No Logo

João de Almeida Santos

I.

The Economist (8-14/09/01) dedicou a sua atenção ao livro de Naomi Klein «No Logo»* (Milão, Baldini&Castoldi, 2001), já considerado como a bíblia dos movimentos antiglobalização. Discordando radicalmente das teses da autora, concedeu-lhe, todavia, toda a capa, embora com um título nitidamente adverso: Pro Logo. O dossiê é claro na refutação da linha radical de esquerda da autora. Mas não creio que a argumentação expendida atinja o essencial do discurso de Klein. Os argumentos são, com efeito, de uma candura impressionante: «a verdade é que as pessoas gostam de marcas; elas não só simplificam as escolhas e garantem a qualidade, mas também acrescentam divertimento e interesse». Tal como «têm uma qualidade de culto que cria um sentimento de pertença». Ou, como diria Mr. Olins: «num mundo irreligioso, as marcas proporcionam-nos crenças». Ou, ainda, os consumidores são exigentes e soberanos e as marcas cada vez mais têm de corresponder às suas exigências. De resto, a evolução das marcas para uma efetiva intervenção social parece ser já um fato, segundo «The Economist». Mas, acrescenta, com evidente sabor crítico: «no futuro, a diferença consistirá em que serão os consumidores, e não os filantropistas, quem ditará a agenda social». Sentimento de pertença, crenças: o mundo das marcas como eficaz substitutivo das ideologias e das religiões. Tal parece ser a lógica da ideologia consumista: o clube cromaticamente correto da Benetton ou a mundividência mobilizadora da «empresa desportiva» Nike, que mantém permanentemente viva «a magia do esporte» (Klein, 2001: 44). Em particular, quando as marcas se lançam na busca incessante de «estilos de vida», de «intensidades afetivas» que aprofundem e «marquem» a relação com o consumidor, dando origem a afinidades coletivas mobilizadoras, envolventes, onde o sentimento de pertença é ativo e distintivo. É assim que a Polaroid surge não como máquina fotográfica, mas como «lubrificante social», que a IBM não vende computadores, mas fornece «soluções» para as empresas, que a Swatch não é simples marca de relógios, mas o «próprio conceito de tempo». Ou a «visão do mundo» que se transforma em «visão de marca». Ou seja, quando a nossa relação cognitivo-emocional com o mundo surge mediada irremediavelmente pela mundividência da marca: «Just do it», ou a força de decisão de quem usa sapatilhas Nike. Ou «a marca como experiência, como estilo de vida»: quando a simples «mercadoria» passa a sofisticado conceito. Ou quando as empresas se tornam autênticas promotoras de significado, ou de sentido (Klein, 2001: 40).

II.

A verdade é que o dossiê do «The Economist» não se confronta com o essencial do livro de Naomi Klein. É certo que o seu posicionamento está numa clara linha de radicalismo de esquerda e que a sua é uma crítica impiedosa do capitalismo que se exprime nas grandes multinacionais. E que, aparentemente, dá continuidade à velha linha crítica anti-imperialista própria do radicalismo de esquerda tradicional, daquele que se alimentava de ideologias de expressão marxista. Só que o faz justamente em moldes completamente novos. Pressupondo já uma clara distinção entre imperialismo e novo império pós-nacional. Ou seja: a poderosíssima rede de poderes fortes multinacionais que domina a cena mundial, para além dos próprios Estados nacionais, nos vários planos que vão desde a esfera produtiva até ao domínio do simbólico (v. Toni Negri, L’«Empire», stade suprême de l’impérialisme, in «Le Monde Diplomatique», Janeiro, 2001, pág. 3). Klein vai diretamente ao assunto, sem se deter em reflexões abstratas sobre os grandes princípios ou sobre as grandes fraturas que determinariam a evolução da história. Não parte, portanto, de uma ideologia sistematicamente organizada que determinaria previamente as opções de leitura do real, não se filiando explicitamente na mesma tradição que serviu de denominador político-ideal comum às ideologias radicais de esquerda, o marxismo. Verifica-se, todavia, na obra, uma influência explicitamente assumida, a da Internacional Situacionista, de Guy Debord, no caso da culture jamming, ou interferência cultural: os sabotadores (jammers) que, utilizando a técnica do desvio simbólico, invertem militantemente, para o ferir de morte, o sentido das fórmulas publicitárias das grandes marcas multinacionais. E que praticam um autêntico «Robin-Hoodismo semiótico» (Klein, 2001: 247-284). Klein analisa o modus operandi das grandes marcas multinacionais para daí retirar as suas conclusões e os ensinamentos sobre o melhor modo de as combater. Para ela, o poder político transnacional reside verdadeiramente nas multinacionais, pelo que é a elas que o combate se deve dirigir: «as empresas não se limitam a fornecer os produtos que nós pedimos, mas são também as mais potentes forças políticas do nosso tempo («em condições de fixar a ordem do dia da globalização»)»; «os dados hoje disponíveis falam claro: sociedades como a Shell e a Wall-Mart deliciam-se com lucros superiores ao produto interno bruto da maior parte dos países e na classificação dos 100 melhores sistemas econômicos do mundo há 49 nações e bem 51 empresas multinacionais» (Klein, 2001: 318).

III.

O discurso centra-se em três frentes fundamentais.
Em primeiro lugar
, no sistema produtivo que alimenta as multinacionais. Ela constata que estas exploram, em condições inacreditáveis, a mão-de-obra indefesa do terceiro mundo, recorrendo às tristemente famosas EPZ (Export Processing Zones), ou zonas livres de produção, situadas em países que aceitam criar autênticos enclaves produtivos libertos das normas mínimas que devem regular qualquer processo produtivo, verdadeiros paraísos fiscais, «territórios soberanos nos quais as mercadorias não se limitam a transitar, mas são efetivamente produzidas sem taxas de importação/exportação e, frequentemente, sem impostos sobre o rendimento ou sobre a propriedade» (Klein, 2001: 183), zonas onde impera uma autêntica ordem de tipo militar e onde os direitos sociais e políticos dos trabalhadores são coercitivamente impedidos.
Em segundo lugar, as multinacionais não só tendem a desativar todos os seus centros de produção nos países desenvolvidos, gerando desemprego, como também tendem cada vez mais a generalizar, nos seus próprios postos de venda, a precariedade laboral.
Em terceiro lugar, elas não só pretendem apropriar-se do poder político como também procuram fagocitar todo o espaço público para impor o mundo da marca como autêntico «way of life», saqueando culturalmente o próprio espaço mental (Klein, 2001: 319). Estes três aspectos resumem o essencial das dimensões que Klein põe em relevo nesta vasta obra, com enorme abundância de exemplificações e de análise empírica no terreno. O novo mundo é o mundo da marca, não o universo do produto. É o mundo do branding e não o universo da produção. Às marcas multinacionais deixou de interessar o processo produtivo, que alienam em subempreitadas por esse mundo fora. O que lhes interessa é a marca, o símbolo envolvente, o estilo de vida que promovem, a alusão a formas de autêntica experiência cultural. Gastam mais na publicidade do que no próprio processo produtivo. Processo que alienam, libertando-se de todas as obrigações sociais a ele inerentes. Elas tendem, por isso, a esquecer e a ocultar as condições em que decorre a produção para se empenharem no processo de promoção do universo simbólico que a marca representa. Enquanto a produção decorre no terceiro mundo, e nas condições de exploração que são conhecidas, a marca afirma-se no primeiro mundo com os lucros que também são conhecidos: «Não obstante todos os discursos retóricos sobre o Mundo-Globalizado-e-Unido, o planeta permanece sempre claramente dividido em produtores e consumidores e os enormes lucros obtidos pelas grandes empresas baseiam-se no pressuposto de que estas duas realidades contrapostas permanecem o mais possível separadas entre si»; «é como se a cadeia de produção global fosse baseada no pressuposto de que os trabalhadores do hemisfério Sul e os consumidores do hemisfério Norte nunca conseguissem encontrar um modo para comunicar entre eles» (Klein, 2001: 327-28). Naomi Klein percorre o vasto e complexo universo das marcas para lhes descobrir as grandes contradições, querendo, com isso, pôr a nu as próprias contradições da globalização econômica neoliberal e, por essa via, as contradições do capitalismo. A incursão no universo daquilo a que eu chamaria pós-publicidade das marcas tende a mostrar que vivemos cada vez mais num mundo simbolicamente colonizado por uma nova lógica mercantil, onde os próprios espaços de liberdade cultural que ainda restam começam também eles a ser sinalizados sub-repticiamente pela marcas. São os patrocínios. Ou mesmo mais do que os simples patrocínios: as marcas querem mais do que patrocinar a cultura. Elas querem ser a própria cultura. Lembro, a propósito, a mais recente publicidade da Benetton feita em co-produção com um organismo da própria ONU. Poder-se-ia falar de «co-branding» (Klein, 2001: 52). Os alvos de Klein são as grandes marcas multinacionais. Ela própria fez uma investigação exaustiva, deslocando-se designadamente a vários países do terceiro mundo onde estas têm os seus centros de produção. Coloca-se numa clara posição de contestação radical deste universo. E aprofunda a análise dos movimentos que têm vindo a dedicar-se à contestação das multinacionais, descrevendo as suas razões, as suas estratégias e as suas finalidades.Não se trata de uma obra de reflexão sobre as grandes causas morais ou sobre os grandes princípios. Eles estão lá, mas do que se trata é de entrar concretamente no assunto. O que faz de forma admirável. Como ela própria diz: «o ponto axial deste livro é uma simples tese: quanto mais pessoas tomarem conhecimento dos segredos da rede global das marcas e dos “logo“, tanto mais a sua indignação alimentará o grande movimento político que se está a formar, isto é, uma vasta onda de contestação que tomará como alvo precisamente as sociedades transnacionais, em particular as que têm marcas mais conhecidas» (Klein, 2001: 19). Não se trata de uma realidade insignificante. As pessoas que trabalham nas cerca de 1000 EPZ são 27 milhões, em todo o mundo e em cerca de setenta países. Indonésia, China, Sri Lanka, México, Filipinas, Nigéria, Coréia do Sul (conhecida nos anos oitenta como a «capital mundial dos tênis para ginástica»), Hong Kong, Guatemala, etc., etc., para outras tantas marcas multinacionais, Nike, Reebok, Burger King, Disney, Levi’s, Wall-Mart, Champion, General Motors, Shell, McDonald’s, Coca-Cola, Starbucks, Pepsi-Cola, Microsoft.

IV.

A questão é vasta. Como diz Ulrich Beck: «poder-se-ia dizer que aquilo que para o movimento dos trabalhadores do século XIX foi a questão de classe, no limiar do século XXI é, para as empresas que agem numa dimensão transnacional, a questão da globalização. Com a diferença essencial, todavia, de que o movimento dos trabalhadores agia como um contra-poder, enquanto as empresas globais até agora agem sem um contra-poder (transnacional)» (Ulrich Beck, Che cos’è la globalizzazione, Roma, Carocci, 1999: 13-14). E esta é, de fato, a diferença, já que a crise do Estado-Nação, ainda sem reais contrapartidas transnacionais, deixou estas empresas sem controle político e social visível, permitindo-lhes que se movam livremente no fluxo global, «fazendo o ninho» onde a meteorologia política e social se apresente mais favorável. Autênticas empresas-andorinha capazes de múltiplas migrações na geografia mundial do trabalho (Klein, 2001: 207). Se é verdade que é no seio das democracias nacionais que operam os mecanismos de controle e de regulação das instâncias de poder econômico, produzindo-se, assim, uma efetiva presença da legitimidade social no interior dos processos sociais, a globalização, superando os Estados nacionais, gera, por isso mesmo, um efetivo vazio de mecanismos de controle nesta escala, permitindo, por isso, que os processos transnacionais se expandam sem regras, sem regulação. O princípio exclusivo passa a ser, então, o do menor custo para um máximo de lucro. Aliás, a ausência de mecanismos democráticos de garantia e de controle constitui a base de partida comum para que as migrações das empresas se concretizem: procuram países não democráticos ou de democracia mitigada e, no interior destes, zonas onde os direitos e as obrigações sociais são ulteriormente reduzidos, as famosas EPZ. É certo que os movimentos antiglobalização contestam as políticas das grandes instituições internacionais, como a OMC, o Banco Mundial ou o FMI. Mas também é certo que se o livro de Klein ganhou o prestígio de bíblia destes movimentos foi porque encontrou uma frente bem concreta de luta e uma lógica bem precisa de combate que envolve a esfera da exploração no processo produtivo, mas também a esfera da opressão simbólica da pós-publicidade. Todo um programa que vai do produto ao símbolo.

V.

Em boa verdade, os movimentos antiglobalização nem se consideram como tal: «no-global é um “logo”, e nós somos no logo», diz Luca Casarini, porta-voz das «tute bianche» e dos Centros Sociais do Nordeste italiano; «somos “global”», acrescenta, mas «mas somos por uma globalização dos direitos, das solidariedades». Eles combatem a globalização neoliberal, mas também afirmam aqueles que são os valores clássicos do velho radicalismo de esquerda: a excelência da dimensão comunitária, o primado da experiência cultural contra a ditadura das fórmulas abstratas e opressivas, o triunfo dos direitos e das garantias, a força da solidariedade, o primado da autenticidade contra a cultura da hipocrisia, o domínio da ética. Mas o filósofo italiano Massimo Cacciari vê – e a meu ver bem – nestes movimentos uma lógica de afirmação oposta à dos movimentos «vanguardistas» tradicionais, que se punham o problema da hegemonia e da respectiva forma organizativa: então, no Maio de ’68, por exemplo, existia «um método dedutivo, com o qual se aplicava um esquema pré-determinado – em geral uma das variantes contempladas na tradição que vai das posições de Lênin àquelas, bem diferentes, de Rosa Luxemburgo». «Hoje, parece-me, aplica-se um critério indutivo e experimental na organização do movimento» (in «MicroMega», Roma, 4/2001: 25). Posta a crise das formas tradicionais de representação, um método deste tipo dá mais força democrática e maior expressividade aos próprios movimentos. Trata-se de redes, num duplo sentido: por um lado, exprimem diversas experiências e filões culturais que se condensam e articulam em ações estratégicas precisas e, por outro lado, comunicam em rede, também no seu sentido literal, o da Internet. Uma das críticas que é habitualmente feita a estes movimentos consiste em afirmar a sua contraditoriedade, já que sendo movimentos antiglobalização se servem de instrumentos que são produtos da própria globalização, desde o sistema dos media até à Internet.

VI.

A obra da Klein demonstra que a contradição é puramente retórica: os movimentos têmum alvo bem preciso, a globalização neoliberal, maximamente desregulada, as suas práticas e a sua mundividência. As suas práticas são contestadas pela verificação no terreno dos seus efeitos, pelo aumento exponencial da fratura entre os mais ricos e os mais pobres: nos últimos dez anos, a pobreza intensificou-se por todo o lado e, atualmente, os países mais pobres gastam mais para pagar a dívida aos países ricos do que para fornecer assistência sanitária e educação aos próprios cidadãos (Ulrich Beck, Manifesto cosmopolitico, Trieste, Asterios, 2000: 10). A sua mundividência é contestada pela incessante e progressiva colonização simbólica do mundo da vida, sob o registro da mercantilização dos espaços públicos físicos e mentais, suscitando, como reação, um desejo irreprimível de reconquista permanente de espaços livres da invasão publicitária e mercantil. Trata-se, entretanto, de uma geração que cresceu e se desenvolveu no interior da cultura da marca: que, portanto, a sente por dentro vivendo-a como opressão interior. É claro que não é possível reduzir estes movimentos à sua expressão mais violenta, como apressadamente alguém já fez. Do que se trata é de respostas à crise de representação que se verifica no novo universo político global, após a queda da utopia comunista e perante o domínio exclusivo da utopia consumista, daquela que tem por lema: «se não estás em toda a parte não estás em parte nenhuma». Os valores cosmopolitas que ficaram sem representação política foram assumidos por movimentos de diversa inspiração, mas que exprimem razões profundas e não anuláveis. A questão da legitimidade destes movimentos e do seu protesto não é, entretanto, redutível à simples expressão do voto. Estes movimentos exprimem transversalmente causas e, por isso, não é possível medi-los com o metro da simples legitimidade institucional. São movimentos que respiram com o pulsar das sociedades modernas. Que exprimem novas formas de procura do social e do político, incompreensíveis com as categorias da primeira modernidade, já que irrompem a partir de novas «contingências, complexidades e incertezas» (Beck, 2000: 5). E irrompem num tempo em que a política global apenas se sente como expectativa, mas quando ainda não encontrou efetiva consistência, aquela consistência que, por exemplo, se pode, hoje, encontrar nas organizações nacionais – sindicatos, por exemplo – que interagem fortemente com as respectivas instituições políticas. E isto porque a política global ainda vive no limbo do simulacro midiático. Texto publicado em www.rizoma.net (Intervenção: sem logo). * Publicado no Brasil como Sem Logo (2002, ed. Record).

Medios y poder

Jornadas «El futuro de la industria de comunicación». Junta de Galicia. Club Internacional de Prensa. Santiago de Compostela, Sede de la Fundación Caixa Galicia (23.10.2008).
Conferencia Inaugural por João de Almeida Santos.

«Medios y poder: cambios y perspectivas
en las relaciones entre política, medios y comunicación»

(La anemia democrática)

Si alguien me pidiera diagnosticar la principal enfermedad entre las que padece la democracia representativa, yo diría, sin dudarlo, que se trata de una anemia del poder político de origen electivo. Sí, lo diría, aunque estemos viviendo una grave crisis en el sistema financiero – importante pilar estructural de nuestros sistemas sociales – que muchos ya comparan a la crisis del ’29 y que es una clara demostración de la impotencia de los poderes electivos ante los círculos del poder financiero mundial. Y haría este diagnóstico sin referirme también a aquella causa que tantos analistas consideran una de las principales de esta anemia: la globalización de los procesos económico, financiero y decisional. Finalmente, lo diría sin referirme a la clásica teoría de la partitocracia que remetía la explicación para la confiscación del poder institucional por los directorios partidarios. No, no me referiré ni a crisis financieras ni a los problemas de la globalización ni a la partitocracia, porque es mi convicción profunda que los problemas más graves de nuestra democracia representativa son de orden institucional, interna, estructural y de larga duración y deben ser comprendidos con la contribución de la teoría de la comunicación. ¿Cuales son, entonces, esos problemas institucionales, estructurales, internos y de larga duración? Los identificaré en cinco puntos.

1º. El primero tiene que ver nada menos que con el corazón de la democracia: el principio electivo (sin elecciones no hay democracia) y la representatividad institucional de los políticos. El actual poder político es y se presenta como un poder anémico. Con anemia por desvitalización, por diluirse y hacerse líquido. Porque este poder está muy frágil, sin fuerza. Su fuerza, lo sabemos, provenía de la estabilidad, de la legitimidad de mandato y de la eficacia del mandato no imperativo. Esta estabilidad, lo sabemos también, resultaba del reconocimiento de que la «separación» entre representantes y representados, entre «sociedad política» y «sociedad civil», era la condición misma de la representación política. Y el mecanismo que traducía políticamente esta «separación» – que Hegel consideraba la fractura principal de la modernidad (Ritter, 1977: 43-46) – era el «mandato no imperativo», o sea, la transferencia, no revocable, de soberanía del ciudadano hacía su representante. El resultado era una representación legítima, estable y eficaz. Se obtenía así una legitimidad de mandato y un mandato de legislatura que permitían la adopción de medidas estratégicas de interés público sin necesidad de obtener permanentemente el consenso del público. El contrato social se mantenía intacto y la democracia funcionaba plenamente. Algunos autores, como, por ejemplo, Alain Minc, en «L’ivresse démocratique» (Minc, 1995), subrayan el papel de la vieja clase media y del Estado social en esta estabilidad. Lo que también es verdad. Pero el corazón del sistema representativo reside en el «mandato no imperativo» y en la «legitimidad de mandato». En nuestros días, esa «separación», como la conocíamos, ha sido superada por nuevos «vínculos inorgánicos», por nuevas relaciones de comunicación entre el poder y el público.

(Representación)

2º. La segunda causa consiste en una excesiva expansión de la representación y en su exclusiva conversión escénica. Ha sucedido que la vieja idea de la representación política, fundamental en la democracia representativa, ha conocido una tal expansión interna que terminó constituyéndose como espacio conceptual donde se ha verificado la mayor «confusión de géneros» en la historia del pensamiento político. La verdad es que en el universo de la representación política caben hoy, cada vez más: a) los tradicionales representantes políticos institucionales, pero también b) el «cuerpo orgánico» de la opinión pública: medios e «agentes orgánicos» del sistema mediático; c) los representantes de las clases, de los órdenes profesionales, de las asociaciones, etc.. Si el concepto de representación ya expresaba los sentidos jurídico, político, diplomático y escénico – algunos de los cuales se volverían orgánicamente funcionales a la representación política -, ahora, con la amplia expansión interna del concepto de representación política más allá de sus fronteras convencionales y su exclusiva conversión escénica, todos estos agentes sociales desempeñan su función de representación, sí, en el interior del sistema institucional, constitucionalmente y legalmente previsto, pero también en el espacio público de comunicación, interpelando directamente al público. Es cierto que en la dialéctica institucional estos representantes sociales o profesionales (sindicatos, confederaciones, órdenes profesionales, asociaciones) se expresan en su lenguaje corporativo, pero en el nuevo espacio público de comunicación ya se expresan como verdaderos agentes políticos ante un público universal. Es verdad. Todos los días asistimos, en los telediarios de las ocho, a las «performances» políticas de estos representantes, intentando influir y convencer directamente al público e, indirectamente, al poder político de sus razones y del interés público de sus reivindicaciones. El nuevo espacio público de comunicación es hoy una variable fundamental de todas las estrategias corporativas o políticas, sectoriales o universales que sean. Toda representación tiene hoy una dimensión escénica imprescindible, como ejercicio de poder. La representación o es escénica o no es verdadera representación. Es en este sentido que hablo de funcionalidad orgánica de la representación escénica respecto a la representación política. Como dice Manuel Castells, «el mensaje político, por lo tanto, es necesariamente un mensaje mediático» (Castells, 2007). Y es esta dimensión mediática y escénica que confiere universalidad a las prestaciones políticas de los representantes sociales o profesionales cualquiera que sea la representatividad que puedan exhibir. O sea, el espacio público de comunicación, especialmente la televisión (Santos, 2000), confiere universalidad a lo que es simplemente particular o individual ante la universalidad formal de las instituciones públicas. ¿Cómo? En dos tiempos: por un lado, en el acto mismo de hacer público lo que es privado y, por otro, haciéndolo público le confiere una difusión universal que no tenía. Universal sea porque gana una dimensión pública sea porque es universalmente difundido. Así, con esta evolución y expansión interna, hacía la universalización de las representaciones particulares, la representación política formal o institucional termina por perder su sentido originario.

(El ciudadano que se vuelve público consumidor)

3º. Una tercera causa de dicha anemia política tiene que ver con el concepto de ciudadano. El proceso a que nos referimos presupone una mutación profunda en la parte opuesta del sistema, o sea, en el concepto de ciudadano, el receptor de la comunicación política. Es una consecuencia lógica de la centralidad política del espacio público de comunicación que el ciudadano se vuelva público, espectador o consumidor de productos simbólicos, de bienes culturales, en el sentido que le dio Adorno en la «Dialéctica del Iluminismo». Una diferencia radical que cambia la relación política ciudadano-representante. Las categorías de público, espectador o consumidor son categorías menos determinadas, más vacías, más neutrales, transversales y pasivas que la categoría de ciudadano activo. Aquellas pueden ser destinatarias de los más variados productos en una relación de tipo vertical, de tipo sujeto-objeto, de tipo «one-to-many». El discurso orientado hacía el consumidor debe por eso obedecer a padrones muy diferentes de los que integran los discursos orientados hacía el ciudadano activo. Ciudadano que no es reducible a la dimensión pragmática e instrumental del consumidor o del público, porque es más complejo. Pero, la homologación de la política al discurso mediático y su adaptación a las exigencias operativas del nuevo espacio publico de comunicación, a sus códigos, a sus tiempos, a su velocidad, a su lógica han generado una equivalencia funcional entre los conceptos de público, espectador e consumidor y el concepto de ciudadano, permitiendo, con eso, una perfecta homologación del discurso político al lenguaje del marketing y de la publicidad (Castells, 2007). En el análisis del proceso de construcción de su «flash party», «Forza Italia», y de su campaña electoral de 1994, he podido verificar que Berlusconi ha desarrollado hacía un nivel muy radical esta operación de (1) reducción del ciudadano a espectador. Construyendo alianzas políticas (y territoriales) de tipo tradicional muy eficaces, él ha, después, (2) radicalizado el modelo de partido conocido como «catch all party», partido electoral-profesional, y ha (3) aplicado con eficacia dos modelos para la captación de electores: la «espiral del silencio», de Noelle-Neumann, sobretodo a través de la inflación de los resultados de sus sondeos a fin de influir sobre los indecisos (llegó a aumentar artificialmente estos resultados en 14 puntos); y el modelo «two step-flow of communication», de Katz y Lazarsfeld, sobretodo a través de la creación de los «Club Forza Italia» como segundo nivel de difusión interpersonal de los mensajes provenientes de sus centros de producción e de comunicación de mensajes políticos. Pero Berlusconi ha también desarrollado otra técnica muy funcional e orgánica al nuevo espacio público de comunicación: (4) la personalización integral de su mensaje político, construyendo en torno a si una «favola bella», una narración muy bonita en condiciones de seducir el espectador, el público, consiguiendo obtener su adhesión a su propuesta. Aquí podríamos también hablar de la «televisión para sordos», como Karl Rove (Jesús Timoteo, 2007). Estas operaciones fueran posibles porque el ciudadano ha cedido el paso al consumidor de productos propios del mercado de bienes inmateriales, a productos para un consumidor de tipo televisivo. Sus mensajes, inclusa su «discesa in campo», fueran construidos con las mismas categorías del discurso televisivo, orientados hacía sus respectivos «targets» y transmitidos in modo diferenciado por sus canales televisivos: Canale 5 para la clase media, Italia 1 para los jóvenes, Retequattro para las domésticas. La política ha sido integrada en el mercado de las «industrias culturales», en el sentido adorniano, y así es posible identificar, glosando a Karl von Clausewitz, la política berlusconiana como «continuación del audiovisual por otros medios». Así, emerge otra importante característica de la política berlusconiana: en ella (5) la demanda (las expectativas del público) precede la oferta (los candidatos, los programas, los valores, las ideas). En un proceso donde las técnicas de investigación de las expectativas del consumidor político (sondeos, encuestas y estudios de opinión) son fundamentales sea para formular los programas y los discursos y mensajes políticos sea para seleccionar los candidatos. Claro, las técnicas de marketing y los instrumentos para difundir el mensaje político son también decisivas. Estos modos de hacer los conocía y los tenía abundantemente Berlusconi en su Fininvest, en su Grupo. Y como dice Castells: «la política es, en primer lugar, una media politics» y los ciudadanos «consumidores en el mercado político». Es por eso que alguien ha hablado en lección schumpeteriana de Berlusconi (Ilvo Diamante, por ejemplo), sin duda pensando al libro Joseph Schumpeter «Capitalismo, socialismo y democracia», de 1942, y a las palabras que él pone en la boca de uno de los más experimentados políticos de siempre: «lo que los hombres de negocios no comprenden es que tal como ellos trabajan con el petróleo, yo trabajo con los votos» (Schumpeter, 1974: 388) Pero, esta identificación de la política con los medios y con los mercados tiene un problema, si es verdad lo que dice Castells: «la política de los medios tiene todas las características para despertar desconfianza en el proceso democrático» (Castells, 2007). ¿Desconfianza porqué? Porque es en los medios donde mejor y más intensamente sigue exprimiéndose la política del negativo, la política del escándalo, la política «tabloid», la política «basura» o la política «spin», donde estas son, hoy, las categorías dominantes. Así pues, la tercera causa de la anemia del actual poder político está en el ciudadano que se vuelve consumidor en un mercado de productos inmateriales.

(Gatekeeping versus network society)

4º. La cuarta causa de la debilidad del poder político tiene directamente que ver con la competencia que, en un mismo nivel, le hacen los medios: políticos y medios terminan compitiendo por el mismo mercado. Esto se ha verificado durante el proceso de emergencia de los medios como un sector con funciones tan importantes que han permitido al poder mediático competir con el poder político por el dominio en el juego de fuerzas de los sistemas sociales (Timoteo, 2007). De hecho, el sector de la información y comunicación (IC) – de la prensa al multimedia, a la Net – ha incorporado tan importantes funciones económicas (publicidad y marketing), culturales (industrias culturales), informativas y políticas – situándose, hoy, entre los diez más importantes sectores en los PIBs nacionales de las sociedades occidentales (Timoteo, 2005) – que terminaría por proyectar politicamente también a sus «agentes orgánicos» («periodistas», «editorialistas», columnistas, «directores», publicistas, «spin doctors», consejeros de imagen, etc., etc.) a un nivel mucho más elevado que lo simplemente profesional: lo de la afirmación social de su propio poder y de su protagonismo político. Algunos ejemplos: el periodista Walter Cronkite, «Mister Believer», fue, por su influencia, invitado como candidato a Vice-Presidente de los Estados Unidos; Karl Rove fue considerado, por su capacidad de juego con la opinión pública, como el hombre que ha inventado a George W. Bush; Ronald Reagan era un actor; lo mismo que Schwarzenegger, el gobernador de California, que pasó directamente de la pantalla al poder político real. El poder mediático, que en este sistema sigue ocupando el lugar principal, mientras se iba estructurando como prótesis pública de otros poderes, se afirmaba al mismo tiempo como protagonista político informal, disputando legitimidad y funciones al poder político formal de origen electivo. Como dice Castells: «según la tradicional teoría de la comunicación política, la influencia política ejercida a través de los medios es muy determinada por la interacción entre elites políticas (en su pluralidad) y periodistas. Los medios funcionan como gatekeepers de los flujos de información que plasman la opinión pública» (Castells, 2007). Y esta función de gatekeeping de los medios es, tal vez, su mayor fuente de poder, pues que son ellos que «bypasan» el flujo real y global de información. Es verdad. Lo que los vuelve determinantes para el proceso de construcción social de la realidad. Y esta es la situación actual. Pero, esta situación – y esta es una evolución que puede generar condiciones para el cambio radical de la actual situación -, está evolucionando a un ritmo muy rápido con la emergencia de la nueva network society y de un nuevo social software, los new media, la comunicación móvil y la Red. El monopolio de la representación social de la realidad por los medios convencionales está comenzando a ser amenazado. Las sociedades modernas disponen ya de un nuevo social software en condiciones de superar la exclusividad del modelo convencional de comunicación basado en la relación one-to-many, en el broadcasting, característico de los medios convencionales, y de crear un nuevo modelo fundado en la relación many-to-many, que es el modelo de la Red, poniendo fin a la exclusividad de «gatekeeping» de los medios y cambiando la estructura del espacio público de comunicación. Este nuevo modelo, que genera lo que Castells llama mass self-communication (comunicación individual de masas), crea un nuevo espacio de afirmación política de nuevos protagonistas diferentes de las tradicionales elites mediáticas, expandiendo el espacio público de intervención política y haciendo emerger con fuerza un «poder diluido» que había nacido con el espacio mediático de comunicación, pero que terminaría «confiscado» por las elites mediáticas. Hablo del «poder diluido» que da el título al excelente libro de Jesús Timoteo Álvarez, «Gestión del poder diluido. La construcción de la sociedad mediática – 1989-2004» (Madrid, Pearson, 2005) o del «micropoder» de que habla Javier Cremades en su libro «Micropoder. La fuerza del ciudadano en la era digital» (Madrid, Espasa, 2007). Al espacio público de comunicación pueden acceder, ahora, no solo las elites mediáticas, sino también todos los que se mueven en la red. Es decir, como cuarta causa de la debilidad del poder político, los medios convencionales y la Red emergen como directos protagonistas políticos, provocan el cambio de la naturaleza del poder representativo y contribuyen para su anemia.

5º. La quinta causa interna de la anemia está en cómo el cambio dentro del espacio público de información ha producido también cambios estructurales en la «sociedad civil», cambiando las relaciones de poder y haciendo emerger un nuevo tipo de poder, el poder diluido, que, en la primera fase, se alimenta de los medios tradicionales, pero que termina por ser confiscado por las elites mediáticas, y, en la segunda fase, se expresa, con más libertad, en la red, a través de los instrumentos digitales. La verdad es que los medios convencionales – como elementos centrales del «cuerpo orgánico» del espacio público de comunicación – siguen siendo, todavía, el espacio donde confluyen otros poderes en busca de consumidores y, además, de legitimación pública. Lo que, ayer, se obtenía exclusivamente en los pasillos del Palacio, hoy se obtiene haciendo presión pública sobre el poder político. Hoy los poderes de la «sociedad civil» buscan directamente junto del público, a través de los medios, pero ahora también a través de los new media, de la Red, el consenso y la fuerza que, después, exhiben ante el poder político para defensa de sus intereses. Como si la negociación política se desarrollara cada vez más según la capacidad que cada uno tiene de exhibir en el espacio público de comunicación su fuerza social, factor de condicionamiento de la deliberación y de la decisión públicas. Es verdad. El acceso al espacio público de comunicación sigue siendo controlado por los tradicionales «gatekeepers». Sus opciones editoriales son más el resultado de influencias cruzadas de las propias elites mediáticas entre ellas, del sistema propietario, de los poderes fuertes de la «sociedad civil», del sistema político y, the last but not the least, del mercado de las audiencias que de una plena asunción de los códigos éticos o de sus «esquemas normativos de referencia». O sea, son más el resultado de la síntesis entre un uso instrumental, idiosincrásico y comercial de su poder de agenda y de tematización que de una plena asunción de los grandes principios éticos de su propio código ético. Los medios siguen deteniendo una fuerte capacidad de control de tipo oligopólico sobre el mercado de la información (sobretodo las televisiones) y un fuerte poder simbólico en condiciones de determinar a largo plazo la opinión pública (efectos fuertes y prolongados), condicionando el proceso de construcción del consenso. Es lo que nos dicen las más importantes teorías de los efectos («agenda- setting», «espiral del silencio», «tematización», etc.). Esta situación conoce hoy, sin embargo, y como he dicho, una evolución tal que puede cambiar todo. Hablo, con Castells, del social software, o sea, de la Red, de la comunicación móvil, de los media digitales y de su capacidad de reducir el monopolio de la representación social de los medios y su exclusividad de «gatekeeping» y de hacer emerger un «poder diluido» (o un «micropoder») que pueda invertir la tendencia desde la perspectiva de un ciudadano activo en el espacio público de comunicación, pero no más reducido a una condición de espectador o de simple público. «Cualquiera intervención política en el espacio público», dice Castells, «exige la presencia en el espacio mediático. Y, pues que este último es ampliamente plasmado por grupos económicos e gobiernos que fijan los parámetros políticos a nivel de sistema político oficial, a pesar de su pluralidad, la emergencia de políticas insurreccionales no puede ser separada de la manifestación de un nuevo tipo de espacio mediático, que se basa en el proceso de mass self-communication». Y, citando Williams y Delli Carpini: pensamos que «la erosión del gatekeeping y la emergencia de una multiplicidad de ases de información ofrecen nuevas oportunidades a los ciudadanos que deseen desafiar el dominio de las elites sobre las cuestiones políticas» (Castells, 2007). Una vez más, se trata de superar la vieja lógica de la libertad de prensa, demasiado asociada a la idea protoliberal de «libertad negativa», por una nueva lógica y por el derecho del ciudadano a la información, de superar la lógica «spin», solo posible por la concentración en pocas manos de la capacidad de «bypasar» toda la información (gatekeeping), por una información sin guardianes con su monopolio de la representación social de la realidad. Lo que es cada vez más posible en la network society. Así está clara, en mi opinión, la quinta causa interna de la anemia: los cambios estructurales que la omnipresencia de los medios y de la televisión ha provocado en la «sociedad civil».

(El proceso deliberativo)

EN ESTE PROCESO QUE HEMOS ANALIZADO, ESTA EVOLUCIÓN INDUDABLE HACIA LA “NETWORK SOCIETY”, ¿CUÁL ES EL FUTURO DEL PODER POLÍTICO DE ORIGEN ELECTIVO, DE NUESTRAS DEMOCRACIAS? ¿QUÉ TIENE QUE HACER EL PODER POLÍTICO CON LOS MEDIOS? ¿TIENE QUE CONTROLARLOS, FINANCIÁNDOLOS, CAMBIARLOS, REGULARLOS…QUÉ HACER? Veamos en tres puntos.

(Mala mediación)

1. La verdad es que esta anemia no es el resultado de la manipulación de la comunicación por un «genio maligno», sino de un proceso objetivo. Como he dicho, ha sido la emergencia, en primer lugar, de los medios (de la prensa a la televisión) como nuevo espacio público (de comunicación), con las característica que hemos visto y que veremos, y, después, de la network society, con su nueva lógica relacional, que ha producido cambios tan relevantes en el espacio público que han provocado objetivamente una mutación genética en los centros vitales de la democracia representativa: la representación, el mandato y la legitimidad. Es esta la gran mutación que tenemos que comprender, porque ella explica la famosa crisis de la representación, la erosión de la democracia representativa, la anemia del poder electivo, más allá de la teoría política clásica, que miraba exclusivamente a la partitocracia como su causa. Es esta mutación que explica la anemia y el paso de la democracia representativa a la democracia post representativa. Lo que pasa es que estamos ante la emergencia del inmaterial como fuerza productiva decisiva, ante la globalización y la universalización de los procesos y de las relaciones económicas y financieras, la desterritorialización y la descomunitarización de la comunicación y la aceleración de los procesos y, en particular, del proceso y del poder mediáticos (Bauman, 2000; Beck, 2000; Virilio, 1994 e 1998; Gitlin, 2005). «No sense of place», es el título del importante libro de Joshua Meyrowitz sobre los medios electrónicos. Porque el contexto global de las relaciones ha cambiado profundamente y porque, en este cambio, el espacio público de comunicación se volvió decisivo, llave de la cohesión social (y de su contrario), no solo porque en él confluye todo el proceso deliberativo, sino también porque en él se expresan la economía (por ejemplo, la publicidad y el marketing) y la cultura (las industrias culturales). Además, la comunicación es universal, instantánea, vertical y horizontal, en red y siempre «on line». Cuando ya no es el ciudadano que busca la información, sino la información que busca el ciudadano. Cuando estamos viviendo una revolución post industrial en la comunicación, donde la comunicación vertical no tiene ya exclusividad porque hoy el social software comprende también la Red, la comunicación móvil y los medios digitales e interactivos, o sea, la comunicación se hace hoy también en una dimensión horizontal y con una lógica de tipo relacional. La lógica del sujeto convive hoy con una lógica de variables, una lógica relacional, verificándose, no una síntesis entre sustancia y función, como quería el Habermas de la famosa polémica sobre el positivismo (Habermas, 1969: 169), sino una dialéctica de complementariedad entre ellas. Todo esto proceso objetivo, que ha empezado con los medios convencionales, ha producido fuertes efectos sobre el proceso de deliberación democrática, porque, como dice Castells: los medios «se han vuelto el espacio social donde el poder es deliberado» (Castells, 2007; véase también Timoteo, 2005: 371-374). ¿Como? Veamos. Esta Deliberación desarróllase en dos fases: a) la primera fase, en orden lógico, es, naturalmente, la fase electoral, donde se da la decisión material, a través de la colocación del voto en la urna electoral. Este proceso tiene dos funciones: una, designativa y, la otra, de transferencia de soberanía. La primera sirve para designar los representantes; la segunda, para confiarles una legitimidad de mandato no revocable, excepto en los casos que la ley prevé; b) la segunda fase corresponde al proceso de construcción o de desconstrucción del consenso, en el sentido de adhesión voluntaria a una propuesta política. En estas fases el proceso de deliberación democrática se funda (debe fundarse) en una dialéctica argumentativa racional que busca resultados buenos para el interés general o público. A su vez, el proceso de construcción del consenso se desarrolla en dos momentos. El primero es temporalmente y materialmente intensivo (campañas electorales); el segundo es temporalmente extensivo (formación de la opinión pública). En la democracia representativa tradicional el momento determinante y casi exclusivo de todo el proceso era el momento intensivo y decisional (campaña + voto). En realidad, estábamos en un período de gran estabilidad ideológica y de gran estabilidad de la «clase media». En la democracia post representativa el momento determinante de todo el proceso es el momento extensivo, aunque parezca que no lo es, por la actual intensidad comunicacional de las campañas electorales. En las campañas se verifican solo pequeños ajustes que, sin embargo, pueden, en algunos casos, ser decisivos. La verdad es que en el proceso de formación de opinión pública, o mejor, en el proceso deliberativo, se han verificado mutaciones tan profundas que han terminado por cambiar la naturaleza misma del sistema representativo desde las siguientes perspectivas: a) la dialéctica constructiva – lo que Hegel llamaba «Aufhebung» – ha cedido el paso a una dialéctica negativa (o destructiva), consecuencia de la evolución «tabloid» del discurso político y mediático; este ambiente de cultura ha sido propicio a la emergencia de la política «spin»; b) el «interés público» ha cedido el paso al «interés del público», consecuencia de la identificación de la política como «continuación del audiovisual [sobretodo la televisión] por otros medios», de la reducción del ciudadano a público y del público a «audience», reduciendo la comunicación política a simples retórica instrumental para obtención de «influencia»; c) la fase «intensiva» se volvió residual respecto a la fase extensiva, con la emergencia de un nuevo tipo de legitimidad, la «legitimidad fluctuante» – que resulta de las fluctuaciones de la opinión pública -, subalternando también la vieja «legitimidad de mandato» y reduciendo el valor de uso del voto a su «función designativa». En realidad, la fase intensiva se volvió extensiva, como «campaña permanente» («permanent campaigning»). Es el caso de las elecciones americanas (incluyendo naturalmente las primarias) o como definido en la estrategia del primer New Labour (de John Smith, pero sobretodo de Tony Blair) (Calise, 2000: 43); d) la reducción tendencial del valor de uso del voto a su simple «función designativa» ha producido mutaciones muy importantes en el núcleo central de la democracia representativa: por un lado, disminuyendo el valor de la transferencia de soberanía del ciudadano hacía el representante y reduciendo la capacidad de control del poder por el ciudadano (esta función le ha sido «confiscada» por los medios); por otro, convirtiendo la vieja legitimidad de mandato en un nuevo tipo de legitimidad, la «legitimidad fluctuante»: lo que ha provocado casi la remoción del «mandato no imperativo», esencia de la democracia representativa. El resultado de este proceso fue la reducción tendencial del valor de uso del voto y de la legitimidad (de mandato), pues que aquello es reducido a simple operación técnica de designación de los representantes. e) Estas mutaciones producen un cambio muy importante: el poder de control sale del ciudadano y pasa a los medios. Este paso tiene, para el ciudadano, más problemas que beneficios, pues que pierde un poder sin ganar otro que lo compense. O sea, el ciudadano pierde la posibilidad de confiar una legitimidad de mandato estable al representante, perdiendo un poder sin ganar otro que lo sustituya con vantaje. f) Con este proceso los medios, que eran los mediadores, se vuelven parte, mientras representan el ciudadano en su función de control. O sea, acumulan todas las condiciones para hacer una mala mediación.

(Dialéctica negativa)


2. En segundo lugar y de cara al futuro, la centralidad política de los medios corresponde a la centralidad del nuevo espacio público de comunicación, a la emergencia del subsistema comunicacional como elemento central del sistema social y a la nueva configuración de la opinión pública. Estamos en una fase de transición de la democracia parlamentaria y de partidos hacía una democracia mediática, como dice Jesús Timoteo. Y en este sistema, por lo que he dicho, la retórica persuasiva instrumental para la conquista de «influencia» sobre el público ha sustituido la información y la dialéctica argumentativa para la construcción de redes de significado y la obtención de saber sobre el ejercicio del poder. Además, el lenguaje ha cambiado radicalmente, con (a) la imagen que sustituye el lenguaje analítico, propio de la «typographic mind», hacía aquella fórmula radical de Karl Rove de la «televisión para sordos» (Jesús Timoteo, 2007), (b) el «Homo videns» que sustituye el «Homo sapiens», (c) la emoción que sustituye la razón, siguiendo aquel modelo behaviourista de la «ley de la espoleta» (sexo, escándalos y sangre), y (d) la leadership totalmente personalizada que sustituye las ideologías, los partidos y los programas. A su vez, (e) el discurso negativo se está volviendo dominante o casi exclusivo, donde «el interés público» o el «interés general» cede el paso al «interés del público», más fácil, inmediato y eficaz en la captación de «audience». El discurso negativo es, por un lado, más apelativo que el discurso positivo y, por otro, más fácil, porque congenial al lenguaje televisivo. Este discurso se exprime políticamente como ejercicio permanente de desconstrucción del poder institucional, a nombre de la vieja y protoliberal «libertad negativa», como «perro de guardia» de la opinión pública. Es claro que la justificación para la crítica del poder es siempre el «interés público». Pero la identificación del ciudadano con el público tiene sus consecuencias, o sea, la conversión de «interés público» en «interés del público». Conversión, sin embargo, imposible porque estas son categorías muy distintas: la primera corresponde al «interés general», de todos (emisores, no emisores, receptores y no receptores); la segunda directamente tan solo a los espectadores (receptores) y, indirectamente, a los emisores (publicidad). La primera tiene una dimensión estratégica de futuro; la segunda una dimensión presente, inmediata. Se comprende: partidos y media buscan la conquista de «audience», de «cuotas de mercado» para sus productos. Sus exigencias son dominadas por el presente, pues miran a ganar concretas elecciones (partidos) o «audience» y publicidad que garantizen su supervivencia económica. Esta orientación pragmática hacía el «interés del público», asumida sea por los medios sea por los partidos, tiene sus consecuencias en el plano del discurso: el discurso negativo. Donde el negativo es la categoría más transversal a todos los discursos «tabloid» porque puede asumir una forma específica para cada género discursivo. Y es eso que explica la frecuencia de las «campañas negativas» en todos los tipos de elecciones. Por ejemplo, el discurso de la Señora Palin sobre Barack Obama. O, en las elecciones portuguesas de 2005, el discurso sobre José Sócrates.

(Un nuevo paradigma)

3. Un tercer ámbito de futuro y frontera está en el enfrentamiento directo entre políticos (sistema político) y medios (sistema mediático) por establecer no solo la agenda pública sino también las decisiones políticas. El discurso político converge con el discurso mediático y con las exigencias de captación de cuotas de mercado en el universo de la «audience», los «agentes orgánicos» de la política pierden autonomía, capacidad de creación autónoma de su propia «agenda» e capacidad de influencia sobre el sistema social en general, cediendo cada vez más el paso a las nuevas elites del poder mediático y comunicacional y a otros poderes con capacidad de penetración en el espacio público de comunicación. También aquí es comprensible que el tiempo de afirmación de estas elites no sea el tiempo de campaña, sino el tiempo real de la comunicación mediática. Que está «on line». Pero esta evolución, como hemos visto, ha ya producido una mutación radical en los paradigmas comunicativos: el paradigma de la prensa y de la «typographic mind» está evolucionando hacía un nuevo paradigma de la comunicación, que conserva e integra la comunicación vertical en un sistema que comprende también la comunicación horizontal, en red, móvil y de los medios digitales. Paradigma que rompe el monopolio de «gatekeeping» de las elites mediáticas. Y que, así, pone en crisis la política «spin». Se habló muchísimo de esto en las elecciones españolas de 2004, sobretodo de la fuerza de la comunicación móvil. Pero, hay que decirlo, el modelo dominante sigue siendo todavía, el viejo modelo mediático donde manda la televisión convencional. Todos sabemos que los medios convencionales están penetrando con mucha fuerza en la red, con sus formatos digitales, con su publicidad y que intentan controlar y absorber lo mejor que es producido en las plataformas de comunicación horizontal. Es verdad también que la política no ha hecho, todavía, su verdadera conversión a esta nueva realidad, prefiriendo mantenerse en las viejas plataformas comunicacionales. Y lo sabemos que cuando lo hará no podrá ella misma dejar de cambiar radicalmente sus métodos, su organización y su discurso. Pero, es verdad que esta nueva realidad nos está dando la posibilidad de introducir sangre nueva en el sistema, rejuveneciéndolo.

(Conclusión)

EN ESTA VISIÓN DEL FUTURO SOBRE LAS RELACIONES ENTRE POLÍTICOS Y MEDIOS, PODEMOS CONCLUIR LO SIGUIENTE:

1. El paso de la sociedad orgánica a la sociedad de la comunicación ha terminado por cambiar la naturaleza de la democracia representativa tradicional. Ahora bien, si estos cambios producidos han provocado, por todas las razones que hemos visto, su anemia, ahora, con la evolución de la sociedad hacía nuevas relaciones comunicacionales, donde, por un lado, los medios pierden su monopolio de la representación social de la realidad, su poder exclusivo de «gatekeeping», y los ciudadanos consiguen establecer nuevas relaciones cognitivas sea con el poder político sea con la realidad, SERÁ POSIBLE PROPONER UNA NUEVA POLÍTICA EN LINEA CON LAS NUEVAS RELACIONES COMUNICACIONALES.

2. En este cuadro el poder político ESTÁ OBLIGADO a cambiar sus relaciones con los medios y adoptar una nueva lógica en las relaciones con los ciudadanos, reponiendo la centralidad del concepto de «interés general» y destrozando las tendencias neocorporativas que se fueran superponiendo, a través de los medios, a la lógica democrática. El momento de la política «broadcasting» y sus derivados está terminando. Empieza un periodo donde la política se va a hacer relacional. Con ella, la democracia y el ciudadano pueden ganar un nuevo ánimo.

(Referencias bibliográficas)

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BECK, Ulrich. (2000) Libertà e democrazia in pericolo se vincono quelli “senza principi”, 60, Roma, Maggio-Giugno, pp. 54-58.

CALISE, Mauro. (2000) Il partito personale, Roma-Bari, Laterza.

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RITTER, Joachim. (1977) Hegel e la rivoluzione francese, Napoli, Guida Editori.

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TIMOTEO, Jesús. (2007) Postpolítica (paper), Faro, Univ. Algarve/Fisec.

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VIRILIO, Paul. (1994) Lo schermo e l’oblio, Milano, Anabasi.

VIRILIO, Paul. (1998) La bombe informatique, Paris, Galilée.

Berlusconi ou o «eterno retorno»

1. A Itália foi a votos em 2008 e trouxe de novo Berlusconi: «Unto del Signore», como ele, uma vez, disse de si próprio. Pela terceira vez (1994, 2001 e 2008). 1994 foi o início de um longo percurso de sucessos eleitorais. Em boa verdade, quase poderíamos dizer que, em catorze anos e cinco eleições legislativas, Silvio Berlusconi ganhou quatro, tendo perdido as de 1996 porque falhou a aliança com Umberto Bossi (que obteve 10,1% dos votos). Em 2006, ganhou-as em território nacional (mais 400.000 votos do que a esquerda), mas perdeu-as com os votos dos italianos residentes no estrangeiro (menos 425.000 votos do que a esquerda). O que se compreende, se considerarmos que o seu poder de fogo mediático não atinge tanto os italianos residentes no estrangeiro, mais influenciados por uma informação que lhe é genericamente desfavorável. Ou seja, as vitórias de Berlusconi parece terem-se tornado norma. Ou não fosse ele «Unto del Signore». Por isso, talvez 1994 não tenha sido, afinal, um «golpe de Estado mediático», como dizia Paul Virilio, no seu livro «L’art du moteur», no Posfácio à edição italiana («Lo schermo e l’oblio», Anabasi, Milano, 1994). Talvez tenha sido mais o início do processo de instalação de um sistema inovador na construção do consenso político. Sistema que, numa palavra, se pode definir pela prioridade da procura em relação à oferta, no mercado eleitoral. «Forza Italia» – e agora «Il Popolo della Libertà» (PdL) – rapidamente passou a ser o maior partido italiano.

2. No centro-esquerda, o «Partito Democratico», de Walter Veltroni, e hoje de Dario Franceschini, garantiu a segunda posição, com cerca de 4 pontos abaixo do «Popolo della Libertà»: em média (Câmara e Senado), 33,6% contra 37,4%. Parece, pois, ter-se iniciado o processo de bipolarização do sistema partidário italiano, acabando de vez com o minipartidarismo. A Câmara e o Senado passaram, a partir de então, a ter um reduzido número de formações políticas: PdL, PD, Liga, UDC, «Italia dei Valori». Estamos, portanto, perante uma racionalização do sistema, induzida pela bipolarização e complementada pelo «sbarramento» dos 4% (Camera dei Deputati) e dos 8% (Senato). E, todavia, as recentes eleições para o Parlamento Europeu vieram reforçar de forma consistente a «Italia dei Valori», de Antonio di Pietro, como segunda força política à esquerda.

3. Acontece, todavia, que se o PD estava formado em todas as suas estruturas e liderança, depois de um longo processo que terminou com as primárias para a eleição do líder, em que participaram mais de três milhões de cidadãos, o PdL acabou por se formar somente como partido eleitoral, não se tendo verificado, então, um efectivo processo de fusão interna e de eleição do respectivo líder. Nem vejo bem como seria isto possível, sendo um dos partidos – «Forza Italia» – um «partido pessoal», feito à medida do Berlusconi-empresário, com características muito diferentes dos partidos tradicionais e muito dependente das estruturas e das elites empresariais do grupo de Berlusconi. Não antevejo, por isso, facilidades na fusão de «Forza Italia» com «Alleanza Nazionale». Sobretudo, agora, que ganharam as eleições. Mas a verdade é que acabariam por se fundir organicamente. E, todavia, continuo a não ver facilidades neste processo, sobretudo depois dos recentes escândalos que abalaram Berlusconi e de um efectivo mal-estar no novo partido. Vamos ver o que acontecerá no futuro.

4. Posto isto, há que reflectir sobre a permanente dinâmica de vitória de Berlusconi. Tanto mais que ele deixou, após 5 anos de governo (2001-2006), um país com graves problemas económicos e de finanças públicas. Um só índice: segundo o «Institut for Management Development», de Genebra, neste período, o índice de competitividade de Itália caiu da 14.ª para a 53.ª posição. Por outro lado, Berlusconi legislou e agiu com muita intensidade em proveito próprio! Vejamos, com Alexander Stille («Citizen Berlusconi», Milano, Garzanti, 2006): com o «perdão fiscal» ele poupou cerca de 120 milhões de euros à sua Mediaset; fez sair a RAI da competição pelos direitos de transmissão dos desafios de futebol, deixando livre Mediaset; aprovou uma lei sobre o património cultural italiano de modo a permitir a construção na costa sarda, sendo ele um dos principais beneficiários; despenalizou o crime de «falso in bilancio», que tinha forte incidência nos processos legais que corriam contra ele e seus colaboradores; introduziu fortes restrições nas cartas rogatórias internacionais, ajudando, assim, os seus colaboradores nos processos judiciais; legislou de modo a resolver os problemas das suas televisões. E mais, muito mais. Por exemplo, o acordo leonino de Mediolanum com os correios italianos para a venda de produtos financeiros, a lei do «legittimo sospetto» ou a alteração da legislação napoleónica sobre a lei das sepulturas para que ele próprio e a sua família pudessem ser sepultados no mausoléu que mandou construir na sua Villa de Arcore (pp. 319-331). Autênticos «interessi privati in atti di ufficio», como se diz em Italia!

5. Ora, com um governo assim, como se explica a vitória de 2008? Claro, o governo de Prodi teve pouco tempo, tinha inúmeros problemas de gestão política interna e teve a gravíssima questão do lixo em Nápoles. Estava refém dos humores e dos dissabores pessoais de pequenos líderes, como Clemente Mastella. Que acabaram por fazê-lo cair. Mesmo assim, os grandes índices macroeconómicos de Prodi, em menos de dois anos de governo, são globalmente melhores do que os do quinquénio de Berlusconi: no desemprego (6,4% de Prodi contra 8,3% de Berlusconi), na dívida pública (104,5% contra 105,7%), no défice (3% contra 3,4%) e no crescimento do PIB (cerca de 1.4% contra 1%). Estes são valores que resultam da média dos valores conseguidos nos anos de governo de Berlusconi (2001-2006) e de Prodi (2006-2008). Mas a verdade é que a questão é mais profunda e tem já raízes históricas.

6. Na verdade, em 1994, Berlusconi conseguira, na sequência da desagregação integral do sistema de partidos italiano, e no fim de um processo que durou nove meses, ocupar estavelmente o terreno político deixado livre pela extinta DC, federando (territorialmente) a direita em torno do seu partido (Forza Italia) e da sua pessoa e garantindo a base política orgânica necessária para a construção de uma vitória eleitoral. Para isto, fundou um «partido de novo tipo», um autêntico «partido pessoal», meio electivo (no plano sub-regional) e meio profissional (no plano supra-regional), dotado de uma forte e estável liderança, carismática e omnipotente, de grandes recursos financeiros e técnico-profissionais (provenientes do seu grupo económico – Fininvest) e de poderosos meios de conquista do mercado eleitoral (sobretudo as suas televisões: Italia 1, Retequattro e Canale 5), concebendo a política como continuação do audiovisual por outros meios e o cidadão como simples público. E moldando, consequentemente, a política mais à lógica da procura do que à lógica da oferta (Amadori), inverteu, assim, aquela que era a lógica da política convencional, sobretudo a da esquerda. Ou seja, concebeu valores e programas políticos como projecção directa das expectativas do público, detectadas em estudos de opinião, inquéritos e sondagens, reduzindo o «interesse público» ao «interesse do público». Com isto, pôde construir um discurso adequado à «audiência» eleitoral, ganhando este mercado dos produtos políticos. Tratou-se de um processo muito complexo, mas igual ao processo de conquista do mercado das audiências televisivas.

Com este património político fez uma caminhada de sucesso que já dura há 15 anos.

7. Acresce que a esquerda, nestas eleições, acabava de sair de uma ruptura política abrupta, de um complexo processo de criação de um novo partido – o «Partito Democratico» – e de iniciar o processo de afirmação nacional do novo líder. O mesmo aconteceu, de resto, com a «Sinistra Arcobaleno», desta vez não coligada com a esquerda moderada e clamorosamente afastada do Parlamento.

8. Por outro lado, é bem provável que – vista a natureza do novo espaço público – o italiano médio acabe por se rever espontaneamente mais na imagem do «Sílvio nacional» – com todas as suas características construídas, encenadas, mas também reais – do que nos líderes da esquerda, sempre mais racionais, programáticos e ideológicos do que televisivos. Uma imagem, a de Berlusconi, que, de facto, não é só construída, mas também real. Nem de outro modo ele teria conseguido construir e defender um império económico colossal, sobre o qual também viria a criar um sistema de construção do consenso político inovador, na óptica de uma direita que se move na democracia com uma lógica exclusivamente instrumental.

(João de Almeida Santos, Lisboa, «Le Monde Diplomatique»/Institut Franco-Portugais, 17.04.2008)

(A conquista de Roma)

 

9. Depois das eleições legislativas foi a vez das autárquicas. Desta vez, o ocre de Roma tingiu-se de azul. O azul de «Il Popolo della Libertà», certamente, mas, aqui, um azul de tons mais carregados. Era a prenda que Berlusconi e Fini esperavam. A cereja em cima do bolo eleitoral das legislativas. Gianni Alemanno, de «Aliança Nacional», passou a ser o novo Presidente da Câmara de Roma. Derrotou Francesco Rutelli, do «Partido Democrático», que já o fora. A Capital embarcou, assim, na nova viagem nacional de Berlusconi. Falta agora saber se o virulento Bossi ainda vai continuar a usar o «slogan» «Roma ladrona, la Lega non perdona». Talvez não. Em primeiro lugar, porque ele próprio dirige o País a partir de uma cadeira ministerial, em Roma; em segundo lugar, porque a própria Capital está ser governada pelo partido a que está aliado; em terceiro lugar, porque o novo poder romano está a pôr em prática a política de intransigência migratória que a Liga há muito preconiza («rimandiamoli a casa»).

A conquista de Roma por «Il Popolo della Libertà» vem selar o processo de afirmação política da nova direita italiana, que parece finalmente ter conseguido um afinamento estratégico definitivo.

À esquerda, o «Partido Democrático» sofre uma derrota com um alto valor simbólico. O seu líder, Walter Veltroni, ocupara a cadeira romana durante sete anos. E o seu número dois, Francesco Rutelli, durante dois mandatos. O que não é pouco. De resto, são eles os rostos das duas grandes forças políticas que formaram o novo «Partido Democrático».

E a esquerda radical? São já muitos os analistas que lhe atribuem uma grande responsabilidade na derrota de Rutelli, incorformada que ficou com o seu afastamento parlamentar, por obra, dizem, de Veltroni e de Rutelli. A culpa do desastre da «Sinistra Arcobaleno» estaria, pois, na constituição do PD e na sua decisão de ir sozinho à competição eleitoral, havendo mesmo quem, erradamente, atribua a culpa das eleições legislativas antecipadas a Walter Veltroni. Como se a ruptura não tivesse sido provocada pelos problemas judiciais da família Mastella, do ex-ministro de Prodi! O que parece ser verdade é que esta esquerda militou pela derrota de Rutelli, num incompreensível ajuste de contas que acabaria por entregar Roma nas mãos da direita, rompendo uma longa tradição de governo de esquerda na Cidade Eterna.

De qualquer modo, o processo político italiano estava a exigir uma clarificação definitiva, tendo Veltroni feito a sua parte ao criar um grande partido reformista de centro-esquerda com vocação governativa. Agora, já não será ele a consolidá-lo: no plano organizativo, estabilizando um comando central capaz de determinar unidade na acção política quotidiana e estratégica e acabando com a fragmentação intrapartidária; no plano ideológico, definindo um espaço ético-político e cultural de afirmação do novo partido; no plano programático, definindo com rigor o sentido das políticas sectoriais; no plano nacional, definindo uma estratégia para o país, um modelo de desenvolvimento e uma estratégia de afirmação internacional. E não será ele porque foi substituído pelo moderado Franceschini, um líder que acabou de sofrer uma grave derrota nas europeias (cerca de menos 9 pontos do que o PdL), apesar dos gravíssimos problemas que afectam a liderança de Berlusconi.

Por outro lado, a direita parece ter consolidado a sua própria composição orgânica. Ezio Mauro identifica-a assim: «o Norte para a Liga, o Sul para Lombardo, Roma para “Aliança Nacional” e Itália para Berlusconi». Na sua simplicidade, esta fórmula colhe o sentido essencial da composição orgânica da direita italiana. Mas também é verdade que esta direita parece ter encontrado, com Berlusconi, uma fórmula política eficaz, sobretudo enquanto estiver apoiada em consistentes recursos técnicos, humanos e materiais: a política como a expressão mais simples da procura no mercado eleitoral. Se é verdade que na política tradicional a direita conservadora se alimentava dos valores da tradição e dos interesses instalados e consolidados, limitando-se a geri-los, agora ela adopta um discurso flexível e dinâmico adaptado às mutações que se vão produzindo nas sociedades, especialmente na faixa intermédia da nova «middle class», numa assunção plena do mercado eleitoral como espaço de procura de bens políticos intangíveis. A sua posição conservadora consiste em antepor a procura à oferta, adequando esta àquela. Usando a linguagem dos «media», diria que a direita, no plano eleitoral, antepõe o «interesse do público» ao «interesse público», sabendo, todavia, que, mercê dos recursos de que dispõe, pode moldar «o interesse do público» de acordo com a sua mundividência e com os seus próprios interesses.

Biobibliografia

JOÃO DE ALMEIDA SANTOS


(Última actualização: 03.04.2016)

 

A SHORT BIOGRAPHY 

 João de Almeida Santos (1949) is «European Doctor» by «Universidad Complutense de Madrid». Director of the Faculty of Social Sciences, Education and Administration and of the Department of Political Science, Security and International Relations of Lusofona University of Humanities and Technologies, Lisbon. He was Chief of the Office of several Ministers of the Portuguese Government, from 1995 to 2002 and Political Adviser of the Portuguese Prime Minister from 2005 to 2011. He is also Visiting Professor in the University Complutense of Madrid. In his academic career he has been Professor and Researcher in Coimbra University and in Rome University «La Sapienza», between 1974 and 1988.  Among other books he published «The Principle of Hegemony in Gramsci» (Lisbon, 1986), «Paradoxes of Democracy» (Lisbon, 1998), «The Intellectuals and the Power » (Lisbon, 1999),  «Homo Zappiens» (Lisbon, 2000), «Media and Power» (Lisbon, 2012) and «To the left of the crisis» (Org.) (Lisbon, 2013). He collaborates in many portuguese, spanish and italian political, cultural and communication Reviews and Books. He was President of the Municipal Assembly of Guarda, 2005-2013, and of the COMURBEIRAS-Intermunicipal Community Assembly, 2006-2013.

(I).

João de Almeida Santos é «Doctor Europeo» (com a classificação máxima de «sobresaliente cum laude») pela Faculdade de Ciências da Informação da Universidade Complutense de Madrid. Nasceu em Famalicão da Serra (Guarda). Licenciou-se em Filosofia na Universidade de Coimbra, em 1974, com 17 valores e distinção. Em 1987, obteve a«Laurea di Dottore in Filosofia» na Faculdade de Letras e Filosofia da Universidade de Roma «La Sapienza», com a classificação máxima e louvor (110/110 e lode). Foi Professor nas Faculdades de Letras dasUniversidades de Coimbra, onde teve a regência da cadeira de Filosofia Política, e «La Sapienza», de Roma, respectivamente, entre 1974 e 1980 e 1984 e 1988. Foi membro do Conselho Directivo da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em 1974 e 1975. Foi Investigador junto da Cátedra de Ciência Política do Instituto de Sociologia da Universidade de Roma, «La Sapienza», dirigida pelo Professor Umberto Cerroni, entre 1978 e 1984 (mantendo-se como assistente da Faculdade de Letras da Univ. de Coimbra entre 1978 e 1980). Em 1981, obteve diploma de língua alemã pelo Goethe Institut de Roma. Foi bolseiro, em Roma, da Fundação Calouste Gulbenkian (entre 1978 e 1981), do Instituto de Língua e Cultura Portuguesa (entre 1983 e 1984) e do Governo italiano.

(II).

Foi Chefe de Gabinete de:

  1. Secretário de Estado da Administração Interna, entre 1995 e 1997;
  2. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, entre 1997 e 1999;
  3. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro,entre 1999 e 2000;
  4. Ministro da Juventude e do Desporto, em 2000;
  5. Ministro da Presidência, em 2002 (Foi Adjunto do Ministro da Presidência, entre 2000 e 2001).

Foi Assessor Político do Primeiro-Ministro (entre Abril de 2005 e Junho de 2011).

Foi Presidente da Assembleia Municipal da Guarda (de Novembro de 2005 até 19.10.2013).

Foi Presidente da Assembleia da COMURBEIRAS-CIM, Comunidade Intermunicipal, composta por doze Municípios, correspondentes às NUTS Cova da Beira + Beira Interior Norte, entre 2006 e 2013, tendo sido Presidente da Assembleia da Comunidade Urbana das Beiras/Comurbeiras, entre 06.07.2006 e 05.06.2009 e Presidente da Assembleia da Comurbeiras-CIM, entre 05.06.2009 e 26.03.2010.

(III).

Foi Membro da Comissão Nacional do Partido Socialista, entre 2004 e 2011.

(IV).

Foi Presidente da Assembleia-Geral do CECL, «Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens» da Universidade Nova de Lisboa (2010-2013), e membro do ICML, «Instituto de Comunicação e Media de Lisboa», até setembro de 2013.

(V).

Professor Catedrático, é Director da Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração Director do Departamento de Ciência Política, Lusofonia e Relações Internacionais da ULHT (Lisboa). É Director da Revista «ResPublica», órgão do «Centro de Investigação em Ciência Política, Relações Internacionais e Segurança (CICPRIS), de que também é Director.

Foi Director da Faculdade de Ciência Política, Lusofonia e Relações Internacionais, da ULHT, entre 2012 e 2013, e da Faculdade de Ciência Política e Relações Internacionais, da ULP, entre 2012 e 2014.

(VI).

É Professor Convidado no Doutoramento em «Comunicação Social» da Faculdade de Ciências da Informação da Universidade Complutense de Madrid.

(VII).

É Membro fundador do FISEC (El Foro Iberoamericano sobre Estrategias de Comunicación).

(VIII).

É membro do ThinkCom.org./Instituto de Pensamiento Estratégico da Universidade Complutense de Madrid.

(IX).

É colaborador do Blog espanhol «Comunicacion/es», integrado no «Site»http://www.tendencias21.net/

(X).

É Presidente da Comissão «Partes Interessadas» da Comissão Vitivinícola Regional da Beira Interior.

(XI).

Foi membro do Conselho de Opinião da RDP (2001-2002).

Foi colunista permanente do «Diário de Notícias» (Opinião, Cultura e Política Nacional) entre 1985 e 2001 e do «Diário Económico», entre Julho de 2004 e Julho de 2009.

Foi colunista do Semanário regional «O Interior» (Guarda-Covilhã) [desde a sua fundação, em 2000, até 2013].

Foi Coordenador e Administrador da Revista de Reflexão e Crítica, dirigida por Eduardo Lourenço, «Finisterra», entre 1994 e 1996, mantendo-se como membro do seu Conselho Editorial.

Foi Director Executivo do órgão oficial do Partido Socialista «Acção Socialista», entre 1993 e 1996.

Entre 1991 e 1994 foi Redactor da revista italiana «Euros» (Roma). Fundador da Revista de Arte e Cultura «Adágio», foi seu Director entre 1990 e 1992. Foi Colaborador do semanário italiano «Rinascita». Colaborou na Revista dos Federalistas Europeus «L’Europa dei Cittadini». Foi Redactor da Revista «Seara Nova», entre 1974 e 1978.

(XII).

É autor da tese (discutida na Faculdade de Letras e Filosofia da Universidade de Roma «La Sapienza»): «Problemi di metodo nelle scienze storico-sociali: da Kant ad Habermas» (1987). Dactilografada (228 pág.s).[Em vias de publicação – v. E)1].

(XIII).

É autor dos seguintes livros (8):

  1. À Esquerda da Crise(Org.) (Lisboa, Vega, 2013, 142 pág.s).Organização, Introdução e Cap.II. Com Luís Amado, José Conde Rodrigues, João Cardoso Rosas, Rui Pereira, Guilherme d’Oliveira Martins e Carlos Zorrinho.
  2. Media e Poder. O poder mediático e a erosão da democracia representativa(Lisboa, Vega, 2012, 372 pág.s).
  3. Homo Zappiens. O feitiço da televisão(Lisboa, Editorial Notícias, 2000, 130 pág.s).
  4. Os intelectuais e o poder(Lisboa, Fenda, 1999, 222 pág.s).
  5. Breviário político-filosófico(Lisboa, Fenda, 1999, 105 pág.s).
  6. Paradoxos da democracia(Lisboa, Fenda, 1998, 237 pág.s).
  7. Problemi di metodo nelle scienze storico-sociali: da Kant ad Habermas(Roma, Facoltà di Lettere e Filosofia, 1987; de próxima publicação em português).
  8. O princípio da hegemonia em Gramsci(Lisboa, Vega, 1986, 174 pág.s).

 

(XIV).

É co-autor dos seguintes livros (13):

  1. (2015). 20 Anos de Jornalismo Contra a Indiferença. Coimbra: Imprendsa da Universidade de Coimbra.

(“Media, Rede e Poder: Comunicação e Democracia”, pp. 233-243).

  1. (2012). Maquiavel e o Maquiavelismo. Coimbra, Almedina.

[«Viagem pelas releituras de Maquiavel», pp. 137-157]

  1. (2010) Telejornais no início do Século XXI. Lisboa: CIMDE/Colibri.

[«A informação televisiva na RTP2: o Jornal 2», pp. 133-170, com António Belo].

  1. (2010).«Muchas voces. Un mercado:La industria de la comunicación en Iberoamérica. Perspectivas (Madrid, Editorial Universitas.

[«Medios y poder: cambios y perspectivas en las relaciones entre política, medios y comunicación», pp. 257-274].

  1. (2008). Comunicación y desarrollo cultural en la Península Ibérica. Retos de la sociedad de la información. Actas del III Congreso Ibérico de Comunicación, Sevilla. Sevilla: Universidad de Sevilla.

[«O poder dos media no espaço europeu de comunicação», pp. 83-89]

  1. (2006). Da gaveta para fora. Ensaios sobre marxistas. Porto: Afrontamento.

[«Hegemonia: o primado do consenso na teoria política de Gramsci», pp. 83-112;

«O teatro de Luigi Pirandello segundo Gramsci», pp. 113-121].

  1. (2004). La scienza è una curiosità. Scritti in onore di Umberto Cerroni. Lecce: Manni Editore.

[«Il potere mediatico e la crisi della democrazia», pp. 55-69].

  1. (2003). As grandes correntes políticas e culturais do século XX. Lisboa: Colibri/IHC-UNL.

[«Novas formas de comunismo e radicalismo de esquerda», pp. 155-181].

  1. (2002). 10 milhões de razões. Lisboa: Editorial Notícias.

[«O espectáculo da democracia. Para uma crítica da razão mediática», pp. 41-71].

  1. (2001). Novo ciclo, a política do future. Lisboa: Editorial Notícias.

[«Cosmopolis. Categorias para uma nova política», pp. 61-89].

  1. (1999). Terceira Via. Lisboa: Fenda.

[«A democracia do holofote», pp. 65-82].

  1. (1998). Villes e sécurité [Mesa Redonda Internacional, com Pierre Mauroy, Jean-Pierre Chevènement, entre outros]. Paris: Fondation Jean Jaurès.

[Intervenção em pág.s 166-169].

  1. Prefácio a Silva, R., e Dias, A. L. (2015). Segurança Privada em Portugal. Lisboa: bnomics.

 

(XVI).

Traduziu para português

  1. a) Resweber,Jean-Paul, La pensée de Martin Heidegger [Toulouse, Privat, 1971] (Coimbra, Almedina, 1979);
  2. b) Mancini, Paolo e Mazzoni, Marco, I telegiornali in Italia, in Joel Frederico da Silveira e Pamela Shoemaker, Telejornais em exame, Lisboa, Colibri/IPL, 2010, pp. 271-292.

 

(XVII).

Algumas comunicações (27):

  1. “As Religiões e a Liberdade: desafios numa época de extremos” – Debate na Mesquita Central de Lisboa. Clube de Filosofia Al-Mu’tamid, por ocasião do World Interfaith Harmony Week. Fevereiro, 2016.
  2. “O Estado Social”. Debate na Mesquita Central de Lisboa. Clube de Filosofia Al-Mu’tamid. Novembro de 2014.
  3. A Rede e o Poder” – Congresso Internacional sobre “Netactivismo”. Porto, Universidade Lusófona do Porto. Novembro, 2015.
  4. Seminário «Investigar e editar comunicação social», na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa-Lisboa, 30.10.2012: «Media e Poder. O poder mediático e a erosão da democracia representativa», por ocasião da publicação da obra com o mesmo nome (Lisboa, Vega, 2012).
  5. Participação, como Relator único, em três Seminários, de Mestrado e Doutoramento em Comunicação,  sobre«Comunicación, Red y Poder» na «Facultad de Ciencias de la Información» da Universidad Complutense de Madrid, nos anos de 2013 (Março – 10 horas), 2012 (Abril – 10 horas) e 2010 (Maio – 10 horas).
  1. Lição inaugural do ano lectivo de 2011-2012 do Departamento de «Filosofia, comunicação e informação» da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra: «Media, Rede e Poder: comunicação e democracia» (07.10.2011).
  2. Comunicação sobre «Política e comunicação no Portugal de hoje»,no «II Seminario ibérico de investigación en comunicación» (Tema: «Poder político e comunicación»), Universidade de Vigo, Castelo de Soutomaior, Pontevedra (21.12.2010).
  3. Conferência inaugural das Jornadas «El futuro de la industria de comunicación» no «Club Internacional de Prensa» (Junta da Galiza) sobre: «Medios y poder: cambios y perspectivas en las relaciones entre medios, comunicación y poder», 23 de Outubro de 2008, Santiago de Compostela.
  1. Intervenção no debate «O regresso de Berlusconi», com Goffredo Adinolfi (ISCTE), Miguel Portas (Eurodeputado/BE) e João de Almeida Santos, «Le Monde Diplomatique»/Institut Franco-Portugais (Lisboa, IFP, 17.04.2008): «Berlusconi ou o “eterno retorno”».
  2. Comunicação sobre «Estrategias de comunicación política: nuevos modelos», FISEC/Universidade do Algarve, «Navegando hacia el futuro. Las coordenadas de la nueva teoria estratégica», Faro, 12-14 de Setembro de 2007.
  3. Conferência sobre «Actualidade de Maquiavel. Viagem pelas releituras de Maquiavel». Faculdade de Artes e Letras da UBI, Instituto de Filosofia Prática, Covilhã, 25.05.2007.
  4. Comunicação sobre «O poder dos media no espaço europeu de comunicação», no painel «Cultura Ibérica y espacio europeo de la comunicación». III Congreso Ibérico de Comunicación», Universidad de Sevilla. Sevilla 14.11.2006.
  5. Comunicação sobre «O poder dos media». «Jornadas de Comunicação e Política», Departamento de Artes e Filosofia. Universidade da Beira Interior (UBI), Covilhã, 13.10.2006.
  6. Conferência sobre «O poder mediático e a democracia representativa», Instituto Politécnico da Guarda, Escola Superior de Educação, 18.05.2006.
  7. Conferência sobre «Media e Poder», Instituto Politécnico da Guarda (ESEG), 09.06.2004.
  8. Comentário a 2 comunicações de Manuel Maria Carrilho e de Antonio Tabucchi sobre «Os media, a cultura e a democracia», 5.04.2004, Lisboa, Fundação Mário Soares.
  9. Comunicação sobre «Diversidade cultural e democracia», 1-2 de Junho de 2002, Sintra, Hotel Tivoli, Encontros Internacionais da SEDES.
  10. Conferência sobre «António Gramsci e a tradição marxista», 9 de Maio de 2002, AE do ISCTE, Lisboa.
  11. Conferênciasobre «Novas formas de comunismo e radicalismo de esquerda», Janeiro de 2002. Instituto de História Contemporânea da FCSH da Universidade Nova de Lisboa: XI Curso do IHC – «As Grandes Correntes Políticas e Culturais do Século XX».
  12. Comunicaçãosobre «O poder mediático e a erosão da democracia representativa», Maio de 2001, Málaga (Esp.). Intervenção no I Congresso Ibérico de Comunicação – Faculdade de Ciências da Comunicação da Universidade de Málaga e SOPCOM (Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação).
  13. Conferência sobre «Ciberdemocracia ou gaiola electrónica?», Maio de 2000. Intervenção no Seminário sobre E-politics, CCB-Lisboa, Escola Superior de Comunicação Empresarial.
  14. Comunicação sobre «Una politica europea per la migrazione». Roma, Camera dei Deputati/Sala del Cenacolo. Novembro de 1998. Intervenção no Seminário sobre «Europa e Migrazione», promovido pelo Partido Socialista Europeu.
  15. Intervenção sobre «Villes et Sécurité» (Table Ronde Internationale, avec Pierre Mauroy, Jean-Pierre Chevèment, parmi d’autres), Paris, Avril 1998. IS/Fondation J.Jaurès/Institut de Hautes Études de Securité Interieur/Fondation F. Ebert.
  16. Conferência sobre «Cidadania para uma democracia europeia», Faro, 1996, Universidade do Algarve. Conferência sobre a União Europeia.
  17. Entrevista de Luís Miguel Viana sobre «Os media e o poder», in «Pública» («Público»), n.º 417, de 23.05.2004, pág.s 7-10.
  18. Entrevista de Tiago Fernandes sobre «O “controlo remoto” do poder», in «Visão», 17.09.2009, pág.s 58-59.
  19. Entrevista de Fernando Sobral sobre «À Esquerda da Crise» (Lisboa, Vega, 2013), «Jornal de Negócios», 20.09.2013.

 

(XVIII).

Alguns Ensaios (41):

  1. “Un Nuevo Paradigma para el Socialismo”. In www.tendencias21.net.
  2. “Da Carl Schmitt à Nicollò Machiavelli: la Politica o il Pessimismo Antropologico”. In ResPublica, 13, 2013 (2015), pp. 43-61.
  3. Introdução ao Catálogo da Mostra “Objectos Vagos”, de Maria Oliveira, de 2014, no Palácio Nacional de Mafra.
  4. Introduçãoao Catálogo Maria Oliveira, «Chama-me de preposição», Cascais, Centro Cultural de Cascais, 2013. Exposição de esculturas em bronze e de três maquetas.
  5. “A política e a rede: os casos Italiano e Chinês”, in cicpris.ulusofona.pt
  6. Os media, a rede e o poder. Inhttp://www.tendencias21.net/
  7. Cosmopolis. Inhttp://www.tendencias21.net/
  8. «Democracia Pos-Electoral: una Paradoja!», in  http://www.tendencias21.net/(Blog: «comunicacion/es»).
  9. «Política y Comunicación en el Portugal de Hoy», in http://www.tendencias21.net/(Blog: «comunicacion/es»).
  10. «Spinning», in «Newsletter Comunica», http://www.escs.ipl.pt (Fev.2011)
  11. A Rede e a Democracia: uma simetria perfeita?,in joaodealmeidasantos.blogspot.com; in http://www.tendencias21.net/(Blog: «comunicacion/es»).
  12. A esquerda e a natureza humana, in joaodealmeidasantos.blogspot.com; in http://www.tendencias21.net/(Blog: «comunicacion/es»).
  13. O Espaço Intermédio, in joaodealmeidasantos.blogspot.com;inhttp://www43-61.tendencias21.net/ (Blog: «comunicacion/es»).
  14. 14.A rede, o poder e o contrapoder, in joaodealmeidasantos.blogspot.com; in http://www.tendencias21.net/ (Blog:«comunicacion/es»).
  1. Política 2.0, inblogspot.com; inhttp://www.tendencias21.net/(Blog: comunicacion/es).
  2. Os mediae a «política do negativo», injoaodealmeidasantos.blogspot.com.
  3. Reflexões sobre a crise, injoaodealmeidasantos.blogspot.com.
  4. Actualidade de Maquiavel. Viagem pelas releituras de Maquiavel,in joaodealmeidasantos.blogspot.com.
  5. Berlusconi ou o «eterno retorno», injoaodealmeidasantos.blogspot.com.
  6. “Berlusconi o el nuevo príncipe pos-moderno”, in «Telos. Cuadernos de comunicación, tecnología y sociedad», Madrid, n.º 62, 2005, págs. 97-102; in joaodealmeidasantos.blogspot.com.
  1. “No Logo”, in http://www.rizoma.net/ (Intervenção) (Reflexões em torno da obra de Naomi Klein: No Logo); in ResPublica, 11, 2011 (2013), 41-50; e joaodealmeidasantos.blogspot.com
  2. “Diversidade cultural e democracia”, in ResPublica, 10, 2010 (2013), 97-107; e joaodealmeidasantos.blogspot.com.
  3. “Saggio su Mannheim e la sociologia della conoscenza”, in «Revista Jurídica», n. 25, Lisboa, 2001, pp. 473-493; injoaodealmeidasantos.blogspot.com.
  4. Cidadania para uma democracia europeia, in «Finisterra», n.º 20, Lisboa, 1996, pp. 25-45.
  5. Ligações perigosas, in «Acção Socialista», n.º 852, Lisboa, 1995, pp. 6-7.
  6. A revolução no sistema político italiano e a esquerda, in «Finisterra», n.º 15, Lisboa, 1994, pp. 5-69.
  7. Portogallo al bivio, in «Euros», n.º 5/6, Roma, 1993, pp. 39-41.
  8. A esquerda, o passado e o futuro I e II, in «Acção Socialista», n.º 767 (pp. 6-7) e n.º 768 (pp. 6-7), Lisboa, 1993.
  9. Nota sobre o Partido Socialista Europeu, in «Finisterra», n.º 12, Lisboa, 1993, pp. 168-171.
  10. Reflexões sobre a revolução europeia, in «Acção Socialista», n.º 750, Lisboa, 1993 (pp. 6-7).
  11. Memorial para uma democracia europeia, in «Finisterra», n.º 10/11, Lisboa, 1992, pp. 91-124.
  12. Dove va la sinistra? Le due linee del socialismo portoghese, in «Euros», n.º 1/2, Roma, 1992, pp. 64-66; 142-145.
  13. Jameson: pós-moderno, in «Adágio», n.º 2, Évora, 1991, pp. 100-102.
  14. La cosa, in «Finisterra», n.º 5, Lisboa, 1990, pp. 95-109.
  15. Calvino: Lezioni americane, in «Adágio», n.º 1, Évora, 1990. pp. 64-68.
  16. Ecco s’avanza uno strano operaio, in «Rinascita», n.º 27, Roma, 1988, pp. 22-23.
  17. Gramsci: ideologia, intelectuais orgânicos e hegemonia, in «Temas de Ciências Humanas», n.º 9, Livraria Editora Ciências Humanas, S. Paulo, 1980, pp. 39-64.
  18. Santiago Carrillo, «eurocomunismo» e marxismo, in «Seara Nova», n.º 1593, Lisboa, Julho de 1978, pp. 18-21.
  19. A questão da ideologia: De «A ideologia alemã» aos «Cadernos do cárcere», in «Biblos» LIII, Universidade de Coimbra, 1977, pp. 207-268.
  20. Política e ideologia do Grupo Seara Nova, in «Seara Nova», n.º 1572, Lisboa, 1976, pp. 42-45.
  21. O poder político em Portugal, in «Seara Nova», Lisboa, Agosto de 1975 (republicado integralmente no número especial da Seara Nova comemorativo dos 20 anos do 25 de Abril, n.ºs 48-50, Março-Setembro de 1994, pp. 143-147).

 

(XIX).

Jornais.Publicou, desde 1985 (até 2001), mais de 400 artigos no «Diário de Notícias» (Opinião, Política Nacional e Cultura) [Ficheiro em organização]. Publicou, desde 2004 até 2009, 112 artigos (sobre Media e Poder e Política) no «Diário Económico». Publicou, desde 2004, 73 artigos no semanário regional «O Interior».
25.12.2013.

(João de Almeida Santos)

 

 

 

 

 

 

Actualidade de Maquiavel. Viagem pelas releituras de Maquiavel

Começo por referir algumas interessantes observações de António Gramsci sobre Maquiavel.

Os anti-Maquiavel – lembro, por exemplo, a crítica radical, e algo moralista, de Frederico II, no seu «Anti-Maquiavel, ou exame do Príncipe de Maquiavel» (London/La Haye, 1741) – não o seriam porque ele tivesse defendido teses erradas, mas sim porque o que ele escreveu «faz-se, mas não se diz» (Quaderni del Carcere, Torino, 1975: 1690).

A sua irritação dever-se-ia ao facto de Maquiavel, tendo dedicado «O Príncipe» a Lourenço de Médicis, na verdade estava a expor ao povo a arte de governar, descobrindo, por assim dizer, os truques para a conquista, conservação, reprodução e alargamento do poder. Veja-se o que, a este respeito, diz Gian Franco Berardi: «o Cardeal Reginaldo Polo, um dos primeiros que escreveu contra Maquiavel, na sua Apologia (que é de 1538), refere ter ouvido alguns florentinos considerar que Maquiavel tivesse escrito “O Príncipe”, não para ajudar, mas para indicar aos tiranos a via da ruína» (Introduzione a Guicciardini, Antimachiavelli, Roma, Riuniti, 1984, 13). Mas também Diderot, no artigo da Enciclopédia sobre o «Maquiavelismo» diz algo equivalente: «Quando Maquiavel escreveu o seu Tratado do Príncipe, é como se ele tivesse dito aos seus concidadãos: leiam bem esta obra. Si vocês aceitarem alguma vez um senhor, ele será como eu vo-lo pinto – eis a besta feroz à qual vos abandonareis. Assim, foi falha dos seus contemporâneos se eles não perceberam o seu objectivo: eles tomaram uma sátira por um elogio». Rousseau fez a mesma leitura, no Contrato Social: «Assim, fingindo dar lições ao reis, ele deu uma grande lição aos povos. O Príncipe de Maquiavel é o livro dos republicanos» (Liv. III, cap. VI).

Estas posições sobre o verdadeiro objectivo de Maquiavel nem sequer seriam incompatíveis com a dimensão teórica que adquiria esta reflexão sobre a mecânica implacável do poder, a sua lógica interna, o seu funcionamento eficaz. E, na verdade, bem mais importante do que saber se ele queria dar uma potente arma cognitiva ao povo, o que Maquiavel fez representa o autêntico início da análise política racional, separando-a da ética e da religião. Como diz Gramsci: «em todo o pequeno volume, Maquiavel trata de [explicar] como deve ser o Príncipe, para conduzir um povo à fundação do novo Estado, e a análise é conduzida com rigor lógico, com distanciação científica» (Q. 1556). E ainda: «o Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do imperativo categórico, torna-se a base de um laicismo moderno e de uma completa laicização de toda a vida e de todas as relações morais» (Q. 1561).

Assim se emancipa a política quer da imputação transcendente do poder («divindade») quer da imputação ética da acção política (imperativo categórico).

***
Na verdade, do que se trata, em Maquiavel, é da arte – ou da ciência – de governar de acordo com autênticas normas técnicas, fundadas na lógica e no conhecimento empírico e histórico dos homens. É por isso que, ao contrário de Guicciardini, Maquiavel se move intelectualmente ao nível europeu, do homem europeu.

O que disse, então, Maquiavel?

Quais são, então, as principais normas técnicas da arte de «governar e manter», contidas no Príncipe? Faço um curto elenco das que me parecem mais importantes, a partir do Príncipe:

O grande presuposto do Príncipe: «similmente, a conoscere bene la natura de’ populi, bisogna essere principe, e a conoscere bene quella de’ principi, bisogna essere populare» (Opere, Milano, Mursia, 1966: 59).

Este pressuposto justifica, de algum modo, a ideia de que só o povo pode julgar verdadeiramente a acção do Príncipe e, por isso, ele legitima-o mais do que se poderia supor, sobretudo se se entender que Maquiavel queria, com esta afirmação, justificar a redacção deste livro. Mas se é verdade que ele acaba por justificar a legitimidade de um juízo popular sobre a acção do Príncipe, também é verdade que este pressuposto também justifica a legitimidade do governo do Príncipe. Se a natureza dos Príncipes só pode ser bem conhecida pelos respectivos povos, também a natureza dos povos só pode ser bem conhecida pelos respectivos Príncipes, estando, por isso, só eles habilitados e, portanto, legitimados a governá-los. Príncipe e Povo são, pois, as constantes do sistema e a política desenvolve-se como relação técnica entre inúmeras variáveis.

E, ainda, como princípios:

* «li uomini sempre ti riusciranno tristi (maus), se da una necessità non sono fatti buoni» (O., 115);

** E «quelle difese solamente sono buone, sono certe, sono durabili, che dependano da te proprio e dalla virtù tua» (O., 117);

*** «perché il nostro libero arbitrio non sia spento, iudico potere essere vero che la fortuna sia arbitra della metà delle azioni nostre, ma che etiam lei ne lasci governare l’altra metà, o presso, a noi» (O., 117);

Vejamos, então, as normas técnicas.

1. «non preterire l’ordine de’ sua antenati e, di poi, temporeggiare com gli accidenti» (O., 61);

2. «chi è cagione che uno diventi potente, ruina; perché quella potenzia è causata da colui o con industria o con forza, e l’una e l’altra di queste due è sospeta a chi è diventato potente» (O., 67);

3. «Perché le iniurie si debbano fare tutte insieme, acció che, assaporandosi meno, offendino meno; e benefizii si debbano fare a poco a poco, acció si assaporino meglio» (O., 80).

4. «Concluderó solo che a uno principe è necesario avere il populo amico; altrimenti non ha, nelle avversità, remedio» . (…) «E non sia alcuno che repugni a questa mia opinione con quello proverbio trito (comum), che chi fonda in sul populo fonda in sul fango» (O., 82) ;

5. «E principali fondamenti che abbino tutti li stati, così nuovi come vecchi o misti, sono le buone leggi e le buone arme». (O., 86) ;

6. «Questi simili modi debbe osservare uno principe savio [tomar a peito a arte da guerra, a organização e a disciplina militares e estudar «le azioni delli uomini eccellenti»); e mai ne’ tempi pacifici stare ozioso; ma con industria farne capitale, per potersene valere nelle avversità, acció che, quando si muta la fortuna, lo truovi parato a resisterle» (O., 93);

7. «Onde è necessário a uno principe, volendosi mantenere, imparare a potere essere non buono, e usarlo e non l’usare secondo la necessità» (O., 94); o príncipe deve « non partirsi dal bene, potendo, ma sapere entrare nel male, necessitato» (O., 100);

8. «E intra tutte le cose di che uno principe si debbe guardare, è lo essere contennendo e odioso; e la liberalità all’una e l’altra cosa ti conduce. Pertanto è più sapienza tenersi el nome del misero, che parturisce una infamia sanza odio, che per volere el nome del liberale, essere necessitato incorrere nel nome del rapace, che parturisce una infamia con odio» (O., 96).

9. «Debbe nondimanco el principe farsi temere in modo che, se non acquista l’amore, che fuga l’odio; perché può molto bene stare insieme essere temuto e non odiato» (O., 97);

10. «a uno principe è necessario sapere bene usare la bestia e l’uomo» (…). «Sendo dunque uno principe necessitato sapere bene usare la bestia , debbe di quelle pigliare la golpe e il lione; perché il lione non si defende da’ lacci, la golpe non si defende da’ lupi. Bisogna dunque essere golpe a conoscere e lacci, e lione a sbigottire e lupi. Coloro che stanno semplicemente in sul lione, non se ne intendano» (O., 99) ;

11. «Ma è necessario (…) essere gran simulatore e dissimulatore: e sono tanto semplici gli uomini, e tanto obediscano alle necessità presenti, che colui che inganna, troverrá sempre chi si lascerá ingannare» (O., 99);

12. «A uno principe adunque non è necessario avere in fatto tutte le soprascritte qualità, ma è bene necessario parere di averle» (O., 100); porque «ognuno vede quello che tu pari, pochi sentono quello che tu se’; e quelli pochi non ardiscano opporsi alla opinione di molti che abbino la maestà dello stato che gli defenda» (O., 100);

13. «li principi debbano le cose di carico fare sumministrare ad altri, quelle di grazia a loro medesimi. Di nuovo concludo che uno principe debbe stimare e grandi, ma non si fare odiare dal populo» (O., 103);

14. «Nessuna cosa fa tanto stimare uno principe, quanto fanno le grandi imprese e dare di sé rari esempli» (…). «Dare di sé in ogni sua azione fama di uomo grande e d’ingegno eccelente».

15. «È ancora stimato uno principe, quando elli è vero amico e vero inimico» (O., 111);

16. O príncipe deve «ne’ tempi convenienti dell’anno, tenere occupati e populi com le feste e spettaculi», estando também presente algumas vezes, mas «tenendo sempre terma nondimanco la maestà della dignità sua» (O., 113);

17. «La prima coniettura che si fa del cervello di uno signore, è vedere li uomini che lui há d’intorno» (O., 113); por isso, o príncipe deve eleger « nel suo stato uomini savii, e solo a quelli debbe dare libero arbitrio a parlarli la verità, e di quelle cose sole che lui domanda, e non d’altro» (O., 114);

18. «che sia meglio essere impetuoso che respettivo; perché la fortuna è donna, ed è necessario, volendola tenere sotto, batterla e urtarla» (O., 119).

Resumindo ainda mais, são as seguintes as normas que o Príncipe deverá respeitar: ter o povo como amigo; respeitar a tradição; não se tornar causa da potência de outrem; ter boas leis e boas armas; na paz, preparar-se para a guerra; ser mau quando necessário, sem se afastar do bem; fazer o mal de uma só vez e o bem aos poucos; fazer-se temido, mas evitando o ódio; ser impetuoso, mais do que prudente; dar aos outros a administração das coisas más, reservando para si a das boas; saber ser verdadeiro amigo e verdadeiro inimigo; simular e dissimular; ter qualidades, mas sobretudo parecer tê-las, porque se todos vêem o que pareces, poucos vêem o que és; ser leão e ser raposa; promover grandes empreendimentos e dar exemplos raros; escolher colaboradores sensatos; ocupar o povo com festas e espectáculos.

Estas normas técnicas são acompanhadas por três princípios transversais a todas as normas referidas: a) os homens são maus, se a necessidade não os fizer bons; b) só as defesas que dependem de ti e da tua virtude são boas, certas e duradouras; c) se a sorte governa metade das nossas acções, que sejamos nós a governar a outra metade.

Portanto, lugar para a sorte, mas também lugar para a vontade humana, neste caso do Príncipe, no governo do seu destino; neste governo, são as próprias capacidades do Príncipe que o salvaguardarão do perigo, até porque os homens são naturalmente maus. Daqui a necessidade destas normas para um governo eficaz e resistente ás insídias.

Como se pode ver estas são normas técnicas, independentes da moral, visando somente o sucesso no exercício e na consolidação do poder. Trata do bom governo, mas não necessariamente do governo bom. Não trata dos fundamentos do poder, da questão da legitimidade, mas trata da sua gestão eficaz. Não trata do modelo virtuoso de Estado, mas sim do Estado como ele é, na sua realidade efectiva, nos seus métodos de funcionamento. Trata o Estado de um ponto de vista secular e laico. É por isso que se considera que Maquiavel inaugurou a ciência política moderna, separando-a da ética e da religião e tratando o poder como um sistema com variáveis que devem relacionar-se com coerência em função da conservação e reprodução segura do próprio sistema.

Benedetto Croce, em 1924-1925, reconheceu claramente em Maquiavel estas dimensões: «é sabido que Maquiavel descobre a necessidade e a autonomia da política, da política que está para além, ou antes, para aquém, do bem e do mal moral, que tem as suas leis às quais é vão rebelar-se, que não se pode exorcizar e expulsar do mundo com a água benta. É este o conceito que circula em toda a sua obra» (…) representando «a verdadeira fundação de uma filosofia da política». Mas, continua Croce, o que foi esquecido em Maquiavel foi a sua amargura pela natureza dos homens, ingratos, volúveis, cobiçosos. Natureza que obriga a que política se dote dessas técnicas que permitem dominá-los e vencê-los na sua maldade. A valorização que Croce fará de Maquiavel e de Gianbattista Vico reside precisamente na complementaridade de ambos, lá onde a política-política de Maquiavel conhece em Vico um reconhecimento tal ( como «drama da humanidade») que lhe permite que ela se conjugue com a «vida ética» sem perder a autonomia. De Sanctis chegara mesmo a ver na sua doutrina uma revolução copernicana na concepção do homem que «tem na terra a sua seriedade, o seu objectivo e os seus meios».

***
O verdadeiro alcance do legado de Maquiavel (1469-1527), não foi compreendido pelos seus críticos, designadamente por Frederico II, que, como já disse, chegou a escrever um Anti-Maquiavel. «Em política, dizei-me o que quiserdes, discuti, construí sistemas, apresentai exemplos, usai todas as subtilezas: apesar disso, no fim, regressareis ao conceito de justiça», dizia Frederico II (1712-1786) na sua crítica radical ao Príncipe (1513), em obra significativamente intitulada Antimachiavel ou examen du Prince de Machiavel (London/La Haye, 1741) e elaborada após reflexões conjuntas com o amigo Voltaire (Frederico II, Antimachiavelli, Pordenone, Edizioni Studio Tesi, 1987).

É uma obra com os mesmos vinte e seis capítulos (e iguais títulos) do Príncipe e pretende restabelecer, contra Maquiavel, o primado da justiça e da razão em face da obstinada corrupção da «política com a intenção de destruir os princípios de uma sã moral» (1987: 3). «O Príncipe de Maquiavel», diz Frederico II, «é semelhante aos deuses de Homero, fortes e potentes, mas iníquos. O autor ignora até o ABC da justiça e conhece só o interesse e a violência» (1987: 63). Se no Telémaco (1699), de Fénelon (1651-1715), «a nossa natureza parece aproximar-se da dos anjos», insiste Frederico II, no Príncipe a «nossa impressão é que ela, pelo contrário, se aproxima da dos demónios do inferno» (1987: 31). Pelo que o desejo forte do futuro rei da Prússia se traduzia em louvar «quem puder destruir completamente o maquiavelismo no mundo» e quem conseguir «libertar o público do preconceito que tem em relação à política, que deve ser um modo sapiente de governar e não um breviário de espertezas» (1987: 113-114).
Frederico II faz do Príncipe uma leitura crítica cerrada. Não se limita a refutar conceptualmente as teses de Maquiavel, chega mesmo a contestar os próprios exemplos históricos em que ele apoia as suas teses. Esta crítica poderia servir de base reflexiva e textual para a sedimentação do que hoje se entende universalmente por maquiavelismo político.

Com efeito, se folhearmos alguns dicionários e enciclopédias, poderemos encontrar, na definição do conceito ou palavra maquiavelismo, por exemplo, o seguinte:

1. «conduta artificiosa e pérfida» (Petit Larousse);

2. «termo usado na literatura política para indicar a atitude de quem sacrifica todo o escrúpulo moral para conseguir o sucesso» (Enciclopedia De Agostini);

3. «doutrina segundo a qual ao Príncipe ou ao Estado é lícito recorrer a todos os meios (incluindo o assassínio) para alcançar os seus fins» (Dicionário de Português, da Porto Editora);

4. «o maquiavelismo é o sacrifício de todos os princípios a um só, o interesse; a violação de todas as leis da moral imoladas ao sucesso» (Dictionnaire général de la politique, Paris, 1864; aqui se refere também as críticas de Frederico II e de Voltaire);

5. finalmente, «interpretação utilitarista, decadente e arbitrária da doutrina de Maquiavel» (Dizionario Garzanti).

E assim é: interpretação arbitrária da doutrina de Maquiavel.

O verdadeiro sentido da obra de Maquiavel não corresponde ao que se sedimentou no senso comum, nem à interpretação que dela faz Frederico II. Trata-se, bem pelo contrário, de uma obra que praticamente inicia a ciência política moderna:

1) desvinculando o moderno Estado laico da religião e do eticismo;

2) considerando o Estado em si, como uma entidade autónoma com lógica própria e sem vínculos naturais e ideológicos;

3) conferindo, portanto, à política o significado de técnica do e para o poder (Cerroni, U., Il pensiero poítico – dalle origini ai nostri giorni, Rona Riuniti, 1966: 322-23).

E se é certo que Maquiavel não pôde formular em sentido moderno a questão da origem ou da legitimidade do poder, portanto, não pôde formular a teoria da soberania popular, ele, todavia, afirmou decisivamente a autonomia do político, ao mesmo tempo que revelou a verdadeira natureza centáurica de todo o Estado: a presença, neste, da força e da razão (embora fosse uma razão puramente técnico-instrumental), da «bestia e l’uomo», da raposa e do leão («la golpe e il lione»), precisamente como aquele «Chirone centauro» que serviu de preceptor a Aquiles (Machiavelli, Opere, 1966: 99). «Coloro che stanno semplicemente in sul lione non se ne intendono», afirmava, com efeito, Maquiavel.

Ele é, portanto, mais do que aquele demónio da moral e da política para que a tradição o remeteu. Ele é, na verdade, o pai da política moderna. Não podendo formular a questão da soberania popular, tratou o poder de um ponto de vista sistémico, técnico-instrumental. Contra os vínculos naturalistas e religiosos, mas sem o vínculo da legitimidade. Precisamente como os sistémicos: o poder como máquina que se auto-reproduz funcionalmente. E aqui (posta a excepcional descoberta científica) está também o limite de Maquiavel e de todas as teorias que postulam a exclusividade da racionalidade técnico-instrumental em vista do sucesso, ou seja, da auto-afirmação do poder.

O poder, hoje, com a crise das teorias da legitimidade e das próprias concepções projectuais de sociedade, assumiu em muito as feições de um moderno maquiavelismo ou neo-maquiavelismo que se nutre do pragmatismo funcionalista característico das democracias pós-clássicas e das enormes concentrações de poderes económicos e mediáticos que lhe conferem uma capacidade quase ilimitada de se conservar, reproduzir e ampliar para além do próprio princípio do bem e do mal.

A moderna desideologização do poder político remeteu de novo para o Estado o exclusivismo ideal dessa asséptica lógica técnico-instrumental de conservação e de reprodução do poder, através da nova figura do moderno príncipe, que é o partido político, que, afinal, se torna tanto mais maquiavélico quanto menos assumir aquilo que se afirmou institucionalmente depois de Maquiavel, isto é, o princípio da soberania popular e os conteúdos éticos do Estado, e cada vez mais sofisticar as técnicas de administração contidas na velha máxima do «panem et circenses».

Se assim for, os pressupostos do maquiavelismo ainda estão todos presentes na política de hoje sob formas novas. E uma dessas é, precisamente, a chamada partidocracia: quando toda a estrutura institucional do Estado é usada como mero meio de conservação e de reprodução do poder de um partido ou partidos em detrimento do bem comum.

Em conclusão, a moderna crise de valores, a crise das utopias ou dos valores projectuais de sociedade e a crise da legitimidade e da representação acabaram por repor em marcha uma perigosa tendência para transformar o Estado em pura máquina laica de conservação do poder. Só que sem a virtude «maquiavélica» de afirmação de uma novidade que já o não é: a autonomia de uma política que deveria, antes, ser refundada, não em sentido neo-maquiavélico, mas sim no sentido de repor no Estado aquela justiça e razão finalista de que (teoricamente) já Frederico II falava no seu Antimaquiavel e que os contratualistas tão bem delinearam.

A escola maquiaveliana sempre teve sucesso no pensamento e na práxis política. Mesmo em Portugal, onde, no séc. XIX, o reaccionário (e um dos pais nacionais do integralismo lusitano) Gama e Castro escrevia um Novo príncipe, mais lione do que golpe, para guia eficaz do poder absoluto; ou, mais recentemente, onde Adriano Moreira via nas Forças Armadas a figura do Novíssimo Príncipe, com propensão, portanto, a valorizar também mais a parte do leão do que a da raposa (Moreira, A., O novíssimo príncipe. Análise da revolução, Lisboa, Intervenção, 1977: 87, 97).

***

A leitura que António Gramsci (1891-1937) fez de O Príncipe de Maquiavel sofre muitas mediações. Nele o Príncipe, o Novo Príncipe, é o partido político. É ele, na óptica gramsciana, que prefigura o Estado e, por isso, que deve dispor de uma estratégia política capaz de conquistar, manter, consolidar e alargar o poder. Sendo o seu pensamento de inspiração marxista, ele, todavia, não concebe o Estado nem como Maquiavel nem como os marxistas. Ou seja, não o concebe de forma instrumental. É certo que a dimensão centáurica de Estado, assumida pelo Florentino, também é assumida por Gramsci na sua nova forma da combinação da força (il lione) e do consenso (la golpe). Mas também é verdade que Gramsci vai mais além, vendo o Estado como propulsor de uma hegemonia ético-política e cultural, bem longe daquela sua dimensão puramente técnica ou instrumental. E, de facto, o problema da hegemonia é, afinal, a grande questão que continua a pôr-se à política democrática.

Diversidade cultural e democracia

Proponho uma reflexão sobre o tema diversidade cultural e democracia, porque a «moldura» democrática é aquela que melhor faz emergir o tema da diversidade cultural em toda a sua complexidade e delicadeza, sabendo-se que nos regimes não democráticos a diversidade cultural nunca é garantida ou, pelo menos, nunca se exprime de forma livre e igual. Entendo, naturalmente, a diversidade cultural no seu sentido mais amplo, incluindo religiões, costumes, estilos de vida, tradições, cultura reflexiva. Diversidade que pode ou não exprimir pertenças etnográficas e territoriais, mas que certamente exprime identidades histórico-sociais, que são também diferenças sociológicas e formas expressivas diferenciadas, lá onde, paradoxalmente, afinal, a cultura surge como forma privilegiada de convergência para a universalidade. Isto é, a diversidade cultural exprime diversos modos de acesso à universalidade, quando entendemos a cultura como via de acesso aos nexos primordiais da existência humana. Esses nexos que a arte, a filosofia ou a própria ciência procuram captar de forma diferente, mas sempre sob o signo da universalidade.

O aparente paradoxo tem, todavia, resolução quando se verifica que é possível traduzir uma cultura na linguagem de outra, reconduzindo ambas à ideia comum de género, lá onde reside o núcleo distintivo da ideia de humanidade, onde estão ancoradas as grandes tensões que comandam a vida: a tensão erótica, a angústia perante a morte, a justiça, a beleza, a bondade, a guerra.

Mas se o problema existe ele deriva, em meu entender, mais da enorme amplitude que assumem as formas culturais (do folclore, em sentido gramsciano, à alta cultura, passando pela cultura de massas) do que daquilo que poderíamos designar por «núcleo duro» da cultura, ou seja, da sua dimensão reflexiva, aquela que descodifica esse complexo que envolve simbolicamente os nexos fundamentais da existência. É a grande amplitude da forma cultural que torna possível a sua historicização, a sua transformação em força material, fluxo vital, prática simbólica quotidiana. Mas é também por isso que as formas culturais, na sua expressão mais difusa, ou popular, surgem como realidades fragmentárias, caóticas e desordenadas (Gramsci). Deste modo, só a sua dimensão reflexiva permite reconduzir as formas heterogéneas de expressão cultural ao seu significado originário, removendo roupagens simbólicas puramente locais. «Uma grande cultura», diz Gramsci, «pode traduzir-se na língua de uma outra grande cultura (…). Mas um dialecto não pode fazer a mesma coisa» (Gramsci, 1975: 1377). Há uma grande diferença entre uma reflexão teológica sobre a graça ou a predestinação e os concretos rituais religiosos quotidianos que tornam viva uma crença religiosa. São estes que conferem força vital ao fenómeno religioso, mas é aquela que pode evidenciar a dimensão universal de uma religião, tornando-a compatível e traduzível nos termos de outra religião.

A universalidade das formas culturais reconduz-se ao seu núcleo íntimo, essencial, já que é nele que está inscrita uma matriz existencial, uma relação originária, ontológica, primordial do homem com o ser, seja ele natural ou divino. Nas religiões, por exemplo, a relação primordial é a que nos coloca perante a fronteira última da vida. Como nalgumas filosofias, a da existência, por exemplo. Mas pode tratar-se também do horizonte supremo do amor. De qualquer modo, trata-se sempre de uma relação originária exemplar, por exemplo, encarnada na figura de um profeta, capaz de gerar, eventualmente por imitação, como diria Gabriel Tarde, comportamentos colectivos perduráveis no tempo, institucionalizando-os, normalizando-os, ritualizando-os. Na origem da cultura científica mais complexa está uma relação física do homem com a natureza. «Prima furon le cose, e poi i nomi», dizia Galileu. E se é verdade que a universalidade do pensamento técnico-científico reside na univocidade da linguagem numérica com que opera, também é verdade que ela não deixa de residir primordialmente numa simples relação física e pragmática do homem com a natureza, logo, numa relação verificável universalmente, porque repetível. Os nomes, por mais abstractos que sejam, remetem originariamente para as coisas, como queria Galileu.

É na presença de uma dimensão universal no núcleo originário das diversas formas culturais que reside a possibilidade da sua traduzibilidade. O que é diferente dos ritos, das práticas sociais e comportamentais que essas formas culturais assumem ao longo do tempo, isto é, no processo da sua progressiva socialização. Nem o espírito do cristianismo pode decorrer da forma que assumiu no séc. XVI com a Inquisição, nem o islamismo das práticas concretas que assumiu com o domínio da cultura talibã, no Afeganistão. Mas são acessíveis através da exegese das Sagradas Escrituras e do Corão. Isto é, quando as formas culturais se exprimem, por um lado, com a linguagem metamorfoseada e mecânica do agir quotidiano e, por outro, com a linguagem do poder elas tendem, enquanto tais, a perder universalidade e, por conseguinte, tendem a perder traduzibilidade. Por um lado, porque estão contaminadas por lógicas que lhes são externas e, por outro, porque, como se compreende, é destes dois fenómenos – o agir simbólíco quotidiano e o poder – que deriva a sua concreta possibilidade de historicização ou individualização, a sua transmutação em forças materiais. Devendo-se, por isso, no caso do agir quotidiano ou dos rituais difusos, fazer um esforço de redução do complexo de práticas aos seus nexos essenciais, formulados, por exemplo, no Corão. Que, de resto, por um lado, contém repetidas alusões às Sagradas Escrituras e, por outro, se distancia, em muitos aspectos, por exemplo, no caso da poligamia (veja-se Bausani, 1988: LVI), das concretas práticas seguidas no mundo islâmico em geral. As grandes fontes inspiradoras possuem sempre uma dimensão universal, logo partilhável.

É, por isso, necessário executar uma espécie de «epochê» fenomenológica, um esforço de redução das práticas rituais aos princípios constituintes fundamentais. No caso da contaminação política das formas culturais tratar-se-ia também de suspender a lógica de poder que se lhes sobrepôs para compreender a sua profunda razão de ser, o seu sentido originário. Não é difícil

compreender quanto digo se pensarmos no integralismo islâmico ou então no famoso zdanovismo soviético.

No primeiro caso, a diversidade das formas culturais é rejeitada em nome de um monismo religioso que exclui à partida a hipótese de traduzibilidade, logo, a própria pluralidade de vivências universais. A própria tradução em línguas estrangeiras do Corão conheceu graves dificuldades nos ambientes muçulmanos tal era o conceito de unicidade, de inimitabilidade do texto sagrado. A universalidade só seria atingível através da imposição política dessa concreta mundividência, entendida como única, no sentido de que só ela continha a chave interpretativa da recta via para a salvação. A leitura teocrática da história admite uma só forma de expressão cultural, logo, anula a própria ideia de diversidade cultural.

No segundo caso, também se verifica uma indevida injunção política no campo cultural, designadamente no próprio plano da ciência, com o famoso zdanovismo ou com a doutrina do biólogo Lyssenko: a ciência, designadamente a biologia, só poderia ser instituída a partir das leis do materialismo dialéctico. Uma visão monista e antagonista do real e da história impedia a intercambiabilidade das formas culturais, lá onde a diferença era considerada erro, engano ou mentira intencional (da burguesia). Também aqui a universalidade só pode emanar de um único centro, o comunismo, não sendo admitidas formas plurais de acesso à universalidade, reciprocamente traduzíveis, e, portanto, intercambiáveis. Uma fórmula lapidar, extremamente eficaz, de Joseph Roth, pode servir de contraponto exemplar a esta visão do mundo que tudo reduzia a um dualismo incomponível. Diz Roth, a propósito de uma dança de origem afro-americana tão em voga na Europa dos anos vinte: «não se dança o charleston porque o mundo é capitalista. Dança-se o charleston porque ele é uma das formas de expressão da sociabilidade da nossa época».

 


Interacção cultural, laicidade do Estado e laicidade do debate

 

A questão da diversidade cultural inicia-se verdadeiramente quando as diversas formas de poder se relativizam, perdem a vocação totalizante, se autonomizam e diferenciam no interior dos sistemas sociais. E quando a nação deixa de fundar o Estado sob um pressuposto pré-político de carácter étnico (Habermas, 1991: 123-146). Quando a cidadania deixa de ser prisioneira do jus solis e do jus sanguinis, porque passa a ser admitido o contraponto da emigração e da renúncia à nacionalidade. É assim com a democracia moderna. Nela a diferença já não é entendida no sentido absoluto, até porque se trata de um sistema que institucionaliza a diferença no seu próprio interior e que a relativiza em relação ao exterior. Diz Rawls que as verdadeiras sociedades democráticas não fazem (ou não deveriam fazer) a guerra entre si, porque, compreende-se, o princípio do antagonismo absoluto não faz parte da sua gramática (Rawls, 1995). A diferenciação interna dos sistemas sociais, a desvinculação do Estado do seu fundamento étnico-natural e a emergência do cosmopolitismo vieram relativizar a diferença e a descomprimir o espaço da afirmação da diversidade.

As democracias tendem, por isso, cada vez mais, a incorporar nas suas constituições os grandes princípios cosmopolitas que definem uma pertença não naturalística nem tradicional de cada um à Nação e, por esta via, ao género humano. A cidadania inscreve-se cada vez mais neste registo cosmopolita que enquadra os direitos políticos de viver sob regime democrático e segundo um princípio semelhante ao que foi formulado por Kant com a lei fundamental da razão pura prática: «age de tal modo que a máxima da tua vontade [política] possa sempre valer ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal» (Kant, 1966: 30). O Estado desvinculou-se – já com os contratualistas assim era – do fundamento étnico-natural da Nação para se ancorar aos grandes princípios cosmopolitas, consignados na Declaração universal dos direitos do homem. Ele passou de um registo naturalista a um registo cosmopolita, por entreposta Nação. Neste sentido, não tem fronteiras nem uma identidade substancial pré-determinada. Por isso, constitui-se mais como espaço aberto de afirmação de identidades culturais múltiplas. Que não contradizem a sua vocação universal, por um lado, porque elas próprias, como vimos, possuem dimensão universal, logo, mantêm com ele um virtual ponto de contacto, por outro, porque se exprimem no plano do privado, do não público, constituindo-se como variáveis independentes de um sistema cuja constante é a Lei constitucional. Pelo contrário, é a própria universalidade do Estado que garante a diversidade cultural, já que essa é uma universalidade laica, garante dos grandes princípios, mas que não impõe à sociedade civil concretas opções culturais.

Num debate de há anos entre Michel Rocard e Paul Ricoeur falava-se precisamente da laicidade do Estado, a laicidade neutra, mas Ricoeur juntava-lhe a necessidade de promover uma laicidade do debate, que é a da sociedade civil. Entre uma e outra Rocard colocou a escola, lá onde se joga de forma mais complexa o encontro entre a laicidade do Estado e a diversidade cultural interventiva da sociedade civil. Ricoeur critica o excessivo asseptismo da escola, como resultado de uma projecção, nela, do laicismo radical do Estado francês. De onde resulta, no seu entendimento, um enfraquecimento de convicções da própria sociedade civil (Ricoeur/Rocard, 1991: 207-223).

Mas esta é que é a questão. Não intervindo directamente, o Estado tem a obrigação de promover a laicidade do debate, criando canais para que as diversas culturas presentes na sociedade civil possam surgir como verdadeiras propriedades emergentes do sistema social. O Estado, ao não impor uma identidade substancial, está a criar condições para que cada cidadão escolha ou construa livremente a sua própria identidade cultural, se construa livremente, para além do paternalismo de um Estado-nação que já nem sequer se identifica com um fundamento étnico-natural ou mesmo com um concreto território. É que as fronteiras vão perdendo significado confrontadas que estão com fluxos globais que já não têm de exibir passaporte: fluxos financeiros, comunicacionais, culturais. O que significa que o Estado não pode deixar de integrar na sua lógica estratégica interna este movimento de interacção universal.

É neste quadro amplo que deve ser entendida a diversidade cultural.

 
 


Chador, laicidade e lealdade constitucional

 
 

 

Em 1989, em França, Creil, três jovens muçulmanas apresentaram-se na escola com chador e recusaram-se a frequentar as aulas de biologia e de educação física. Foram expulsas. Depois de um longo braço de ferro, Lionel Jospin, então ministro da educação, consultado previamente o Conselho de Estado, ordenou a sua readmissão. Mais tarde, François Bayrou, ministro da educação, emitiu uma circular que proibia o uso de «símbolos ostensivos que constituam em si mesmos factor de proselitismo e discriminação». A circular usava quase os mesmos termos do parecer do Conselho de Estado.

Trata-se de uma questão altamente sensível e a sua resolução depende da posição que se tomar em relação ao carácter laico do espaço institucional da escola pública. A questão seria simples se alguém se apresentasse na escola com a suástica: estaria em causa a própria ordem constitucional e esse alguém seria expulso. O mesmo não vale para o chador enquanto a religião não se assumir como alternativa política ao Estado laico. E mesmo assim as jovens foram expulsas. A questão pôs-se precisamente porque a escola pública ocupa um lugar intermédio, logo ambíguo, entre um Estado laico e uma sociedade civil culturalmente multifacetada. A expulsão deve-se, pois, a uma leitura excessivamente asséptica – ou a um radicalismo laicista – do espaço escolar como instituição estatal. A reintegração deve-se a uma assunção da escola pública como organismo híbrido, no sentido em que o definia Rocard. Os conteúdos são laicos, mas os estudantes não são funcionários do Estado, são livres e iguais. Em meu entender, a opção de Jospin é a mais conforme ao sentido da democracia. Só o Estado não deve exibir opções culturais específicas, reservando a sua intervenção para os princípios constitucionais, mas garantindo e promovendo espaço público para a afirmação das diversas culturas, de forma livre e igual. É claro que a exibição de um chador, ou, em caso mais extremo, de uma burka (mas esta põe, pelo menos, mais problemas de identificação pessoal), pode ser interpretada como exibição da amputação de um direito consagrado constitucionalmente, a subalternidade explícita da mulher. E proibi-lo tal como se proíbe a consumação legal da bigamia.

A questão do chador foi reduzida pelo Conselho de Estado à proibição de uso indevido das instituições estatais para fins de propaganda, neste caso, do islamismo, que não para a livre expressão de convicções íntimas e singulares. Elisabetta Galleotti põe a questão da seguinte maneira. Ir à escola com chador pode significar: a) expressão da própria fé privada (o que deveria ser tolerado); b) exibição agressiva do fundamentalismo islâmico (o que deveria ser proibido); c) símbolo da subordinação feminina (o que é problemático já que a liberdade não se pode impor coercitivamente). Mas, conclui a autora, d) o chador pode significar, por parte de uma minoria cultural, linguística e religiosa, a reivindicação do reconhecimento público das próprias diferenças e identidades colectivas, socialmente marginais e facilmente objecto de preconceitos e de intolerância. A autora inclina-se para esta leitura entendida como mais congenial à democracia. Uma abertura inclusiva deste tipo, em vez de dar espaço ao fundamentalismo islãmico, pelo contrário, reforça, para o Estado, a possibilidade de exigir efectiva lealdade constitucional às diversas formas de expressão cultural ou religiosa (Galeotti, 1994: 58).


Conclusão

 

Este caso inclui exemplarmente todas as grandes questões que se põem à relação entre democracia e diversidade cultural, já que toca num elemento central do sistema democrático, a escola pública, onde se cruza a exigência de laicidade integral do Estado moderno com a emergência multicultural da sociedade civil, numa livre interacção de culturas que se exprimem no interior daquilo a que Habermas chama «patriotismo constitucional» (Verfassungspatriotismus). Se a escola pública não pode ser um lugar de culto, ela deve, todavia, constituir-se como canal de acesso cognitivo às diversas formas de expressão cultural. O uso do chador na escola, enquanto mera atitude existencial individual, ao lado de outras formas de representação externa de assunçõesinteriores, até pode representar o exemplo vivo da equidistância cultural do próprio Estado, mas também o exemplo de como o Estado pode abrir o espaço público às interacções culturais. Ou seja, fazer o contrário do integralismo religioso.

É claro que muitas formas culturais nas suas concretas articulações históricas, nos seus rituais socialmente assumidos – e, por exemplo, a questão da poligamia até no Corão é problemática – poderão conter elementos não totalmente aderentes às disposições constitucionais. Mas aí intervém o direito positivo quando um sujeito jurídico em causa reivindicar os direitos e garantias consagrados na lei ou, então, quando a esfera pública não comportar desequilíbrios que possam pôr em causa a ordem constitucional, os princípios da liberdade e da igualdade. O Estado tem o dever de promover todas as condições necessárias à plena emancipação do cidadão, para que este possa exercer a liberdade com todas as consequências. Uma cidadã francesa pode optar pelos princípios corânicos da religião islâmica mantendo-se leal aos princípios constitucionais. Ela pode, no plano político, optar pelo voto nos partidos que melhor representam a laicidade do Estado, enquanto é esta que lhe permite abraçar a religião islâmica. Numa palavra, porque este sistema é o que melhor se adequa ao exercício da sua liberdade interior.

Uma sociedade multicultural pode constituir o contraponto construtivo a um Estado que cada vez mais tende a evoluir para formas de cosmopolitismo constitucional. O exemplo europeu bem pode servir de ponto de partida para uma reflexão em torno desta questão. Se é interessante seguir as reflexões de um Federico Chabod acerca da ideia de Europa (Chabod, 1984), de uma identidade político-cultural europeia, é ainda mais interessante reflectir sobre a recomposição multicultural que esta mesma Europa está hoje a sofrer. A universalidade de que a Europa se reivindica, quer no plano político-constitucional quer no plano ideal, é perfeitamente componível com culturas que exprimem também uma universalidade que está inscrita nos seus nexos doutrinários primordiais ou originários mais profundos. E, se assim for, isso significa que a interacção produtiva e criativa é possível e desejável no quadro do moderno Estado democrático. Concluiria dizendo que a cultura é a verdadeira condição da tolerância.

 

 

Referências Bibliográficas

 

BAUSANI, Alessandro (1988) Introduzione a «Il Corano», Milano, Rizzoli.

CHABOD, Federico (1984) Storia dell’idea d’Europa [1961], Roma-Bari.

GALEOTTI, Elisabetta (1994) Il fascino discreto di un chador, in Reset, Roma, n.º 10, Outubro de 1994.

GRAMSCI, Antonio (1975), Quaderni del Carcere, Torino, Einaudi.

HABERMAS, Jürgen (1991) Cittadinanza e Identità Nazionale, in MicroMega, Roma, 5/91.

KANT, Emmanuel (1966) Critique de la Raison Pratique, Paris, PUF.

RICOEUR, Paul/ ROCARD, Michel (1991) Giustizia e mercato, in MicroMega, Roma, 2/91.

RAWLS, John (1995) Hiroxima cinquant’anni dopo, perché non dovevamo, in Vários, 1995.

VÁRIOS (1995) Hiroxima, non dovevamo, Roma, Reset.

 

(Intervenção nos Encontros Internacionais de Sintra,
promovidos pela SEDES, em 1/2 de Junho de 2002:
«A Europa, civilizações, valores e futuro»)