇÃO PÚBLICA DO MEU NOVO LIVRO

“FRAGMENTOS – Para Um Discurso sobre a Poesia”
(S. João do Estoril, ACA Edições, 2025, 228 páginas)
Auditório do Museu da Guarda, 12.09.2025, 18:00
Centro Cultural de Cascais, 19.09.2025, 18:00

João de Almeida Santos

Este meu novo livro, “FRAGMENTOS”, será apresentado no Auditório do Museu da Guarda, no dia 12 de Setembro, às 18:00, e na Fundação D. Luís I/Centro Cultural de Cascais, no dia 19 de Setembro, às 18:00. Apresentarão a obra António José Dias de Almeida (Guarda) e Salvato Teles de Menezes (Cascais).

O LIVRO

Trata-se de um livro que nasceu da reescrita das minhas respostas aos comentários que os meus leitores foram fazendo ao longo do tempo. São, portanto, reflexões, em 206 pequenos fragmentos, sobre a poesia, desenvolvidas a partir de cada poema que fui propondo nos meus habituais rituais poéticos de domingo, onde a interacção foi acontecendo sobretudo no espaço digital (e, em particular, no Facebook). Todos os fragmentos têm um título e o índice, que abre o livro, sinaliza-os (de 1 a 206) dentro de cada um dos quinze Capítulos que, com a Introdução e o Epílogo, integram a obra. Poderá, assim, o leitor escolher, no índice, guiado pelo título, o fragmento que deseja ler, numa lógica de total aleatoriedade, pois cada fragmento pode ser lido e interpretado autonomamente, sem necessidade de recorrer a referências externas, sejam elas o próprio poema que motivou a reflexão em causa ou outros elementos de natureza intertextual. Na verdade, trata-se de um Livro de Cabeceira que pode ser lido em, digamos, pequenas doses de texto e de tempo, ao sabor da disponibilidade ocasional e do interesse de cada leitor. Cada fragmento é autónomo e não necessita de conexões de sentido externas.

POÉTICA

Da leitura deste livro resultará um conhecimento mais preciso daquilo que se designa por poética, neste caso, da minha poética, ou seja, dos elementos estruturais e constantes que integram o núcleo de todos os poemas. Mas não só. Também se trata de reflexões sobre o ambiente interno em que acontece e se desenvolve o processo poético, para além da técnica de escrita e das componentes formais a que cada poema obedece. Poderá, pois, encontrar neste livro as principais constantes da minha poesia, ou seja, a minha poética: a sonoridade (a melodia e o ritmo como componentes fundamentais do poema porque tocam mais directa e intensamente a sensibilidade do leitor); a semântica (no essencial, em torno dos temas que estão na origem da minha poesia – os que a suscitam como imperativo existencial); a riqueza plástica do poema (estimula a imaginação e alarga o campo semântico e o seu cromatismo interno); e a sinestesia (que o complementa, ajudando a visualizar uma certa linha interpretativa, retroagindo sobre o poema e enriquecendo-o, sem que as categorias da pintura fiquem subordinadas ou dependentes do discurso poético). É esta, de resto, a função da sinestesia. Estas são invariantes sempre presentes que integram sistematicamente o processo criativo.

O POEMA COMO PAUTA MUSICAL

Muitos são os fragmentos que reflectem sobre a linguagem poética, a sua natureza, a sua especificidade, o que a diferencia das outras linguagens. Em particular, é sublinhada a essencialidade da dimensão performativa da sua linguagem, a característica que a distingue de todas as outras linguagens e a importância decisiva da sonoridade para garantir a sua eficácia, ou seja, o seu impacto sobre a sensibilidade de quem frui o poema. A estrutura formal que adopto na sua elaboração ajuda não só a organizá-lo como pauta musical, mas também a acentuar o minimalismo desta linguagem, reforçando a exigência de encontrar a palavra certa para cada verso e obedecendo não só à sua carga semântica, mas também à sua sonoridade, acontecendo mesmo que, por vezes, tendo de optar pelo seu valor semântico ou pelo  seu valor sonoro, a escolha recaia sempre na sonoridade. Pela palavra menos denotativa, mas mais musical. Claro, o sentido do poema é determinado globalmente pelas conexões semânticas entre os versos, enquanto o efeito performativo depende mais da componente musical, daquela que atinge mais directa e intensamente a sensibilidade do leitor. Pois é aqui que o desafio se torna gigantesco: aliar a semântica à musicalidade do poema, já que a plasticidade está presente quer nas imagens induzidas pelas palavras quer pelo processo sinestésico que sempre adopto. Processo que contribui para a “visualização” do poema, certamente numa das suas possíveis interpretações.

ESTREMECIMENTO

Outro aspecto que merece realce é o da génese da poesia quando acontece o que, comparando com o dispositivo que dá início à filosofia grega, o do “espanto”, eu venho designando com “estremecimento” perante a aparição (directa ou indirecta, através de sinais) da musa inspiradora. É da conjugação desta reacção anímica com a dor (que resulta da ausência e do silêncio dela) que nasce a poesia, o canto libertador, a superação do fracasso (Cioran), o triunfo da leveza sobre o insustentável peso da existência. Diz Hölderlin: “Em tempos felizes, são raros os sonhadores”. Mais: “O poema lírico (…) é a metáfora contínua de Uma emoção” (Hölderlin, F., Todos os Poemas, Porto, Assírio & Alvim, 2021, pág.s 610 e 611). O poeta é um sonhador e a poesia é metáfora. Tem razão Hölderlin.

RAZÃO E EMOÇÃO

Sem um fundo pulsional e uma turbulência anímica a poesia não pode acontecer. É aquilo que Nietzsche, em A Origem da Tragédia, designa por “espírito dionisíaco”. Na sua génese está a emoção e o estremecimento da alma que sofre, regista e expõe. Mas ela também não acontece sem a intervenção do espírito, aquilo a que Nietzsche chamava “espírito apolíneo”, ou seja, sem a formalização de algo a que só a arte pode dar forma sem anular o seu essencial fundo pulsional. E esse é o grande desafio da poesia: conjugar esteticamente emoção e razão, usando, para tal, a fantasia. Deste processo falou Kant na “Crítica do Juízo”. Na verdade, todo o processo criativo se desenrola neste intervalo para onde confluem a alma e o espírito, a matéria e a forma, de modo a que daqui resulte um tertium que é diferente de ambos, mas que os integra. Uma espécie de quimera. Aquilo a que o Benedetto Croce chamava, na senda da mitologia grega, “ircocervo”. Sobre esta dialéctica se desenvolvem inúmeros fragmentos deste livro.

PERFORMATIVIDADE

Depois, a materialização da poesia como facto construído com palavras. “How to do things with words” é o título do famoso livro do filósofo inglês John L. Austin (Oxford University Press, 1962). Ele refere-se aos chamados enunciados performativos como acções verbais que não podem ser definidas como verdadeiras ou falsas e que correspondem àquilo que ele designa por actos ilocutórios e perlocutórios (estes, actos que visam influenciar, gerar consequências naqueles a quem são dirigidos). Ora quando falo da performatividade da poesia e da impossibilidade de a compreender através das categorias de verdadeiro e falso (como no caso das asserções) é no mesmo sentido que falo. Senti-la para a compreender. A poesia corresponde a um enunciado performativo com força perlocutória, ou seja, que produz efeitos psicológicos e comportamentais sobre o leitor, mas que não descreve o real. Claro, a poesia não visa efeitos práticos, efeitos úteis, mas produz efeitos que estão integrados na dimensão estética e na partilha. Com efeito, trata-se de uma acção verbal que só se completa quando é fruída por outrem (sobre quem recaem os seus efeitos) que não o poeta, sendo ao mesmo tempo uma expressão – com determinadas regras que provêm da sua própria tradição – da alma do poeta. Ela, no geral, respeita o essencial do que Austin atribui à performatividade, aos actos ilocutórios e perlocutórios, e eu creio que esta é a característica essencial da poesia.

Esta é, claro, uma referência teórica, mas que toca o essencial. A poesia não corresponde a um enunciado descritivo de algo que aconteceu no real. Ela é, antes, a expressão do que vai na alma do poeta, uma confissão cifrada, uma declaração de facto, um grito de alma que, inscrevendo-se na sua própria história, visa a partilha com outrem como forma de se completar, de se tornar efectiva, como acção verbal. Bem sei que o Austin põe nesse livro umas pontuais restrições desta lógica à própria poesia, mas não é neste registo técnico que eu entendo a performatividade da poesia. A poesia é uma outra forma de linguagem que, como ele diz, não cabe na clássica taxonomia da filosofia. É o próprio Hölderlin que reconhece que “há um hospital onde qualquer poeta desafortunado como eu se pode refugiar honradamente – a filosofia” (2021: 613). O poeta não precisa de hospital a não ser que fracasse poeticamente. Se fracassar, deve dirigir-se à filosofia para ser curado ou pelo menos para se nela se refugiar. A poesia é uma forma diferente de linguagem: a que comete actos ilocutórios e perlocutórios que não se inscrevem na clássica definição de verdade como adequação entre a consciência e a realidade, entre o sujeito e o objecto. Bem pelo contrário, ela dá vazão ao desejo de superar o desencontro entre a alma e a realidade, mobilizando o espírito e a fantasia.

TEMPO - O INSTANTE CRIATIVO

É disto que se fala em muitos fragmentos – a mobilização da fantasia para elevar o poeta sobre o estado deprimente em que ele se encontre. “Espírito apolíneo”. E um dos aspectos importantes que é objecto de reflexão é a ideia de tempo, o tempo subjectivo do poeta, comparado com o tempo cronológico. A luta titânica entre Chronos e Apolo. O poeta, ajudado por Apolo, desafia o tempo. Certo é que o seu tempo é um tempo kairótico, um “tempo oportuno”, o do instante criativo, equivalente àquilo que o Henri Bergson chamava durée, esse fio temporal que estabelece um “continuum” entre o passado, o presente e o futuro. O tempo da poesia é um tempo reversível. Sobre o tempo discorro abundantemente no livro porque ele é decisivo para compreender o processo poético.

UM DISCURSO HÍBRIDO

Estas e outras matérias são tratadas ao longo das 228 páginas do livro com uma linguagem que procura situar-se entre a prosa e a poesia, num estilo híbrido que permite ligar o discurso analítico com o discurso poético. Muitas vezes encontrei-me mais a poetar do que a reflectir analiticamente sobre o meu exercício poético. Mas creio que todo o texto exibe uma profunda coerência, garantida pela sua própria génese – a minha poesia. Mas também pelo que, ao exercê-la, traduz o que eu próprio penso dela, o que é e por que razão ela se impôs como exigência interior ou mesmo como imperativo. Na verdade, não foi um qualquer desejo de viajar por este mundo ao sabor de uma complexa ou rica intertextualidade que resultasse da minha cultura poética, das minhas leituras dos poetas. Coisa que naturalmente também acontece e sobre os quais já tive ocasião de dissertar longamente no meu livro “A Dor e o Sublime” (S. João do Estoril, ACA Edições, 2023, pág.s 13-89). Mas não, este percurso poético surgiu como uma necessidade, uma outra forma de me relacionar com o mundo e com a vida, libertando-me do excesso de conceptualização a que, por razões profissionais, estive toda uma vida obrigado. É por isso que a minha poesia, sendo-o também, é muito pouco intertextual, ainda que por decorrência temática dos próprios poemas sempre acabe por me aproximar de alguns poetas que trataram dos mesmos temas. Uma convergência que, afinal, não foi pilotada ou mesmo desejada. Para o dizer de forma clara: a minha poética foi sendo construída por mim próprio sem recorrer a uma qualquer tendência poética ou a qualquer doutrina sobre a poesia. Digamos que se trata, perdoem-me a imodéstia, de um produto genuíno, construído lentamente ao longo do tempo e com os recursos intelectuais que a minha profissão e as minhas preferências culturais me foram concedendo ao longo da vida.

A PINTURA

Acresce ainda esse outro aspecto da minha vida para o qual fui atirado pelas exigências próprias do meu trabalho poético e daquilo a que ele esteve associado. Falo da pintura, tão intimamente associada à minha poesia. Nasceu por causa dela, da poesia, e nunca mais dela se desligou. Assumi, então, o compromisso, como poeta, ou seja, comigo mesmo, de poetar ao mesmo tempo que pintava ou, pelo menos, de ligar todas as pinturas que ia executando com os poemas que, há cerca de dez anos, venho propondo aos domingos. Um exercício que já ronda os quinhentos poemas.

ASSIM NASCEU UM LIVRO

Este ritual dominical que ocorre na rede (no meu site e nas várias redes sociais) tem tido a vantagem de convocar muitos leitores que acabam por comentar os poemas e as pinturas que proponho. Não só por gentileza, mas sobretudo por dever, a todos eles eu respondo, levando muito a sério o que me dizem. Estas minhas respostas são, pois, na maior parte dos casos, muito empenhadas, não só porque os comentários o merecem, mas também porque elas já visam uma futura publicação em livro, exactamente na forma que este livro assumiu. E assim tem vindo a acontecer. De tal modo que já está pronto outro livro, “Novos Fragmentos”, que aguarda publicação. No entretanto, espero que gostem deste. JAS@09-2025

Poesia-Pintura

SONHO

Poema de João de Almeida Santos
Ilustração: “S/Título”
JAS 2023 (original a cores
 e com o título “Epifania”: 
79x82, em papel de algodão,
310gr, e verniz Hahnemuehle,
Artglass AR70 em mold. de madeira)
Pintura de minha autoria
Agosto de 2025

“S/Título”. JAS 2023

POEMA – “SONHO”

SONHEI
Que numa tarde 
Fria
De outono
Te vi
Fixando
O vazio,
Ausente,
Um pouco 
Perdida,
Como quem
Já não sabe
O que sente,
Como exilada
Da vida.

NÃO ESTAVA
Rubro 
De vida
Esse teu rosto,
Mas de uma cor
Um pouco fria,
Como se uma
Moldura
Te engolisse
E apenas
Te mostrasse
Como retrato
De um tempo
Que voltar
Já não podia.

ROSTO
Que eu só 
Sentia
Interiormente
No que ele
Não me dizia
E na mudez
Gélida
De um olhar
Vago,
Em abalada,
À procura
Não sei 
De quê,
Talvez de nada.

EU SENTIA-TE
Como desejo
Onírico
De alma 
Vagante
À procura do que
Nunca 
Encontraria
Para além
De um corpo
Em fuga,
Já distante,
E memória
Dessa imagem
Que perdia.

DE TI, AFINAL,
Só me sobrou
Esse rosto,
Tudo o que
Me resta
Pra te sonhar
No longo
Intervalo
Entre mim
E uma vida
Pelo tempo
Devorada
Em que só já
Sobra o frio
Do silêncio...
............
E mais nada.

SILÊNCIO
Que se aninha
Cada vez mais
Dentro de mim,
Ameaçando
Emudecer-me
E tornar-me
Máscara
Gémea de ti,
Desenhada
Com palavras
Que já não
Encontrarei
Pois teu rosto
E teu rasto
Foi o que 
Eu já perdi...
............
E é por isso
Que de ti
Já pouco sei.

Artigo

NOVOS FRAGMENTOS (XXI)

Para um Discurso sobre a Poesia

João de Almeida Santos

“S/TÍTULO”. JAS 2025

PAUTA MUSICAL

A POESIA É ARTE e, por isso, mantém uma forte tensão com o belo, não só na forma, mas também na dimensão semântica, no ritmo e na força plástica para que possa tocar a sensibilidade de quem a lê. A poesia é partilha. É preciso senti-la para a compreender. O registo sinestésico ajuda a poesia a ser mais intensamente performativa. Ajuda a “visualizar” o poema, reinterpretando-o com as categorias da pintura e, deste modo, devolvendo-lhe expressividade visual. Mas a música é decisiva para tocar mais intensamente a sensibilidade de quem a lê, podendo, assim, também ouvi-la em surdina. Como quem lê uma pauta musical. Mas a semântica, o ritmo e a melodia ganham mais força e expressividade se forem complementados pela pintura em registo sinestésico. A pintura, com a sua linguagem, sinaliza uma linha interpretativa visual num texto fortemente polissémico e aberto. É este o sentido da sinestesia. Neste caso, o da pintura “Corpo”, a contraluz ajuda a compreender a (relativa) indecisão do poeta acerca da identidade da musa: (https://joaodealmeidasantos.com/2025/08/02/poesia-pintura-274/). E o corpo em contraluz materializa-a. Nele, de certo modo, com a contraluz, exprime-se a neblina do tempo onde a nitidez da imagem se esfuma. Mas é preciso não esquecer que o poeta é um fingidor e que para o fazer melhor usa artifícios retóricos e até sugere (ao pintor) corpos em contraluz. Nunca se saberá se a imagem desses corpos é realmente nítida ou “sfumata” pelo inexorável fluxo do tempo.

RECONSTRUIR A VIDA COM PALAVRAS

Lá dentro do poema “Ilusão” abunda fantasia, saída da alma com as pinças sofisticadas do espírito e da arte: (https://joaodealmeidasantos.com/2025/08/09/poesia-pintura-275/). Voam versos, levados pelo vento, à procura de quem os aceite e os faça seus. Mas trata-se de uma ilusão que não é sentida como tal. É o poder performativo desta linguagem que resolve a aparente ilusão, tornando-a realidade. Ilusão de verdade que se torna uma verdade diferente, uma verdade recriada com materiais plásticos, neste caso, palavras. Talvez seja isso. As palavras transportam sentido que pode ser partilhado, sentido como próprio. E, então, tornam-se realidade efectiva, emoção partilhada. Sobretudo porque elas voam como notas musicais para ouvidos sensíveis. Música que faz vibrar a alma e o corpo. E o poema acontece.

A POESIA É INFINDA

“A poesia é infinda”,  dizia um leitor. Sim, porque se trata de uma linguagem aberta – o mundo cabe lá dentro e não há fronteiras temporais. Pode-se dizer tudo com muito pouco. Um poderoso minimalismo. O milagre da poesia.

A MUSA E O ESTREMECIMENTO

Tem cautela, tem, o poeta – respondi eu a quem lhe dizia, glosando o Garrett, que devia ter cautela. É também por isso que ele finge que tudo é ilusão. E talvez seja. E talvez não. Diz isso num poema para que não se saiba se é mesmo puro fingimento. E quem sabe se não sente mesmo o que diz? Ilusão? Ou finge que é dor a dor que deveras sente, como dizia o poeta? Desvaloriza o poema dizendo que é artifício para fingir que algo acontece, iludindo-se e aquecendo-se com palavras no ambiente frio de uma memória atormentada. Mas a verdade é que – e para que não haja dúvidas – o poema começa logo por referir o “poeta fingidor” e termina dizendo que o amor (causa de poesia) é somente sonho. Mas não era o poeta Calderón de la Barca que, pela voz de Segismundo, também dizia que “la vida es sueño”, “una ilusión, una sombra, una ficción”? Que a musa também o seja até pode acontecer, embora eu pense que sempre haverá por ali o rasto de alguém que fez estremecer o poeta. Estremecimento: o big bang da poesia. Mas que o poema não exista é que é mais difícil de aceitar, quando, como alguém dizia, ele estava ali à frente a falar de ilusão… Mas eu respondo: é poesia. Negar-se poeticamente é sempre possível. A contradição faz parte da linguagem poética. É um recurso que pode intensificar o sentido, provocando espanto ou mesmo estupefacção. E, assim, induzir interacção. O que interessa, do ponto de vista da semântica, afinal, é o sentido do poema, como na fala do Segismundo. Na verdade, tive a ideia de fazer este poema em resposta a uma pergunta: “A musa existe?”. Na verdade, existe e não existe. Tem de existir mesmo que não exista. De outro modo nem haveria poeta. Não há estremecimento sem musa. O poema é sobre isto, este aparente e irresolúvel (a não ser pela poesia) paradoxo. Um poeta precisa de musas como do ar que respira. E ele respira palavras e com palavras. E com palavras gera vida.

TRANSFIGURAÇÃO

Mas é isto que acontece aos poetas se for verdade que a dor e o amor estão na raiz da poesia: “sobreviver (poeticamente) é encontrar um significado no sofrimento”. A poesia é procura e partilha activa de sentido… para o reviver. O poema  “Ilusão” tem como mote uma pergunta feita por uma leitora: “A musa existe?”. E o poeta fingidor responde, no poema, que não. E que nem sequer o poema existe. Que tudo é uma ilusão. Talvez seja. Ele gosta muito do Pirandello – de Così è (se vi pare) ou de Sei personaggi in cerca d’autore, por exemplo. Mas a verdade é que diz isto num poema. Não existe o poema onde diz isto? Talvez a resposta seja: sim e não. Ou melhor, que tudo seja híbrido, meio real e meio fantasia. Talvez. O Croce para dizer algo parecido falava do mitológico “ircocervo” (metade bode, metade veado), de quimera. Mas sempre se poderá dizer que a parte real é a que diz respeito à alma (o habitat da pulsão poética) e a parte da fantasia ao espírito e à forma. Transfiguração do real, onde a transformação conserva e destrói, produzindo uma realidade terceira, uma realidade mista, realidade e fantasia. A quimera existe? Sim e não.

ILUSÃO

Nesse poema (“Ilusão”) o poeta diz que a poesia, tal como o amor, não existe. O Bernardo Soares dizia sobre o amor: “nunca amamos alguém. Amamos, tão somente, a ideia que fazemos de alguém” (Livro do Desassossego, Porto, Assírio & Alvim, 2015, pág. 125). O objecto de amor é somente a projecção especular de uma ideia em que nos revemos, com que nos identificamos? Talvez se trate mais de imagem do que de ideia, pois esta pertence à esfera conceptual enquanto a imagem pode estar inscrita na alma como luz intermitente ou farol que ilumina. Ou talvez seja a convergência activa entre uma ideia que tem raízes profundas na alma e um outro ser humano. No outro revejo-me como num espelho? Curioso o que diz o Bernardo Soares a este propósito: “O onanista é abjeto, mas, em exata verdade, o onanista é a perfeita expressão lógica do amoroso. É o único que não disfarça nem se engana” (2015: 125). Não diria tanto, mas esta parece ser a consequência lógica do que ele diz. De qualquer modo, a ser assim, estamos perante uma ilusão sobre a dialéctica do amor. Bom, mas, afinal, o poema talvez seja mais um elogio da ilusão. Da magia. Da fantasia. Com ela, o tempo torna-se mais leve e o passado é reconstruído à medida do desejo. Melhor: a ilusão é leve e intangível como o tempo do poeta, o fluxo temporal, a durée. A ilusão é mais futuro do que passado, porque pode gerar uma tensão criativa. O passado pesa e amarra. Com a ilusão, libertamo-nos dele. Sonhamos e construímos futuro. Damos asas ao fluxo temporal, fazendo prosseguir o passado na linha do presente e do futuro. Sobretudo quando a ilusão é, tal como a poesia, caleidoscópica. A ilusão da cor, dos aromas, da harmonia dos sons, da brisa calmante. Tudo vai lá para dentro do poema e cria realidade. E a ilusão é tão intensa que chega a ser confundida com a realidade. Quando é alta a sua performatividade. Fazer coisas com as palavras, dizia o Austin. O poema pode ser isso tudo somente porque é poema. Dizer a verdade num poema sabe a ilusão. Só porque é poesia. Que não foi criada para contar a verdade. A verdade da poesia é ilusória, mesmo que seja verdade. Curiosa outra afirmação do Bernardo Soares sobre a ilusão: “Mas na arte não há desilusão porque a ilusão foi admitida desde o princípio. Da arte não há despertar, porque nela não dormimos, embora sonhássemos” (2015: 238). E vem daí o seu poder e a liberdade de que dispõe para tudo poder dizer sem mancha, sem culpa e sem contradição.

AS ASAS DO SONHO

A ilusão faz parte da vida e é ela que nos permite voar com as “asas do sonho”. O excesso de realismo sufoca, mata. Sonhando, resistimos à dor e ao peso insustentável da rotina. A poesia  também é um acto de resistência – pelo voo, pelo sonho, pelo desejo, pela ilusão. E pela leveza, que contraria o insustentável peso da existência… ou do ser. JAS@08-2025

Poesia-Pintura

TEMPO

Poema de João de Almeida Santos
Ilustração: “Travessia”
JAS 2022 (93x118, em papel de algodão,
310gr, e verniz Hahnemuehle,
Artglass AR70 em mold. de madeira)
Agosto de 2025

“Travessia”. JAS 2022

POESIA – “TEMPO”

CHRONOS
É o tempo
Em que tudo
Esmaece,
É neblina
Que cobre
O passado,
É juiz
Do que acontece
E decide
O que merece
Nele ficar
Registado.

O TEMPO
É escultor,
O tempo
É alquimia
Extrai
O ouro
Da vida
Pra só dela
Conservar
O que ela
Potencia.

MAS TAMBÉM É
Bruma
Espessa
Que dissipa
Os perfis
Que a vida
Desenhou,
Um certo rosto
Que já não vês,
Um perfume
Que se esvai,
Uma musa
Que por ti
Num certo dia
Passou,
Mas que desse
Passado
Não sai.

INEXORÁVEL,
O tempo
Desgasta
A vontade
De visitar
O passado
Que já não
Te pode sorrir,
Que já não
Podes tocar,
Onde já não
Podes ir
E não podes
Resgatar.

E ATÉ O POEMA
Vacila
Nessa espessa
Neblina
Onde tudo
Se esbate,
Bruma
Que cobre
O caminho
Que a vida
Nos destina
Pra travar
Esse combate.

MAS SUBSISTE
A memória
Que regista
O presente
Sob forma
De passado
Projectando
No futuro
O que será
Preservado.

ENTÃO O POEMA
Resiste,
Então o poema
Canta
O desejo
De futuro
E recria
O que na vida
Aconteceu
De mais intenso
E mais puro.

É O TEMPO
Da poesia,
O tempo
Da liberdade,
Reconstrói-se
Como futuro
O que já só era
Saudade.

“Travessia”. Detalhe

Artigo

NOVOS FRAGMENTOS (XX)

Para um Discurso sobre a Poesia

João de Almeida Santos

“Confissões no Jardim”. JAS 2023

SINFONIA

Se a poesia é dirigida à Musa, convocando todos para a viagem em direcção à sua morada, ela tem o valor de um beijo anunciado, de uma carícia partilhada, de afecto declarado, de um abraço público e de beleza oferecida. A poesia é sensível, delicada, dedicada, mas aspira a ser partilhada para existir. Cada palavra contém em si um subtil mundo de sentido e de sedução e procura sempre harmonia (semântica, musical, plástica) com a palavra que se segue. E assim, sucessivamente, até se tornar sinfonia audível, em surdina. Uma cadeia melódica e rítmica. O poeta é, ao mesmo tempo, o compositor e o director de orquestra. E não pode deixar de ter público, quem frua. O poema é a pauta onde a melodia e o ritmo estão inscritos numa cadeia de sentido e de beleza plástica. Sinfonia. “Minha alma”, diz o inexcedível Bernardo Soares, “é uma orquestra oculta: não sei que instrumentos tangem e rangem, cordas e harpas, timbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia!” (Livro do Desassossego, Porto, Assírio & Alvim, 2015, pág. 262). E não era poeta, este Bernardo Soares. Imaginem se fosse. Todo ele seria uma autêntica casa da música. Mas, na verdade, tudo parte de uma relação de sensibilidade do poeta com a vida (a componente dionisíaca), evoluindo, depois, com a intervenção das categorias da arte (a componente apolínea) – da alma para o espírito, onde tudo ao mesmo tempo se conserva e se transfigura. O resultado é uma exuberante sinfonia de sentido para almas sensíveis. É isso que o poeta procura criar. É isso que o move, por razões que a razão desconhece.

SAUDADES

As saudades, doem. É verdade. E elas não resultam, nem podiam resultar, de um acto de vontade. Desejo ter saudades que doem? Não, não desejo, mas elas acontecem, independentemente da minha vontade. Muitas vezes são saudades tão-só do desejo insatisfeito. Do que não aconteceu, mas que se desejava que tivesse acontecido. Saudades e sonhos e do que havia nesses sonhos (Bernardo Soares). Mantém-se o desejo impossível e isso dói. Mas se o desejo aconteceu daquela forma tão intensa, e de que ainda se tem saudades, então, é sempre possível convertê-lo em força propulsora de beleza, através da arte. Voltar a sonhar e, assim, resolver a saudade de uma forma superior e partilhada.

INDETERMINAÇÃO

A indeterminação relativa à musa no meu poema “Quem és tu?” (https://joaodealmeidasantos.com/2025/08/02/poesia-pintura-274/ ), a que alude o título, é própria da poesia e da condição de poeta. Como ele vive no interior da própria memória é natural que o perfil da musa se esfume “na bruma espessa do tempo” e isso doa, doa muito. É como ir perdendo-a. É por isso que ele, ajudado pelo pintor que o habita, tenta dar forma a rostos como modo de atenuar os efeitos da bruma e da perda progressiva. A coisa é tão drástica que ele, a um certo ponto, já nem sabe quem ela é. Efeitos da espessa bruma do tempo. Ou, pelo menos, tem dúvidas. Claro, há aqui um efeito de “sobredeterminação” (o conceito é do Louis Althusser, em Pour Marx: “surdétermination”) do discurso pela lógica da linguagem poética, que é uma linguagem cifrada, e pelos efeitos do tempo poético, que é um tempo subjectivo.  Que é, digamos, kairótico. E acontece a bruma, uma neblina existencial que envolve o poema, a interpretação e, claro, a musa. A bruma do tempo. É quase um campo semântico para iniciados, onde o mistério fascina, atrai e muitas vezes desconcerta. É nessa bruma que o poeta navega.

MAS A MUSA EXISTE?

Mas se o próprio poeta já não sabe bem quem ela é (o título do poema era “Quem és tu?”) como haveria eu de saber se essa musa existe? Foi assim que respondi a essa pergunta e à afirmação de que o poeta cria subterfúgios, como o Pessoa, para manter a sua própria condição de poeta. Não sei, talvez. Mas sei uma coisa: sem musa não há poeta que sobreviva. Seja ela quem for, tem de existir, nem que seja somente na imaginação do poeta, embora eu pense que haverá sempre o rasto de alguém que passou por ali, pela sua vida.  Ele, na condição de pintor, às vezes, lá vai dando forma a rostos. Figuração para efeitos poéticos. Pretende assim sair dessa desconfortável indeterminação. Mas a pergunta subsiste: esses rostos têm referentes? Pode acontecer que tenham ou também que num rosto haja marcas de outros rostos, numa lógica equivalente à da oitava estrofe deste poema. O Pessoa criou, sim, personagens que até poderiam girar em torno de uma só musa. Por exemplo, da famosa Ofélia. E parece que o Eng. Álvaro de Campos não gostava lá muito dela, da Ofélia (nem ela dele), e estava sempre a criar problemas à relação do Pessoa com ela.  Isto é referido, se bem me recordo, por Richard Zenith na sua monumental e muito bela biografia do Pessoa (Lisboa, Quetzal, 2022). Aqui era ao contrário: uma concreta musa para um personagem inventado. Tudo na poesia é reversível. Até o tempo e os personagens. E é isso, sim, que mantém vivo o poeta ou a condição de poeta. Ainda por cima ele, o poeta, nunca sabe se as mensagens (beijos escritos) chegam à musa porque os fantasmas estão sempre à espreita. Alimentam-se deles, os marotos. E, assim sendo, ele não pode parar, na esperança de que, um dia, um beijo chegue lá, à morada da musa. Mas o carteiro é o vento e como poderá, pois, ele saber se a mensagem chegou? Ainda por cima com esses caçadores de beijos que são os fantasmas… Só pode saber mesmo através do eco do silêncio dela, um sinal que só  eles, os poetas, conseguem ouvir e interpretar. Eu penso que a função do poeta é interpretar o silêncio das musas, o seu eco, e dar-lhe, depois, forma num poema. Como poderia, pois, não haver musa?

RESGATE

A pintura (“Corpo”, para o poema “Quem és tu?”) é o resgate possível. Esfumas-te? Pois, então, eu retrato-te para te poder fixar e beijar com palavras, com um poema. Na poesia há sempre uma certa neblina. E o tempo cronológico, o de Chronos, vai esfumando o perfil da musa, gerando melancolia na alma do poeta. Então ele contrapõe-lhe o seu tempo subjectivo (kairótico) e restaura a figura da musa à medida do desejo. Que é sempre quente ou aquecido. E, claro, a pintura sinestésica ajuda, oh, se ajuda, como se pode ver pela ilustração. O resultado é o tempo restaurado. Mas a neblina permanece sempre, mesmo quando o perfil da musa está desenhado com rigor. É sempre indefinida a fronteira entre o real e o imaginário. É poesia.

O DESEJO E O SONHO

O poema também é um sonho. Sonha o poeta e sonha o leitor. Cada um deles relaciona-se com o poema como se fosse um espelho espiritual – reconhece-se nele a partir da sua própria experiência existencial. É por isso que a linguagem da poesia é flexível e cifrada. Cada um pode aceder-lhe com os seus próprios códigos. Nela podemos sonhar as nossas próprias musas à medida do desejo.

SOPRA O VENTO...

Onde há fumo é porque há fogo. Mas, como dizia o poeta, é fogo que arde sem se ver. Mas arde. E quando o vento sopra mais forte mais o fogo se atiça. O problema (para o poeta) é que, sabendo porque sopra, já não sabe de onde, naquele momento, vem o vento. Porque não se vê o fumo. Arde sem se ver. Às vezes sabia porque o vento lhe soprava de frente. Porque a via e estremecia, tal a força desse vento que chegava com ela.  Mas ele agora tem palavras para suster o vento e não deixar que o fogo se transforme em gigantesco incêndio que queime tudo à sua volta. Digamos que as palavras funcionam como o “contrafogo”, para que o fogo seja controlável e não produza estragos. Acendo-lhe um fogo em sentido contrário àquele para onde o fogo se dirige, queimo o restolho (com palavras) e impeço o fogo de avançar porque já não encontra combustível no caminho. A poesia é contrafogo. Mas que o vento continua a soprar-lhe na alma, isso é verdade. Em tempo de frio o fogo até lha aquece. Os poetas vivem sempre num ambiente frio, embora com alma quente e sujeita ao fogo (que arde sem se ver). Frio pela ausência, pelo silêncio e pela distância. As palavras têm força moderadora sobre a sua alma, espiritualizando-a. E nesse movimento locutório o que acontece é que esse fogo que arde sem se ver passa a poder ser partilhado, aquecendo outras almas e sem perigo de as incendiar. O contrafogo manteve o fogo lá onde estava sem o deixar alastrar.

 IMPERFEIÇÃO

“O perfeito é o desumano, porque o humano é imperfeito”, diz o Bernardo Soares (2015: 248). A forma de nos libertarmos do humano, da dor, do fracasso, da tristeza, da melancolia é procurarmos atingir a perfeição… que já não é humana. Não nos libertamos, passamos para uma outra condição. Mas, depois, acontece que nunca atingimos a perfeição e, por isso, continuamos humanos, embora com a utopia na alma.  Pois é, e é aqui que reside o problema, mas se, como diz o imprevisível Bernardo Soares, “não houver terra no céu, mais vale não haver céu” (2015: 249). Verdade? O céu é de cada um?  Por isso, quando voo com ela no azul do céu estou a levar a terra (talvez o pecado) para o céu, garantindo a sua existência como céu (na terra). Não se pode conceber a existência do céu sem o seu contraponto, que é o pecado. Não atinjo a perfeição, mas torno o céu mais humano. E a minha humanidade mais sedutora. A sedução do pecado.JAS@08-2025