Professor universitário, escritor, poeta, pintor. Publicou várias dezenas de livros, seus e em co-autoria, de filosofia, política, comunicação, romance, poesia, estética. Foi professor nas universidades de Coimbra, Roma "La Sapienza", Complutense de Madrid e Lusófona (Lisboa e Porto). Publica semanalmente, neste site, ensaios, artigos, poesia e pintura.
Poema de João de Almeida Santos Ilustração: “La Cortigiana” JAS 2023 (71x88, em papel de algodão Hahnemuehle, 310gr, Artglass AR70 em mold. de madeira) Original de minha autoria Dezembro de 2025
"La Cortigiana" - JAS 2023
POEMA – “MISTÉRIO”
QUE ROSTO Tão belo, O teu, E que voz Tão afinada Que dá corpo Ao teu canto Nos momentos De alegria, Quando és Por amante Desejada, Por quem em ti Mais confia.
QUE CORPO Tão perfeito, Em movimento, A dançar, Que magia No palco Da fantasia Quando te vejo Voar.
QUE MÃOS Tão criativas Sempre Entregues Às tuas Belas pinturas, Com segura Inspiração, De todas Entre as mais puras, Por divina Vocação.
QUE MUSAS Que nos encantam Por tudo aquilo Que são, Por sua imensa Beleza E por tudo O que nos dão.
MAS, TU, O que sabes Tu fazer? Disse à musa Que um dia O encantou; O que, de ti, Podes dar? Foi o que então Perguntou.
NADA Tens pra oferecer, Nada tens Na tua mão Para os que apenas Te amam Sem saber Por que razão?
SÃO MISTÉRIOS Do amor De que não Se conhece Razão (Respondeu-lhe, Fria, a musa), São mistérios, Isso são, Enigmas Que os poetas Cantam Com arte E precisão.
ESTRANHO Fenómeno Da vida, Mistério Sem causa Aparente, Filho incerto Do destino, Entra na alma Do amante, Qual passageiro Errante, Poderoso E genuíno.
CANTAR, Dançar, Pintar, Nada disso Já interessa, Quando o amor Bate à porta Logo a aventura Começa.
E COMEÇA Sem aparente Razão, Nasce ali E logo nasce Intenso Como paixão Para que a vida Renasça Com a força De um vulcão.
GIAMBATTISTA VICO (1668-1744), um polivalente intelectual italiano, formulou na sua principal obra (Scienza Nuova, 1744)a teoria que viria a ser conhecida como a dos “corsi e ricorsi” que enquadra a evolução histórica das sociedades numa lógica cíclica entre fases progressivas e fases regressivas, sendo estas conhecidas como o regresso da barbárie, mas pior do que a barbárie originária. Lembrei-me de Vico quando decidi escrever este artigo sobre a crise da política porque considero que, infelizmente, estamos a viver precisamente uma fase regressiva da história contemporânea.
2.
Ou seja, as democracias representativas, que se foram impondo historicamente com o seu património de direitos, de liberdade, de pluralismo, de progressiva igualdade e de promoção pública de bens sociais (sobretudo no chamado mundo ocidental), entraram numa fase regressiva, dando lugar a uma retracção democrática que encontra expressão privilegiada na redução da política ao puro exercício do poder e deste ao exercício da força (militar, económica e tecnológica). O que se está a passar nos Estados Unidos, com a presidência Trump e o MAGA, é exemplar e dá uma ideia muito clara disto – soberanismo americano exacerbado e impositivo, ameaças de intervenção militar ou de anexação (Venezuela, Canadá, Gronelândia), imposição arbitrária de tarifas a todo o mundo, ataque directo à União Europeia no recente documento de estratégia de segurança nacional, xenofobia levada ao extremo e alinhamento político com os defensores de políticas autocráticas. Mas também o outro polo mais poderoso do mundo, o da China, se mantém com uma sólida ditadura, ao mesmo tempo que a Rússia de Putin se tem vindo a reforçar como Estado autocrático em clara contraposição com a tradição ocidental (a que, em parte, ela pertence), de resto, considerada pelo Kremlin e pelos seus ideólogos eslavófilos como estando em fase de progressiva decadência. E inimigo a abater.
3.
Depois, no outro polo do poder, a União Europeia, têm ganhado progressivo protagonismo as forças da direita radical, que já governam alguns países, que fazem parte dos governos de outros e que poderão vir, em breve, a conquistar o poder noutros ainda. Forças políticas que se inscrevem na lógica de um decisionismo políticosoberanista pouco compatível com a natureza da democracia representativa e com a lógica tendencialmente federal para que apontava a União Europeia, nas visões mais avançadas. Cito, a título de exemplo, em primeiro lugar, a Itália e a Hungria, em segundo lugar, a Suécia, a Finlândia, a Eslováquia e a Croácia e, finalmente, o Reino Unido e a França. Não é coisa de somenos.
4.
Se dermos uma volta pelas sondagens mais recentes nos principais países europeus verificamos que, na Alemanha, o primeiro partido já é o Alternative fuer Deutschland, com 26% (mas a cerca de um ponto da CDU/CSU); no Reino Unido e na média das várias sondagens o Reform UK, de N. Farage, já está 9 pontos acima do segundo maior partido (com previsão de maioria absoluta na Câmara dos Comuns), o Labour; na França, para as presidenciais, o seguro vencedor da primeira volta será Jordan Bardella ou Marine le Pen (se puder candidatar-se) com cerca de 34%, podendo vir a vencer a segunda volta, por exemplo, contra Édouard Philippe, do centro-direita, ou Raphael Glucksmann, do centro-esquerda.
5.
Com uma União Europeia em crise, nas várias frentes – desde as actuais lideranças até a um modelo de gestão política inócua exercida por personalidades que mais parece serem meros altos funcionários da União, mas também pelo atraso que se está a verificar no plano da tecnologia, sem plataformas digitais ou agências de rating dignas de nota, e apenas concentrando a sua acção numa política regulatória que tem punido fortemente os gigantes tecnológicos americanos (por exemplo, a Google recentemente punida com quase 3.000 milhões de euros por abuso de posição dominante em publicidade) e que tem dado origem a forte contraposição com as autoridades americanas -, se nela se vierem a impor de forma significativa os protagonistas da direita radical, alinhados, no essencial, com a linha trumpiana, ela acabará por ficar reduzida ao mínimo denominador comum e subordinada exclusivamente aos interesses nacionais dos mais poderosos países da União (Alemanha, França, Itália), numa claríssima regressão funcionalista cada vez mais distante da perspectiva federalista ou constitucionalista, que animava os maiores e melhores defensores de uma Europa política. Na verdade, o que hoje se está a verificar é um ataque concentrado à União Europeia, com vista à sua fragmentação ou mesmo ao seu desaparecimento. Ataque proveniente de leste (a Rússia), de oeste (os USA de Trump) e de dentro (a direita radical), todos numa preocupante convergência.
6.
A ideia de uma União em decadência conheceu recentemente um avanço no documento sobre a estratégia de segurança nacional americana e pode ser reconhecida nesta passagem do documento: “But this economic decline (da Europa) is eclipsed by the real and more stark prospect of civilizational erasure”. Apagamento ou erosão civilizacional que se deve à acção da União Europeia e de outros organismos transnacionais, que minam a liberdade política e a soberania, a políticas migratórias disruptivas, à censura da liberdade de expressão, à supressão da oposição política, à queda das taxas de natalidade e à perda das identidades nacionais e da autoconfiança (TheWH, 2025: 25). Neste aspecto, embora num contexto discursivo diferente (os Estados Unidos não querem acabar com a Europa – digo, Europa, não União Europeia -, mas salvá-la), a posição exposta no documento não difere muito das posições (muito mais radicais) do ideólogo A. Dugin (veja-se Santos, 2024: 92-94) ou de Sergey Karagánov (*), um influente intelectual russo, e da de muitos teóricos europeus, num filão que remonta a Oswald Spengler, ao seu “A Decadência do Ocidente” (1923), tão apreciado por Mussolini, e que no essencial identificam a actual Europa precisamente como estando em situação de decadência. Vejamos o que diz Karagánov:
“Em condições de decadência moral e política da Europa (ou desse ocidente que “provocou a guerra na Ucrânia”), é necessário começar a siberização o mais depressa possível”-
Mas vale a pena continuar a ler o que diz Karagánov:
“Recordo o óbvio, mas que normalmente nos tem sido ocultado: a Europa é o centro de todos os principais males da humanidade, duas guerras mundiais, inúmeros genocídios, colonialismo, racismo e muitos outros ‘ismos’ repugnantes. Nos últimos anos, o totalitarismo liberal, misturado com o transhumanismo, o lgbtismo, a negação da história e, na essência, a antihumanidade”.
Sem mencionar os seus exageros alucinados relativos ao uso do nuclear, ele sublinha a necessidade de dissolução da União Europeia a par de uma viragem decisiva para Oriente, para a “terra prometida” da Sibéria, para a “siberização da Rússia” (Karagánov, 2025). Mais palavras para quê?
7.
Para o filão conservador americano MAGA, para os eslavófilos radicais, como Karagánov ou Dugin, e para a direita radical europeia a União Europeia representa um enorme obstáculo para a implementação de uma política de redução dos direitos de cidadania e do Estado Social e da afirmação do soberanismo assente num nacionalismo serôdio em contraste com uma globalização que, já não sendo possível travar, pode, todavia, ser pilotada e exclusivamente dominada pelas nações mundialmente mais fortes. A União Europeia, tal como ainda é, representa um obstáculo consistente a esta estratégia de confinamento do mundo em “zonas de influência” controladas por países geridos por sistemas autocráticose não só como soft power, de que ainda dispõe, mas também pela sua economia, a terceira mundialmente maior, pela importante quota detida no comércio mundial (só inferior à da China) e pelo poder internacional do próprio euro, hoje a segunda moeda mais forte nas transações internacionais e enquanto reserva mundial de capital.
8.
Neste processo, o que se nota é uma clara exaustão, a nível nacional e comunitário, quer do centro-direita quer do centro-esquerda, que, por um lado, se deixaram adormecer nos braços do modelo social europeu, numa política essencialmente redistributiva e numa prática de alternância governativa sustentada numa insistente dialéctica endogâmica; e que, por outro lado, se deixaram infiltrar por um incomportável maximalismo de direitos com a chancela do politicamente correcto e de um suave, mas difuso, wokismo identitário, como se eles pudessem colmatar a pobreza política e ideológica dos partidos da alternância governativa, alapados comodamente na imensa e generosa máquina do poder estatal. De resto, tem sido esta pobreza ideológica e esta gestão asséptica e sem alma do poder, contaminada gravemente pela ideologia identitária dos novos direitos, que tem servido de alimento essencial à direita radical e permitido um seu enorme crescimento eleitoral.
9.
Por outro lado, esta direita radical em crescimento tem-se afirmado com um projecto cada vez mais claro de exercício do poder: soberanismo, decisionismo político (de que é exemplo o famoso premierato da senhora Giorgia Meloni), políticas anti-imigração, duro combate ao construtivismo social e defesa da componente orgânica natural dos processos sociais e humanos, ataque frontal ao identitarismo da esquerda dos novos direitos e à sua infiltração nas instituições nacionais e internacionais, drástica redução da separação dos poderes a favor do poder executivo (decisionismo exacerbado), minimalismo da União Europeia e alinhamento com as tendências autocráticas dos principais polarizadores políticos internacionais, a começar pelos USA de Trump.
10.
O que se tem visto é que estas linhas de orientação têm dado bons resultados eleitorais, têm alimentado o seu crescimento e têm constituído a âncora deste processo regressivo, que se espera não venha a ter consequências equivalentes ou piores (Deus nos livre dos Karagánov que por lá, pela Rússia, pululam) do que as que se verificaram nos trinta anos regressivos do século XX (1914-1945).
11.
Como reagir a estas tendências em nome da democracia e da União Europeia – é o desafio que se põe. Precisamos de lideranças à altura, que é o que não temos neste momento na União; a este respeito, é muito sintomático que o “Politico Europe”, 12/2025, pp. 17-47, não inclua nos 28 mais influentes na Europa o Presidente do Conselho Europeu, o português António Costa. Precisamos de dotar a União de uma estrutura política de vértice robusta e legítima que esteja em condições de tomar decisões políticas sustentadas e avançadas e não de agir exclusivamente de acordo com a lógica e os protagonistas das diplomacias nacionais, contra o poder das quais se bateu energicamente Altiero Spinelli. E precisamos de uma profunda renovação da política em vez de continuarmos a agir como se vivêssemos em período de normalidade democrática. Precisamos de um sobressalto cívico da cidadania e não da polarização da atenção social para assuntos política e socialmente irrelevantes e desviantes ou de uma política que apenas funcione por inércia, por incapacidade das classes dirigentes dos países que integram a União. E precisamos de visão para dotar a União de instrumentos de desenvolvimento e de defesa próprios para salvar aquela que ainda é uma forte posição na geopolítica e na economia mundial e que reforcem e revigorem aquela que foi uma sua importante característica na política mundial: o seu soft power e o poder de influência modelar sobre os países em desenvolvimento.
12.
O problema é que isto chegou a um tal ponto crítico que até mais parece que devamos deixar exaurir este processo regressivo para que se verifique uma “destruição criativa” (para usar este curioso conceito da economia) em condições de dar início a uma nova fase progressiva, exactamente como nos sugere a filosofia da história do Giambattista Vico. Mas esta seria uma infeliz esperança que aconteceria no meio e longas e irreparáveis perdas até que uma nova fase de progresso chegasse. Vivemos tempos de difícil composição entre o pessimismo da razão e o optimismo da vontade.
Nota e Referências
* Doutor em História, foi Conselheiro de Yeltsin e de Putin, amigo de Lavrov, professor e director científico da Faculdade de Economia Mundial e Política Mundial da Universidade Nacional de Investigação Económica, presidente honorário do Conselho de Política Externa e de Defesa.
Poema de João de Almeida Santos Ilustração: “Perfil de um Poeta” JAS 2025 Original de minha autoria Dezembro de 2025
"Perfil de um Poeta" - JAS 2025
POEMA – “CATARSE”
SINTO A TUA FALTA E como a sinto Eu danço E não descanso Até cair exausto No palco De um poema.
OUÇO O ECO Do teu silêncio Apenas sussurrado E, como o ouço, O meu canto É um pouco Triste, Desencantado.
MAS JÁ NÃO SINTO O veludo Da tua pele E como não o Sinto Eu pinto-a De cores intensas... ........... Numa folha De papel.
NÃO OUÇO A tua melodia E como não a Ouço Fico em silêncio Para melhor Te sentir Cá dentro Da fantasia.
FAZ-ME FALTA A tua voz, Faz-me falta O teu sorriso E por isso Te recrio E te levo Ao paraíso.
DA TUA FALTA Nasce em mim A orquestra Para uma sinfonia, Andamentos Sem fim, Contrapontos do Silêncio, Corpos que Dançam, Luzes, cores, Aromas, flores, Uma bela Cenografia Neste palco De palavras, Neste palco De magia.
E ASSIM NASCE Este meu canto, Do silêncio e Da dor, Na dança E no amor, Em poesia, Nas palavras Que lanço Ao vento Construindo Estas pontes Pra te ter Por companhia.
VISITO-TE De mil maneiras, Procuro-te Numa torre De marfim Enredado Numa teia Para melhor Te sentir Com a leveza Da arte E em forma De sereia, Naufragar Nesses teus olhos Ao som De uma bela Melopeia.
APESAR DE CONSIDERAR que o Presidente da República deveria ser eleito por um colégio eleitoral alargado, como já aqui tive oportunidade de referir e de fundamentar, naturalmente que votarei nas próximas eleições de Janeiro. E o meu voto irá para António José Seguro (AJS). Em primeiro lugar, porque a sua candidatura se inscreve na minha área política, que é a da social-democracia. Depois, porque reconheço que ele dispõe, pelas funções políticas e institucionais que desempenhou, de experiência política suficiente para o desempenho de uma função em que se destaca o poder de dissolução do Parlamento, quase sem limitações (a não ser nos últimos seis meses do mandato e no início de uma nova Assembleia, também seis meses). Mas também porque julgo ser um candidato democrata, moderado e dotado de bom senso, que é uma característica fundamental para a função. Depois da extravagância expositiva e do activismo dissolutivo que tivemos durante os últimos anos é aconselhável alguma prudência e algum recato e bom senso. E creio que AJS tem as características necessárias para esta mudança.
2.
Mas há uma razão estritamente política que merece ser considerada. AJS ao propor-se como candidato independente (de partidos), obedecendo exclusivamente às suas próprias razões pessoais e ao resistir estoicamente a ataques públicos um pouco indecorosos por parte de uma parte da chamada elite socialista, conseguiu manter-se firme, acabar por ficar como candidato único do centro-esquerda e por merecer o apoio público do PS. Só esta razão seria suficiente para lhe dar o meu voto. Certos personagens do PS, tendo desempenhado funções relevantes no partido e no Estado, deveriam sentir-se obrigados a uma certa contenção nas declarações públicas acerca de uma pessoa que desempenhou durante três anos as funções de líder do partido que, ao longo do tempo, lhes foi confiando importantes responsabilidades no Estado. As razões pessoais, que são legítimas, não se devem sobrepor, num caso desta natureza, às razões políticas. Mas, mesmo assim, tendo AJS levado a bom porto a sua candidatura como a única do centro-esquerda também acabou por impor uma derrota a estes intemperados personagens. O voto é livre e secreto, certamente, mas a responsabilidade política de certos protagonistas obedece a critérios morais que, neste caso, sendo também políticos, não me parece que tenham sido devidamente considerados.
3.
Sim, é verdade que AJS não conseguiu reunir os apoios da esquerda fragmentária que persiste em dar batalha ao centro-esquerda mesmo quando este se pode revelar fundamental para impedir más soluções políticas. Acham-no demasiado de direita para os seus gostos políticos e, por isso, talvez prefiram o original em vez da cópia. Coisa, de resto habitual, se exceptuarmos os quatro anos da “geringonça”, construída em dois pilares essenciais: não permitir que a direita que ganhou as eleições formasse governo e salvar a pele de António Costa, que, depois de um grave período de austeridade, não só não ganhou as eleições sequer por “poucochinho”, mas perdeu-as por muito. Agora, em linha com a clássica orientação, PCP, Bloco e Livre provavelmente vão disputar a primeira volta e contribuir para que o candidato do centro-esquerda não chegue à segunda volta, abrindo fileiras para que seja a direita a disputar a segunda volta e a ganhar as presidenciais. Dir-se-á que, deste modo, ou seja, mantendo-se distante da esquerda radical, AJS possa vir a obter votos do centro-direita, colmatando as brechas eleitorais que venham a verificar-se no seu próprio espaço político. Mas, no essencial, tomando em consideração, por um lado, a dimensão eleitoral do PS e a dimensão conjunta de toda a esquerda radical e, por outro, a fragmentação da direita, o mais provável seria que AJS chegasse à segunda volta, podendo disputar efectivamente a presidência. Não sendo assim, e tomando em consideração as sondagens, será mais difícil que o candidato do centro-esquerda chegue à segunda volta.
4.
Mais uma vez, a esquerda radical só pensa em usar o período eleitoral da campanha presidencial para se promover e para testar o valor eleitoral de alguns dos seus personagens, pouco lhe importando o desfecho das presidenciais. Mais, conquistando o bloco da direita a presidência, o seu capital de queixa aumentará, podendo, deste modo, prosseguir melhor o rumo de uma progressiva e inelutável irrelevância política.
5.
O Presidente da República dispõe de poucos poderes, mas dispõe de um que é muito importante: o de poder dissolver o parlamento ainda que haja uma maioria absoluta parlamentar, como se viu, por exemplo, com esta presidência que agora, e felizmente, chega ao fim, com os resultados que conhecemos.
6.
A eleição do Presidente da República é, juntamente com as legislativas e as autárquicas, um dos pilares fundamentais do nosso sistema democrático. E, por isso, e porque dispõe de um poder único no sistema – o de dissolução do Parlamento, sem que haja um instrumento equivalente que também a ele se possa aplicar, como é, por exemplo, o do impeachment –, o seu uso pode produzir profundas alterações no equilíbrio de forças, como se viu com a dissolução decidida em 2023, que levaria o PSD ao poder, depois de uma breve maioria absoluta do PS. Uma dissolução que tem muito que se lhe diga, designadamente pelo facto de o PS a ter aceite passivamente, sem que os seus órgãos electivos se tenham pronunciado e reivindicado energicamente o direito de o PS continuar a governar, embora com outro primeiro-ministro. É conhecida, em parte, a mecânica insólita deste processo e o resultado a que ele levou, e não parece ser difícil, para já, tirar dele algumas, e preocupantes, ilações. Até por isso, julgo ter fundadas razões para votar em António José Seguro. É apenas um voto, em urna, mas aqui publicamente argumentado e justificado. JAS@12-2025
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração: “Mulher”. Pintura de JAS (2025) sobre foto artística de autor anónimo e de minha propriedade. Dezembro de 2025.
"Mulher". JAS 2025
POEMA – “OS SEIOS”
ERAM OS SEIOS De uma mulher A sua atracção Fatal, O que ela Lhe dizia Para ele Era banal, Mas a forma Do seu peito Era desenho Perfeito De um corpo Sensual.
CONTOU-ME, Em tarde De melancolia, Da arrebatada Pulsão, Quando ele Nesse dia A perdera E ali mesmo Vira morrer Essa fatal Atracção.
ERAM SEIOS Generosos (Disse-me, Com certo brilho Nos olhos, Mas serena Amargura) Os dessa linda Mulher, Uma imensa Alvura Em formas tão Sensuais... ............ Era a física Mais pura Dos corpos Que se atraem E seus embates Fatais.
CONFESSOU, Com olhar Um pouco vago, Que o seu corpo, Insistente, O convidava A olhar, Bem de frente, Com a libido A ferver... .......... E, então, Estremecia, Ficava paralisado, Não sabia O que fazer.
MAS NADA MAIS Ele queria (Foi o que sempre Lhe disse) Do que vê-la Em pose De maternal Sedução, Alimento Dessa sede Tão faminta, Dessa irresistível Pulsão...
SENTIA-OS Como fetiche, Como se a vida Lhe pedisse Apenas um seu Olhar, Criança perdida No mundo, Náufrago Em alto mar...
MAS, AGORA, Já sem a visão Que sempre O atraíra (Foi o que logo Me disse), Só sentia Melancolia E uma doce Nostalgia Desse corpo Sedutor Onde naufragara Um dia, Em busca de Salvação... ................ Ou talvez mesmo De amor.
MULHER-MÃE Era destino Que só nela Se cumpria, Fruto de uma longa Solidão Que se consumou Nesse dia, Como se tudo Só fosse Uma doce ilusão, Um fruto Da fantasia... ............... Ou, então, fosse Paixão!
É SEMPRE BOM VIAJAR à procura de nós, olhando de frente a diferença. A identidade reconhece-se na diferença. Pode não ser muito cedo, mas talvez não seja, sempre, tarde demais para reconhecer a identidade que pode andar um pouco perdida, depois de termos viajado longamente pela diferença. O que é preciso é viajar… para a conhecer melhor. Sair da ilha, como diz o outro. Olharmo-nos no espelho do tempo e do espaço. Mas não sei se o que diz Bernardo Soares sobre o espelho não será uma grande verdade: “o criador do espelho envenenou a alma humana” (2015: 368). E o espelho é essa diferença que nos devolve a identidade. Será? Nesse espelho reflecte-se a nossa imagem, já gasta pelo tempo cronológico, e até pode acontecer alguma angústia e alguma melancolia ao observarmos o reflexo daquilo que somos e do que não somos. Envenenar a alma? Talvez seja demasiado. O espelho devolve-nos a identidade que o tempo esculpiu. É a nossa relação com esse tempo que se reflecte no espelho, gostemos ou não do que vemos sobre o que somos e sobre o que fomos ou não fomos. Perante a imensidão de possibilidades que a vida põe à nossa disposição será sempre minúsculo o que delas faremos. Certamente, mas o tempo poético, esse, que é muito diferente, não regista a idade cronológica nem envenena a alma. Transforma as rugas em beleza. A arte como espelho não envenena – eleva, sublima, espiritualiza a alma. O tempo da arte é um tempo salvífico. É tempo de resgate. E subtrai peso à existência, podendo sempre ser livremente percorrido em direcção a um futuro libertador. E, por isso, talvez nunca seja tarde demais (a referência é ao poema “Tarde Demais”). Não há marcas cronológicas no tempo poético? Pode haver e pode não haver. É o desejo que o determina. Sobretudo o desejo insatisfeito. E ter saudades dele. E reactivá-lo para o transcender. O sujeito poético pôs essa hipótese, bem consciente de que a frase “tarde demais” poderia ter um interessante efeito retórico sobre o passado encarnado pela musa a que o poema se dirige. Só que ele é um efeito válido em si, não um desabafo perante outrem. Ou mesmo perante a musa, porque ela é interna à própria poesia. Este tipo de desabafo embacia o espelho e na superfície baça é possível redesenhar o passado à medida do desejo. O desabafo poético não é como os outros. É uma outra imagem que se reflecte no espelho. Sim, é como desabafar perante um espelho, que até pode assumir a forma de musa, tornando-se verdadeiramente eficaz. E, por isso, sendo um diálogo com a musa-espelho, é necessário dar um significado particular ao que o sujeito poético diz. Como se se tratasse de um diálogo diferido no tempo… mas em forma de monólogo. Será que ela lhe responde (poeticamente), dizendo, com um silêncio com eco ou ressonância, em surdina, que nunca é tarde demais? É, sim, o problema do tempo poético. O que ele quer – e isso é possível – é encontrá-la no amanhecer de um poema para, com o olhar, lhe dizer tudo aquilo que não pode dizer com palavras que talvez já estejam demasiado gastas. Pretende assim fazer sair de si a (sua) alma com um simples olhar. “Amo com o olhar, e nem com a fantasia”, dizia o Bernardo Soares (2015: 424). É este olhar (poético) que forma o objecto olhado. Os poetas olham com palavras directamente nos olhos das musas, visto que os amanheceres de poemas só assim podem acontecer, mesmo quando elas parecem já gastas. Quando a palavra já aconteceu (em forma de poema) a fantasia (do poeta) retira-se. Será isto que o BS quer dizer, ele, que não se ajeita com a poesia? É que ele bem sabe que os poetas olham com palavras e que esse olhar é como uma “cristalização”. Como a do amante. Tarda a encontrá-la, mesmo guiado por um poema, é certo. Pode acontecer. Mas o encontro sempre acontecerá num amanhecer de palavras, porque o vento é seu (dele) amigo. Com palavras a observa, com palavras lhe fala, com palavras a interpela, sabendo que sempre o seu eco lhe será devolvido pelo vento. Porque ele sopra sempre a favor, sobretudo quando os afectos estão inacabados. Sim, quando os afectos estão inacabados… e persistem. Afinal, é por isso que há poesia. Ela está lá para nos dar o que a vida nos negou. Pelo menos algum conforto. Nunca é tarde demais, para o poeta, ainda que seja tarde. Há sempre um espelho mágico em frente dele. Que nunca lhe envenena a alma.
SINFONIA
A poesia é movimento que embala. A música interna de que é composta enleva, seduz, toca mais de perto e intensamente a sensibilidade. Os poemas são sinfonias. Levamo-los até um qualquer lugar à procura da musa que, com o silêncio, nos interpela. Sobre o seu silêncio cresce essa sinfonia, como música em catedral. A poesia é resposta a um chamamento que ressoa, como eco, dentro do poeta. Adensa-se o silêncio e aumenta a ressonância. E a poética orquestra faz-se ouvir em concerto para almas sensíveis.
O TRIO SAGRADO
Talvez a poesia procure responder ao desafio de um trio sagrado: “Alêtheia”, a verdade; “Tò Agathón”, o bom; e “Tò Kalón”, o belo – aquilo a que a arte aspira. Resposta só possível porque ela se eleva sobre a contingência, embora estimulada por ela. Desvelar o que lhe vai na alma, é o que o poeta faz, com algum artifício, técnica, e com gosto. A beleza que procura nas palavras com que se revela é o seu desafio moral máximo – age de tal modo que a máxima da tua sensibilidade possa valer sempre, e ao mesmo tempo, como princípio de beleza universal (veja Santos, 1999: 45).
INTERVALO
Talvez nunca seja tarde para o poeta que foi interpelado pelo eco do silêncio da musa. A máquina do tempo leva-o sempre para onde ele quiser desde que guiado pela sua fantasia. Mas talvez tenha sempre de ser tarde demais… para que a poesia aconteça. No tempo cronológico. No outro tempo, o poético, pode ser tarde, mas nunca é tarde demais. Naquele outro, talvez seja. Mas é neste intervalo entre um e outro que a poesia acontece.
IMPOSSIBILIDADE
Este “tarde demais” (do poema) talvez seja uma alusão temporal à impossibilidade. Resta ao sujeito poético encontrar-se com a musa no amanhecer de um poema. A impossibilidade é relativa ao tempo cronológico, pois o encontro no tempo poético é sempre possível. A musa, neste tempo, nunca se perde, nunca está ausente. Porque ela existe como correlato do próprio poeta e do poema com que a interpela. Não há poesia sem musas. E não há musas sem poesia. Um poeta nunca morre, tal como a musa. Porque ele se confunde com a sua obra e com ela, mas também porque não está subordinado ao tempo cronológico. A poesia é intemporal e atemporal. O seu tempo é “durée” (Bergson), não é tempo com fronteiras e não conhece solução de continuidade. Claro que a ordem do tempo (cronológico) a marca. Mas não no essencial… porque o que ela busca é a marca da eternidade.
O DESEJO E A NATUREZA
“Oh, se é teimoso, o poeta!”, respondi eu a um Amigo que dizia que o poeta teimava em ter um azevinho com bagas no seu jardim. Mas ele precisava mesmo das bagas e não desistiria enquanto as não conseguisse. Até lhes deu vida num poema (“As Bagas”) e numa pintura (“Bagas no Jardim”). Coisas de poeta. Na natureza, e com a ajuda da fantasia, é sempre possível encontrar algo que serve de projecção antropomórfica. Neste caso, não se conhece a razão específica que explique essa obsessão do poeta. O Stendhal, em “Do Amor” (1822), diz, a este propósito (sempre sobre o amor), o seguinte: “… não há nada na Natureza que não lhe (ao ‘homem que ama de verdade’) fale do objecto amado” (2009: 123). É a conhecida fórmula da “cristalização”, como “ilusão encantadora” ou “uma certa febre da imaginação”, onde as realidades “se ajustam imediatamente aos desejos” (2009: 43, nota; 37). E a poesia é um território de desejos incumpridos no tempo cronológico. Mas, em Stendhal, trata-se de amor, não de bagas. Só que os azevinhos com bagas sempre atraíram o poeta. Não sendo amor, é atração irresistível. Vá-se lá saber por que razão. Não sei se será alguma reminiscência natalícia muito antiga e resistente ou uma “certa febre da imaginação”, como no amor. O que importa é que já tem um azevinho com bagas no jardim. E não é coisa de imaginação. Está mesmo lá. Mas também já tem dois poemas e duas pinturas sobre bagas e azevinhos. E isso encanta-o. Até porque “os campos são mais verdes no dizer-se do que no seu verdor” (2015: 55), como dizia o Bernardo Soares. Há mais bagas no dizer-se do que no azevinho plantado? “Talvez, mas não me importa porque tenho as duas coisas comigo”, diz o poeta.
A FRONTEIRA DO TEMPO
O poeta resiste à marcha inelutável do tempo cronológico, combatendo-o com o tempo poético. Será possível? Sim, é possível, desse modo, atravessar a fronteira do tempo.
REFERÊNCIAS
Bernardo Soares (2015). Livro do Desassossego. Porto: Assírio & Alvim.
Santos, J. A. (1999). Os Intelectuais e o Poder. Lisboa: Fenda
Stendhal (2009). Do Amor. Lisboa: Relógio d’Água. JAS@12-2025
Poema de João de Almeida Santos Ilustração: “Azevinho com Bagas” JAS 2025 Original de minha autoria Novembro de 2025
POEMA – “O AZEVINHO”
NÃO SEI PORQUÊ, Talvez seja O destino, As bagas Lá apareceram No azevinho Que vi, Um arbusto Pequenino Que pôs fim Ao que sofri.
ERA MESMO UM Azevinho, Com as bagas Vermelhinhas, Daquelas Que sempre quis, Eram bagas Como as minhas, Que me faziam Feliz.
FUI AO MERCADO (Nem sei bem Por que razão) E logo vi Um azevinho Com bagas Tão vermelhinhas Que nem quis Acreditar... ............ Estava mesmo À minha espera Para comigo O levar?
COMPREI-O À vendedora E li-lhe o poema Das bagas, Das outras Que eu cantei, Quis mostrar-lhe O meu encanto, Falar-lhe Daquele tempo Em que por ele Esperei.
LEVEI-O LOGO Para o meu amado Jardim Era isso Que ele esperava, Ser cuidado Só por mim...
E PLANTEI-O Onde ele irá Crescer, Ao lado Do azevinho Que bagas Nunca quis ter, Ficando sempre Sozinho E não sei Se a sofrer.
E ASSIM FELIZ Fiquei Encontrei as minhas Bagas, As que sempre Procurei.
Um livro de António de Castro Guerra (Lisboa, Rosa de Porcelana, 2025, 145 pág.s)
Por João de Almeida Santos
HÁ DIAS, tive ocasião de apresentar, em Manteigas, em Valhelhas e na Guarda, o mais recente livro de António de Castro Guerra, “O Meu Paraíso”. Mas, depois do que escrevera no Prefácio deste belo livro, o que poderia dizer de novo, no momento da sua apresentação pública? Sabendo que sobre o livro também iria falar Filinto Elísio, Editor e ilustre poeta cabo-verdiano, lembrei-me de um seu poema, do livro Li Cores & Ad Vinhos, que, a título de epígrafe, vinha mesmo a propósito. “Monte Birianda”, era o título do poema, onde o poeta dizia:
“Estive e nunca estive neste lugar. Há qualquer coisa de topo do mundo (...). Este lugar tem música. Cada pedra guarda acordes inaudíveis”
(Lisboa, Letras Várias, 2009, pág. 73)
“Estive e nunca estive neste lugar”, onde “cada pedra guarda acordes inaudíveis” – aparentes contradições que só a poesia sabe “manejar” para aprofundar e evidenciar o sentido do que se diz. E isto só se pode dizer quando a relação é profunda, como neste caso. Nunca se está completamente num lugar quando há algo maior do que nós, talvez inaudível ou invisível, que nos escapa… mas que, ao mesmo tempo, nos interpela. Essa parte, “nunca estive”, dita em poesia, de certo modo pode significar: “mas hei-de um dia lá chegar, lá estar”. Afinal, trata-se do “topo do mundo”… Como alcançá-lo, o topo do mundo, com os meios humanos e tão modestos de que dispomos? Como fazer essa escalada tão difícil? Lá no alto até pode faltar o oxigénio, ser difícil respirar. Esta sensação de estar e não estar aumenta quando se deseja profundamente esse lugar. E a errância existencial, que nos leva para longe, provoca, ainda por cima, um acrescido sentimento de perda, de ausência, de silêncio, de saudade e de melancolia, mesmo daquilo que nunca se teve ou daquilo onde nunca se esteve. Saudades do que nunca aconteceu, dizia o Bernardo Soares no Livro do Desassossego: “Ah, não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram” (Porto, Assírio & Alvim, 2015, p. 111). Saudades de um desejo não cumprido ou saudades de um lugar onde nunca se esteve. E é aqui que soa a desafio. Ou mesmo a imperativo. Como alcançar o topo do mundo, que, afinal, é o topo do meu mundo? Será que consigo através da palavra, do romance, da poesia? Da arte? Na verdade, o inacessível (“nunca estive”) só pode ser atingido assim. É para isso que a arte existe, para atingir o inacessível. Podem crer. É isso que parece querer insinuar-se nestas persistentes viagens em palavras que António de Castro Guerra tem vindo a fazer para chegar ao topo do seu mundo: nasci lá, sim, mas ainda não lhe vi o topo, que talvez também esteja lá bem no alto da minha fantasia. E é por isso que tento lá chegar… com palavras. Até porque sei que já não posso agarrar o meu passado com as mãos, agarrar o meu Paraíso, recuperar o tempo que já se foi. Mas sei que o posso reviver e até acariciar com as palavras e com a minha fantasia. Trazê-lo, assim, até mim. E sei, ah, isso eu sei, que “para saber o que é o meu paraíso é preciso muito mais do que o ver: o mais importante é vivê-lo e senti-lo” (2025: 58). E aqui estou eu agora a revivê-lo do único modo possível, pelas palavras, sendo ele, como já é, em grande parte, passado. Também os poetas vão lá à fita da memória, fazem uma espécie de montagem cinematográfica e reconstroem o passado. Depois é vê-lo em moviola. Como um filme ali ao alcance das nossas mãos. E os seus livros são como a moviola: permitem observar de perto e ao pormenor o seu Paraíso. O topo (de outro modo) inacessível do seu mundo. Podemos parar a fita do tempo, arrancar, voltar atrás ou dar um salto para o futuro. Quando se faz a dobragem de um filme é (ou era, já não sei) assim que se trabalha – na moviola. E estes livros são como que a “dobragem”, a tradução do tempo vivido em bom português.
1.
Este lugar, que não é Monte Birianda, ou Monte Brianda, na ilha de Santiago, em Cabo Verde, mas a Serra da Estrela, mais concretamente, Valhelhas e os seus vales e serranias, é para Castro Guerra o seu paraíso, talvez, sim, o topo do seu mundo (como tantas vezes é assumido nos seus livros), o lugar onde um rio foi e fez a sua liberdade, “lugar mágico” onde nasceu e cresceu “a olhar (lá) para o alto da Serra”. Para o topo do (seu) mundo.
2.
Palavras suas. Ditas no seu livro “Quase Memórias de um Lugar e de outras Andanças”, de 2020, publicado pela mesma Editora, Rosa de Porcelana. Mais de 400 páginas de memórias, ou, como ele diz, “quase memórias”. Talvez porque o livro seja – e é – mais do que uma colectânea de memórias. Talvez seja mesmo um lugar de vida. Vida em palavras, que a avivam ainda mais. “Quase memórias”, não por defeito, mas por excesso. Lugar onde sempre se regressa das terras “da promissão” (palavras suas). Que foram e são muitas, mas especialmente terras de África e, sobretudo, da América. Isto é coisa séria, muito séria. Quem conta de forma tão detalhada, delicada e sentida, ao pormenor, a vida e as vidas da sua terra, a começar pelas da sua própria família, neste livro de “Quase Memórias”, só pode ser suspeito de manter com ela um cordão umbilical nunca radicalmente cortado, uma relação de tipo maternal ou amorosa com esta terra, o seu Paraíso. É evidente a sua paixão por estas terras ou não teria escrito sobre elas mais de novecentas páginas. Mas não foi preciso ler este livro de “quase memórias” para compreender o que o levou a escrever o “O Meu Paraíso”.
3.
Conheço o António de Castro Guerra e sei bem do seu fascínio e da sua paixão por esta terra que o viu nascer e crescer. Se não soubesse, ficaria a sabê-lo (ao pormenor) pela leitura dos seus livros. O amor por esta terra, pelos três vales que nela confluem, pelo rio que por ali passa e a banha generosamente e pelos vastos e impressionantes montes que a circundam. Muitos de lá talvez nem se dêem conta desta beleza por nunca terem sentido de forma substantiva a diferença, por nunca a terem visto e sentido a partir de fora, o que não é o seu caso, porque tantas vezes a sentiu lá de longe, sobretudo de África, por onde andou nos anos setenta, como nos conta em “Quase Memórias”. Os que não saíram querem sair para serem livres, os que saíram querem regressar para recuperar a sua identidade mais profunda. Isto parece ser uma lei do comportamento humano. E ele saiu da ilha, viu-a de longe, sentiu a sua falta e teve de a contar para a resgatar do tempo e para se resgatar a si próprio. E tinha de ser assim porque as palavras têm esse poder de resgate, de “cristalizar” sentimentos fortes (como no amor de que fala o Stendhal) o que ameaça desfazer-se, acabar e desaparecer. Sobretudo em certos momentos de maior ameaça, como foi o caso da enorme e incompreensível devastação, com o fogo, durante dias e dias, a passear-se pelas suas, pelas nossas, serranias sem que mão humana o pudesse travar. Ou, então, quando as saudades do tempo que já se foi se tornam mais intensas e dolorosas, provocando melancolia, esse sentimento que os poetas registam de forma muito própria. As nossas palavras também têm ressonância ou eco em nós próprios e só por isso já valeria a pena pronunciá-las ou escrevê-las. O eco do silêncio, do que já só se conserva na memória ou daquilo que se segue à destruição, é o que melhor os poetas sabem interpretar. E nem seria necessário que fosse Shakespeare a dizê-lo. Dizê-las, sim, vale sempre a pena, quanto mais partilhá-las num livro lançado ao vento, como quem diz: aqui têm a minha Valhelhas, aqui têm o meu Paraíso!
4.
Se ousasse fazer uma comparação com a minha própria experiência, já que sou natural de Famalicão, que fica mesmo ali ao lado de Valhelhas, e migrante por largos anos em terras da Europa, atrever-me-ia a dizer que Valhelhas e a Serra foram, como para mim, o seu esteio, a sua âncora existencial, o porto seguro dessa errância que nunca se sabe onde vai dar. O pilar existencial que garante a nossa própria identidade quando ela parece estar ameaçada por excesso de uma miscigenação que pode ser descaracterizadora dessa identidade substancial que foi marcada, no tempo certo, em tenra idade, pela magia desses lugares. Querem um exemplo? A mim, a neve não me sai da cabeça. Fiquei incrédulo quando ela um dia foi ter comigo a Roma. Tenho um quadro com ela na Piazza della Rotonda, em Roma, a praça do Pantheon. E não dormi nesse dia, não fosse ela derreter-se tão depressa como chegou. A neve anda sempre por cá e, de vez em quando, lá tenho eu de a cantar, em poesia. De repor o que já parece perdido, essa brancura cintilante que funde o céu e a terra, nos engole num manto sem fronteiras e nos fascina o olhar e a alma. E quanto à água do Vale Glaciar, a da Fonte Paulo Luís Martins, essa magnífica cascata que jorra lá do alto da montanha, anda sempre comigo. E não só porque também a canto e a pinto, como se fosse neve em forma de água pura e fresca ou a própria montanha em forma líquida, mas porque é isso que esta água representa.
Mas também António de Castro Guerra (que sobre a neve sente o mesmo que eu) diz, e para que não haja dúvidas, “o meu paraíso nunca saiu da minha cabeça e do meu coração” (2025: 67). Pois, o que é que nunca lhe saiu da cabeça e do coração, além da neve? Ouçam-no: “Ao longo dos caminhos das serras, aqui saltava-me à frente um coelho ou uma lebre, além vislumbrava, de vez em quando, uma perdiz a levantar voo, ou a conduzir os seus perdigotos. Não era raro ver uma raposa matreira, ou um lobo solitário, ouvir as falas dos gaios e das pegas, comer as pútegas que cresciam junto às raízes das urgueiras, das carquejas ou das estevas, cujas flores eram de uma beleza rara: o conjunto das suas pétalas brancas formava um cálice orlado de uma cor indefinida, no fundo do qual estavam os estames cercados por uma rodilha acastanhada. A apreciação da diversidade das urzes e das suas pequenas flores multicolores eram, também, momentos de libertação das coisas mundanas. Nas minhas caminhadas ao longo das margens do rio, ouvia os chilreios dos pássaros, observava os cardumes de peixes, ouvia e via os pica-paus a bater nos troncos secos das árvores à procura de alimentos, via os pica-peixes a entrar na água do rio a pescar as refeições do dia, observava a beleza dos milheirais e falava com quem os estava a mondar ou a regar; aproximava-me dos rebanhos a pastar as tenras ervas dos campos do vale – muitas vezes ao entrar nos domínios dos cães que guardavam os rebanhos, tinha de me servir do cajado para me defender” (2025: 66). Poderia citar outras passagens, mas não resisto a citar esta: “Perseguíamos as rãs para as apanhar e as cobras-de-água para lhe pegar pelo rabo e as lançar ao ar, depois de lhes tirarmos os peixes que abocanhavam. Às rãs eram cortadas as pernas e despíamos-lhes as calças até às unhas dos pés. Junto às margens do rio brincávamos com as arestas e os girinos, que, alguns tempos depois, se transformariam em peixes graúdos ou em rãs. Perguntarão alguns porquê esta mortandade de peixes e rãs? Pelas mesmas razões, que atrás se expõem, relativamente aos pássaros, coelhos, lebres e perdizes” (2025: 64). Ou seja, não se tratava de crueldade, mas de caça ou de pesca, determinadas por razões de sobrevivência, onde pouco havia para comer. Não se ia ao supermercado comprar carne ou peixe, ia-se à natureza caçar ou pescar o que depois se haveria de comer. Lei da natureza, própria do seu Paraíso.
É disto que se trata. Não sobram dúvidas. É este o seu Paraíso. É disto que tem saudades.
5.
Naturalmente que existe sempre uma propensão natural para imergirmos na magia da natureza, muito mais frequente em quem nasce e cresce nela, mas também há factores externos que nos levam a valorizá-la mais do que os que nela sempre viveram, os que nunca saíram da “ilha”, ou seja, nunca experimentaram um sentimento intenso de alteridade, de presença existencial e enraizada do outro, de diferença substancial de lugares, de pessoas, de modos de vida, de paisagens naturais e humanas. Talvez a conjunção destes factores o tenha levado a “cristalizar” com arte e com palavras essa memória feliz em quatro livros, incluído este. E neles incluo o romance “Uma viagem no Tempo”, de 2022, onde ficou bem expressa essa sua relação idílica com a natureza, em ambiente de partilha cúmplice. Livros feitos de palavras, claro, mas também de fotografia e pintura, como acontece em “Ao sabor dos Dias & outros Escritos”, de 2024, e também neste de que aqui estou a falar. Um encanto existencial, sim, mas que, de forma inesperada, haveria de “virar” estupefacção, dor, desencanto quando foi (fomos, todos) confrontado com a devastação das serranias do seu encanto pelo incompreensível e imparável incêndio de 2022.
6.
Eu atrevo-me a dizer que este livro, embora também estimulado pelo seu Amigo António Mesquita (tens de escrever este livro, António), acabou por nascer, não como resultado de uma fria e distante decisão documental sobre a tragédia que caiu sobre o seu Paraíso, de um produto de escritor amante da arte e apenas comprometido com a beleza em si, mas como um imperativo existencial, como um exorcismo, como a libertação de alguém que viu destruídas no real as suas memórias mais quentes, já completamente metabolizadas, e que vinha acarinhando através de um comprometidíssimo e já vasto percurso literário. Não, este escritor nasceu de um imperativo existencial, à margem da sua carreira profissional (como economista e professor), de uma alma sensível à beleza natural que se exprime nesta sua terra, nesta excepcional e única convergência de vales e de montes. Trata-se, agora, neste livro, e com maior profundidade e dor – porque se trata de um autêntico grito de alma -, de resgate pela palavra. Só assim se compreende que no meio deste grito de dor em palavras ele traga ao presente, e de novo, as memórias desses tempos em que eram felizes os que por ali viviam, com a caça, com as festas comunitárias e o quotidiano rústico e matricial, com as suas antigas tradições ciclicamente repropostas, encenadas e coreografadas pelas ruas da aldeia. Tudo aqui muito bem descrito com palavras certeiras e com sentida melancolia.
7.
António de Castro Guerra inspirou-se, para escrever este livro, na sequência da Divina Comédia de Dante Alighieri, mas alterando-lhe a ordem, porque também por lá há o Inferno, o Purgatório e o Paraíso, precisamente por esta ordem, diferente da sua, que começa, não com o Inferno, mas com o Paraíso, o Éden, que Dante, através da voz do poeta Virgílio, considera “il dilettoso monte, ch’è principio e cagion di tutta gioia”, onde “è l’uom felice” (Inferno, Canto I, versos 77/78).
8.
Sendo inevitável que neste livro haja, no fim, o Renascimento, como declaração de esperança, de reconhecimento de que a natureza tem uma força e um ímpeto tão intensos que sempre se impõem quer quando está zangada quer quando se quer renovar para, assim, sobreviver, isso, não lhe apagando a profunda tristeza perante o que vê, leva-o o construir uma sequência anterior que começa com o Paraíso e que termina, precisamente, com o Renascimento desse mesmo Paraíso. O livro tem, pois, quatro partes, começando, neste caso, e como é compreensível, pelo Paraíso (pp. 23-67), por um cântico à beleza natural e aos seus tempos idílicos, a que se seguem o Inferno (pp. 71-109), esse incêndio devastador, o Dilúvio (pp. 113-124), a chuva torrencial que se lhe seguiu e os efeitos desastrosos que provocou, e o Renascimento (pp. 127-139), o renascer das cinzas, e, finalmente, um pequeno Glossário (pp. 141-144). O autor começa por contar a vida do seu Paraíso terrestre e original, a beleza da imersão suave na dialéctica da natureza dos que viviam nela e dela, para depois contar o inferno de fogo que a destruiu e a que se seguiu, como sempre acontece, pois é lei da natureza, um dilúvio de consequências desastrosas por falta de suporte natural nas terras atingidas pelo fogo. Ali, ao longo das margens do Zêzere e com águas vindas lá de cima, dos montes desprotegidos, tudo foi na enxurrada, de Sameiro a Valhelhas. Mas, no fim, lá surge essa esperança no despontar da natureza para restaurar o equilíbrio perdido do seu Paraíso, bem ilustrada, na pág. 125, pela bela imagem de uma planta verdejante que renasce das cinzas, como a Fénix.
9.
E é interessante notar que o autor tem o cuidado de, em dois dos seus livros, apresentar um Glossário dos termos usados nesse tempo antigo, não vá o leitor procurá-los num dicionário, em papel ou digital, e não os encontrar. Repor o que pode estar perdido é revivificar o passado e não o deixar morrer. Repor também as palavras, neste caso. E creio até que não é o rigor e o cuidado científico – e até podia ser para um académico como ele – que o leva a fazer isso, mas sim o desejo de tornar mais viva e eficaz a sua narrativa, de trazer o leitor mais lá para dentro dela, reconstituindo a linguagem de outrora como desejo de também a revivificar, de a resgatar das chamas do esquecimento, que também tudo reduz a cinzas, de dar à narrativa uma temporalidade inscrita no passado, sim, mas tornada, deste modo, activa no presente, através da descodificação da sua fala. As palavras transportam vida consigo. E nalguns casos uma vida mais intensa e bela. Têm poder de resgate, de revivificação e de sublimação: “os campos são mais verdes no dizer-se do que no seu verdor”. Isto dizia o Bernardo Soares no Livro do Desassossego (2015: 55), chegando ao ponto de, um pouco mais à frente, dizer “vale mais para mim um adjectivo que um pranto real de alma” (2015: 57). É disso que se trata, afinal: restaurar com palavras o “verdor” perdido. Quando já nem verde há, pois resgatêmo-lo pela palavra. Foi o que Castro Guerra tentou fazer com este livro: repor o verde perdido. E parece não ter sido um acaso ter-lhe dado o título, não de Inferno, mas de “O meu Paraíso”. Sendo também eu de lá muito aprendi ao ler os seus livros e glossários, a reconhecer e a recuperar o intenso cromatismo dos campos, o seu “verdor”, agora verde em palavras, sobretudo numa fase em que as chamas os enegreceram.
10.
Há ali um narrador, José Abraão, e outros personagens que, mais uma vez, têm referentes reais na aldeia dos seus encantos. E há três amigos, de antes e de agora (já com suas esposas). Eles exprimem a felicidade da sua intensa relação com a natureza, por exemplo, na caça aos pássaros com os velhos costis, mas também o desespero de agora a verem devastada pelo fogo, com aquele sentimento pessimista que tende sempre a capturar-nos nos momentos mais difíceis, o de que já não haverá renascimento que reponha o que foi destruído, por tão profunda ter sido a destruição. Sei do que fala, porque também eu andei por lá naqueles funestos dias e com esse mesmo sentimento, com esse pessimismo, essa descrença no poder restaurador da natureza, agora felizmente desmentida, lentamente, pelo reaparecimento do verde, melhor, do “verdor”, por essas serranias fora. “Verdor” que também se torna mais verde nas palavras que compõem este livro, quando se fala do seu Paraíso.
11.
O que explica a minha cumplicidade com “O Meu Paraíso” é precisamente” isto: fomos todos avassaladoramente atingidos, fisicamente e na alma, ao vermos o Paraíso em chamas. Foi o que o autor sentiu e foi o que eu senti. E é assim que este livro nasce: como um grito de alma de alguém que viu destruído o seu paraíso por um gigantesco incêndio florestal que ceifou tudo aquilo por que passou, reduzindo-o a cinzas. Esse incêndio incompreensível que deflagrou na encosta leste da Serra da Estrela, lá para os lados da Covilhã, e que durante intermináveis dias foi progredindo, sem nada que o travasse, por ali, serranias afora, até às portas das povoações, ameaçando vidas e bens. Incluída Valhelhas. Incluído Famalicão da Serra. Uma coisa verdadeiramente incompreensível. O autor – que, pela voz de José Abraão, diz “este inferno a arder em todas as frentes só poderá ter sido inspirado pelo Diabo” (2025: 83) – sofreu esse incêndio como golpe profundo em carne viva e não hesitou em confrontar-se de imediato com essa dor através da escrita, como que tentando, pela palavra, pela narrativa, exorcizar, curar o sofrimento interior que lhe parecia não ter fim, tal a grandeza e a profundidade da devastação: “O Paraíso estava todo queimado”, diz, com incontida tristeza (2025: 87). O poder terapêutico da palavra, sim, não só porque através dela é possível esconjurar a dor, relativizá-la, controlá-la ou até mesmo metabolizá-la, para a neutralizar, mas também porque, ao partilhá-la, em forma de livro, se pode materializar a reacção interior à tragédia, como se, mostrando-a, se esteja a pedir solidariedade para remediar o que ainda se possa remediar, para além do que já ficou como dano físico inelutável. Só pela palavra isso é possível – restaurar de imediato o verde dos campos sem ter de esperar que chegue o seu “verdor” e interpelar a comunidade para que novas catástrofes sejam evitadas, ainda que, hoje, tudo se conjugue para que elas voltem a acontecer: alterações climáticas, desertificação, abandono dos campos. Tudo aquilo a que o autor dá voz, de forma expressiva, na parte sobre “O Inferno”. “Tudo contribuiu”, diz, “para levar o Inferno ao meu Paraíso”. Mas o autor, pela voz de José Abraão, o narrador, bem sabe que a pujança da natureza acabará por repor aquela exuberância perdida por tantos anos e, por isso, já no fim do livro, fala de renascimento, bem consciente de que os seres humanos são também eles natureza, não ‘donos dela’, num misto de desencanto, mas também de optimismo. “Eu acredito que o meu Paraíso vai renascer e voltará a ser belo e deslumbrante com ou sem a participação humana”, diz José Abraão, embora saiba que já não será ele, nem a sua Leia, a mulher, a assistir ao renascimento, porque já carrega muitos anos sobre si. Serão os seus amigos Samuel e Ester, Sara e Malaquias e Ezequiel e Beatriz, seus filhos e netos, a poder celebrar esse milagre que não deixará de acontecer. Mesmo assim, este livro não deixa de ser um grito de alma, um grito de dor que fica lavrado para memória futura. E sei bem do que falo, porque também eu, que nasci ali, a cinco quilómetros da sua terra, senti essa dor em directo, naqueles momentos dolorosos, sem nada poder fazer a não ser o desejo de que aquele inferno passasse rapidamente e não voltasse nunca mais. Os sentimentos nunca são iguais, é verdade, mas podem ser equivalentes em intensidade”. Uma dor colectiva que soa, singularmente, no interior de cada um de nós.
Poema de João de João de Almeida Santos Ilustração: “S/Título” JAS 2025 Original de minha autoria Novembro de 2025
POEMA – “TARDE DEMAIS”
TARDO A ENCONTRAR-TE Porque não sei Como procurar-te Guiado Por um poema, Pois não sei Onde o vento O levará.
NÃO É A VONTADE, Mas o destino A marcar Os passos Que eu darei Ou que nunca Ousarei Nas estreitas Veredas Da vida. Ah, mas isso Eu não sei, É certeza Proibida.
E TU SABES Que não sei, Mas sabes Por onde andei E onde Eu me perdi À procura do que Não podia ter, Até que te encontrei, No fim Desse caminho Que já nem sei Se trilhei Ou se o abandonei Antes de um qualquer Começo.... ........... Ah, isso Também não sei.
ÀS VEZES Encontrava-te, Encontros fugazes, Onde o teu brilho Me iluminava Por dentro E me cegava Por fora.
MAS NÃO SABIA Se te queria Para nunca Te ter, Sentir saudades Do perfume Da aurora Quando te reencontrasse Na memória fresca Dos afectos Inacabados... .................. Os mais perfeitos, Os mais cantados.
SIM, DEIXO-ME IR Nas mãos Do destino, Mas há sempre Um sobressalto, Repentino, Quando o real Me atropela Por dentro E tudo se torna Estranhamente Inóspito.
SE NÃO ME DEIXO IR Viajo para outros Lugares, Tenho sempre De viajar À procura de mim, De um espelho Onde me veja Por dentro A olhar-te Por fora, À espera do próximo Sobressalto... ................. Que nunca demora.
COMO ME PERTURBA Esse véu Que te cobre Quando te quero Pintar Com palavras, Ver-te nua, Com a alma A tiritar, Despida, À mercê dos Tumultos Que te marcam Como sulcos, Cicatrizes Ásperas Da vida.
MAS EU PROCURO-TE Com olhar Atento, Perscrutando A alma Que se aninha Em ti Para te proteger Do risco da beleza Exposta Como fractura, Aquela que os poetas Cantam Quando pressentem a Liberdade À beira Da ruptura.
TALVEZ A NOITE Também te sirva De véu E te cubra As cicatrizes Da vida, Luz coada Pela penumbra Que te amacia A alma Encrespada E te devolva Como sonho Intemporal Onde te reinventarei Como mulher Desejada... .......... Para além Do bem E do mal.
TARDO A encontrar-te No bulício Dos dias Até que no amanhecer De um poema Te reencontre E te diga Com o olhar, Sem mais, O que não posso Dizer Com estas palavras Já gastas... .................. Mas talvez já seja Tarde demais.
UM COMENTÁRIO A UM POEMA pode mesmo acontecer como acontece o próprio poema. O poema polariza e o comentador deixa-se ir. Passa a viajar lá dentro usando as mesmas asas do poeta, as palavras. Mas o Amigo que fez um comentário a um poema meu mostrou gostar muito de Sophia e a associação que fez com um poema da poetisa foi oportuna, pois na vida, tal como na poesia, a mudança vai acontecendo, ditada pelo tempo e seus caprichos. O meu poema era “Muda tudo, tudo muda”. O de Sophia era “Liberdade”, incluído em “O Nome das Coisas”. Mas, como na poesia (“sílaba por sílaba”, diz ela), também na vida a disciplina nos deve acompanhar, como quem pilota o acontecer nessa sua imensa imprevisibilidade. À disciplina só devemos acrescentar a luz, a cor e a música para temperar e avivar a sua austera cadência, “sílaba por sílaba”, dia-após-dia. Será como acrescentar liberdade ao ritmo implacável do tempo e também ao da toada poética.
2. ARCO-ÍRIS
Sim, é preciso trocar as voltas à mudança como quem renasce e volta a tornar-se criança. Na vida que muda as tormentas acontecem, mas quando passam surgem os arcos-íris a ligar as margens da nossa transitória felicidade. Os poetas, então, sobem lá para cima, sentam-se nas suas gotículas luminosas e coloridas e observam a vida que acontece cá em baixo. Fotografam-na com esses filtros luminosos e caleidoscópicos e depois lançam as imagens ao vento para que cheguem aos que transitam pelas ruas e pelas vielas esburacadas e tortuosas da vida.
3. A MUDANÇA, O VERDE E O VERDOR
Tudo muda e também o poeta muda porque não pode escapar ao tempo e às suas leis, mas sabe bem que o vento, às vezes, sopra numa certa direcção (o passado) e, então, lá vai ele de regresso revisitar o que não aconteceu, mas podia ter acontecido, se os deuses tivessem decidido que assim seria. Mas também aqui vai em registo de mudança porque vai com a maquinaria poética resgatar esse passado e trazê-lo ao futuro para o fazer acontecer… em palavras. A poesia é mudança permanente (durée) que é acompanhada por um veículo que tem as palavras como asas. Há sempre voo. A mudança é liberdade. E a própria poesia contém em si, na sua própria forma, a mudança. Pelo seu minimalismo, que a torna leve como pluma. Pelas cores, que são pintadas com palavras, e pelo seu poder de transfiguração e de transtemporalidade. Não era o Bernardo Soares que dizia que “os campos são mais verdes no dizer-se do que no seu verdor”? Com a poesia a cor muda e torna-se mais intensa, tão intensa que quase pode ser tocada com as mãos. A poesia, na verdade, dirige-se a todos os sentidos. É multi-sensorial. O “verdor” a ganhar luz e intensidade e a repropor-se como viçoso verde através da palavra. Com a sinestesia tudo se reforça ainda mais. O “verdor” torna-se, então, ainda mais intenso nas palavras que a pintura ilumina.
4. CICLOS
Os ciclos da vida que o tempo vai desenhando à nossa medida (porque também nós os vivemos como ciclos), mas numa escala muito maior do que nós, porque nos transcende, devem merecer a nossa maior atenção porque é nesta intersecção entre o tempo e nós próprios que a nossa vida decorre, num ritmo parecido com o das ondas do mar.
5. TAUMATURGIA
O silêncio e a ausência são fontes primárias de recriação do vivido em forma de sublimação. Provocam dor e, por isso, necessitam de cura. É habitual ver os poetas falarem do amor como de uma “doença da alma’ que provoca também aquilo a que o Stendhal chamou “cristalização”. A poesia é uma forma de “cristalização” que pode ser partilhada. Obra de arte aberta devido à natureza da sua linguagem. Cristaliza, mas não deixa de ser lava que continua a descer pelas encostas da vida. Oxímoro? Sim, mas esse é o desafio da poesia – trata-se de uma “cristalização” especial. Sublima e cristaliza em movimento. Fixa, mas em terreno movediço. É texto aberto, tão próximo da música como da prosa, do silêncio como da fala. Numa metáfora cabem muitos sentidos, tal como numa pauta musical existem muitas variações interpretativas, no tempo e na intensidade da execução. A liberdade dos intérpretes reside neste intervalo da modulação. Só por isso pode funcionar como remédio para a alma. Quem sente a poesia também como sua pode encontrar(-se) nela (como) um remédio para a alma. Plena performatividade. Reviver o que restou apenas como desejo. É voar mais alto do que a própria dor. Rarefazendo a sua densidade e a sua intensidade – a tristeza que se torna doce melancolia. As palavras e a (sua) música têm, num poema, um poder taumatúrgico. A poesia é taumaturgia.
6. COREOGRAFIA
Num domingo de sol talvez seja bom assistir a uma breve coreografia de palavras em cenário de dança na praia da meia-lua, ali, na Azarujinha, no Estoril. Pelo menos com a imaginação. O poeta-pintor tem de se reinventar para coreografar a sua própria melancolia. O palco é a praia da meia-lua, onde a maresia acontece com a melodia das ondas do mar como ambiente sonoro, onde a melancolia pode encontrar maior aconchego. Não são os poetas os mais melancólicos dos artistas? Talvez sejam. E não são eles os melhores intérpretes do silêncio, a ponto de sobre ele criarem sinfonias de palavras? Compositores, directores de orquestra e coreógrafos. A melancolia é filha do silêncio e da ausência e tem mesmo de ser musicada e coreografada para que se torne “doce melancolia” e possa, assim, embalar a alma do poeta e dos que gostam desta dança. Desta dança de palavras. Não há limites quando “chove na alta fantasia”, como gostava de dizer Dante Alighieri, e quando se gosta de andar à chuva para refrescar a alma. Sobe-se ao palco e partilha-se a coreografia e a sinfonia do silêncio escrita em pauta de palavras. Tornamo-nos directores de orquestra e coreógrafos, mesmo quando há o risco de revolta das palavras. E até de emergir o trítono ameaçador de dissonância e de instabilidade. Som do diabo? Mas o inferno dos poetas só existe para aquecer as almas solitárias…
7. BAGAS
“Vamos ao jardim e verás que anda por lá um novo azevinho que não dá mesmo bagas” – respondi a um Amigo que comentava o poema “As Bagas”. Um outro também não dava, queixei-me a um vizinho (o Leonel) e pedi-lhe um azevinho. Deu-mo, mas nem este me deu as tão desejadas bagas. Carente de bagas ficou o poeta e jardineiro. Depois, outra tentativa. Nicles. Cansado de tantas negativas, o poeta-pintor disse de si para si: “Ai é? Então verão o que são as bagas de um poeta”. Nasceu assim o poema e foi recriada a pintura. Quanto mais me faltas mais eu te partilho. Vingança? Não. É manifestação de gosto ou mesmo de afecto. Andam a viajar-me na alma estas bagas? Sim! Pois bem, vou convidar os meus Amigos para viajarem connosco. Viajar com bagas, não só no jardim, mas também no azul do céu. E no coração. Bagas, cintilas, estrelinhas? Sim, são luzes que brilham no céu da nossa fantasia. E que iluminam as nossas vidas.
8. FRUTOS VERMELHOS
A Montanha é o lugar preferencial onde o poeta vai à procura de remédios para a alma. Parece que foi assim na curta história de um poema: frutos da cor da paixão. Ao que parece não colheram os favores da musa e ele acabou por ficar prostrado. Na praia, libertou o corpo, mas não libertou a alma, que ficou para sempre presa à musa. Como a fantasia do poeta é grande e salvífica, o poeta viu nessa prisão da alma a sua própria salvação. Ficou preso nela e agora a sua missão é resgatar-se pela poesia. Resgatar-se sem sair dela. Sair, ficando. A condição de prisioneiro de alma é condição de luta permanente pela libertação, que nunca acontecerá, mas que será sempre tentada, garantindo assim a sua sobrevivência como poeta. Sísifo, sim. Estranho? Sim, mas real. Poeticamente real. Tudo isto aconteceu devido a um estranho encontro em que o poeta ofertou um cesto de mágicas cintilas (frutos vermelhinhos) à musa sem que ela lhe retribuísse a oferta (“não são o teu abrigo”). Tristeza de um poeta que, desde que a viu, pela primeira vez, ficou com a alma cativa (“presa a ela”). Resta-lhe a consolação de, assim, ficar junto dela. Amor não correspondido, quase não reconhecido, apesar de manifesto e verbalizado. Fracasso afectivo que o canto pode ajudar a atenuar. Livre o corpo, presa a alma. Só a fantasia pode ajudar. Creio que é isto. Uma pequena história contada por um poema. Um oxímoro: preso e livre ao mesmo tempo.
9. CHEGAR ÀS ESTRELAS
Talvez o poema “Sorrir” seja um hino ao poder de um sorriso ou de um olhar. Trocar o mundo por eles pode significar elevar à máxima potência a sensibilidade. Claro, isto é dito num poema e numa pintura. É dito na linguagem da arte, o que confere à ideia um sentido especial e uma particular responsabilidade. Estamos no mundo da sensibilidade e isso quer dizer tudo. Ou seja, ele convoca-nos para a delicadeza do encontro e do afecto. Eu dou-te um mundo diferente se quiseres viajar comigo lá no alto da fantasia. Não te dou o mundo que temos perante nós (já não é meu, como antes), mas dou-te o céu onde eu gosto de voar. Como quem diz: “vá, vem daí voar comigo no azul deste meu céu para tentarmos chegar às estrelas”. Creio ser esta a mensagem do poeta e também o grito de alma que se aninha num sorriso aberto ou num olhar comprometido com a linha do horizonte.
10. POSSUIR O MUNDO COM O OLHAR
O mundo parece ser todo nosso nos tempos de juventude, mas depois vai deixando de ser. Então, recriamo-lo com a fantasia para o podermos oferecer a quem nos seduz ou a quem queremos seduzir. É magnífica esta passagem: o tempo vai roubando o mundo que está ao alcance das tuas mãos e tu vai-lo transfigurando à medida do desejo e da fantasia. Um processo de sublimação. A arte permite essa passagem, ou seja, a transfiguração estética dessa vontade de voltar a possuir o mundo que já te falta apenas com um olhar (interior) e com a sua estilização. Até porque a arte nos permite viajar no tempo e dilatar o mundo que temos perante nós. A poesia pode dar-te mais mundo do que aquele que já tiveste.
11. MEMÓRIA
Há sonhos e sonhos. E sonhar é preciso. Neles se espelha a alma ao sabor das suas flutuações, que são também flutuações da memória. Há vida na nossa memória e ela exprime-se consoante os estímulos externos e internos que a provocam. É um imenso universo em ebulição. E é um mundo frequentado pelos poetas. É lá que estão registados os momentos de vida mais ou menos intensos. Sopra o vento e muitos desses registos vêm à superfície. E é então que o poeta os “cristaliza” operando com o “espírito apolíneo”. É esta a sua vigília: estar sempre pronto para registar e projectar esteticamente as flutuações da alma e da memória, dando-lhes vida num território superior.
12. SONHO
O teu sonho foi belo, com a natureza no seu máximo esplendor – disse a um amigo que tivera um belo sonho naquele dia. Felicidade. Mas a vigília ofereceu-lhe outra realidade. Desilusão. O do poeta nem por isso. Só inquietação e melancolia. Para ele não há vigília. Salta de sonho em sonho. O seu ambiente é sempre o do sonho (a olhos abertos). É a sua condição de poeta. Não creio que haja poetas realistas. O realismo equivale a uma baixa de tensão poética, que impossibilita a poesia. A poesia não descreve o real, mas projecta a sua intimidade, o invisível, o intangível, para níveis mais elevados, mais rarefeitos. E universais.
13. OMBREIRA
Hipérbole – a verdade é que o nosso passado está cheio de deusas, tantas quantos os nossos encantamentos. Excesso? Talvez. Depois, o silêncio – a porta simboliza-o. E os poetas são (dizem os mestres) os intérpretes qualificados do silêncio. Que nunca se deixa capturar totalmente. Dele só resta o eco. Como uma porta que só pode ser entreaberta. Os poetas entreabrem-na para poderem navegar no silêncio, nessa penumbra, ou melhor, nessa neblina que não deixa ver os perfis com nitidez. O silêncio é amigo da penumbra. Só vagas silhuetas é possível vislumbrar. Por isso é que a poesia é o melhor veículo para navegar nessa neblina. Ela fala sempre de silhuetas que se esgueiram à nitidez de um olhar. É como ficar na ombreira de uma porta olhando para dentro, para a penumbra, até à profundidade possível. Nunca até à parede lá do fundo, como na caverna do Platão. Nem as sombras são definidas. Os poetas nunca querem entrar porta adentro. Se entrassem sairiam do universo poético e esbarrariam no real. Já lhes basta a relação desajeitada e originária que tiveram com ele. O exagerado do Bernardo Soares, que não se ajeitava lá muito sequer com a poesia, dizia: não toques no real sequer com a ponta dos dedos. Em parte, isso acontece com os poetas. É perigoso. Por isso ficam sempre na ombreira da porta ou, então, vão, preferencialmente, para a janela observar a vida que flui na rua circunstante. Depois acompanham-na com palavras ritmadas. A porta dos poetas está sempre iluminada, mas só por fora, com palavras multicolores e luminescentes. Foi por isso que o gémeo pintor a iluminou com as florzinhas brancas do jasmim que tem lá no jardim encantado. E foi por isso que o poeta a cantou. Mas a luz não entra porta adentro, apenas provoca alguma luminosidade superficial. Na verdade, os poetas não convivem bem com portas escancaradas nem com excesso de luz. O seu ambiente natural é a penumbra. Se tiverem de as abrir, só as entreabrem. Eles vivem sempre num intervalo entre si e o mundo. Uma espécie de ombreira, É daí que observam a vida e interagem com o mundo. Mas entre a porta e a janela escolhem sempre a janela. Se tiver de ser a porta ficam ao nível da ombreira. Relacionam-se com o mundo como com o mistério. É um mundo de neblina. Melhor: penumbra. É uma espécie de relação suspensa com o real, com o mundo. E até com eles próprios. À procura do essencial, não da superfície das coisas. E o essencial não está disponível à vista desarmada. Para o captar os poetas usam o espelho que têm na alma (dádiva de Athena). Subtraem-se assim ao fascínio do imediato e da aparência e atingem um maior nível de profundidade. E a linguagem poética é luz que ilumina.
14. PORTAS
Há portas carregadas de mistério e por isso são sedutoras. Já fiz poemas sobre janelas, o ponto de observação mais próprio dos poetas. Mas as portas são mais difíceis: dão para a rua ou para a casa. Entra-se e sai-se fisicamente. O horizonte é mais limitado, embora possa ser fisicamente mais intenso. Não há distância que proteja. O contacto directo com a rua contamina, captura. Na janela é o olhar que domina e o horizonte é mais vasto. Mas esta porta do poema (“A Porta”) é uma porta especial. É quase uma janela. Dá para um mundo que tem lá dentro muito de ancestral e por isso a penumbra é imensa e profunda. Só com a luz da fantasia a incidir sobre a memória é possível percorrer esse vasto e tão profundo território.
15. ECO VERBAL
A poesia é uma linguagem cifrada e, enquanto poesia, não pode ser sujeita à relação verdade/falsidade, porque ela não é descritiva ou denotativa. Ela é performativa, é acção em forma de palavra, é o eco verbal de uma emoção ou sentimento. Ou do silêncio, que está localizado fora e dentro do poeta. O silêncio é ubíquo. Mas o seu eco verbal é o que o poeta ouve dentro de si. Mesmo quando parece contar uma história, às vezes a história de um instante, ela não é uma narrativa que descreve o que aconteceu. Ela é esse mesmo acontecer. O real não é exterior à própria poesia porque ele cabe todo lá dentro e só existe assim. Às vezes numa só estrofe. O real poético não tem exterior. E até a musa só vive (e sobrevive) dentro do próprio poema. Sem poesia, as musas não existem. Não devemos, pois, procurar fora os referentes do discurso poético porque eles estão todos dentro dele. JAS@11-2025