Poesia-Pintura

ANDORINHAS

Poema de João de Almeida Santos
Ilustração: “Ninho em Construção”
Original de minha autoria
Junho de 2025

“Ninho em Construção”. JAS 2025

POEMA – “ANDORINHAS”

É PRIMAVERA,
Há cerejas
Pra colher
E cores vivas
Que deslumbram,
A natureza
Renasce,
Andam
Aromas no ar,
Andorinhas
Fazem ninhos
Porque é tempo
De criar.

FAZEM CASAS
Para os filhos
Nos telheiros,
Nos terraços,
Nos beirais,
São abraços
Maternais
Para o voo
(E tudo o mais)
Na imensidão
Dos céus
Que beijam
Esta montanha
Onde as vejo
Passar.

E EU
(Vejam lá)
Fui encontrar
Um ninho
Em construção
No terraço
Da Casa-Mãe
Sobre a luz
Que o ilumina:
Uma luz
Iluminada
Por vida
De andorinha
Como magia
De fada.

ESVOAÇAM
No terraço
Na azáfama
Do ninho
Que está
Em construção,
Um vai-e-vem
Sempre atento
Por um amor
Denodado
E cuidada
Precaução.

VEJO A VIDA
 Que nasce
Em azáfama
Maternal
Prà ventura
Que espera
Essas filhas
Voadoras
Em tempo
De primavera,
Esse tempo
Seminal.

E EU AQUI,
Seu vizinho,
A assistir
À labuta
Sem cansaço
E ao despontar
Do milagre
Na parede
Do terraço.

AINDA ME DIZEM
Que uma andorinha
Não faz
A primavera,
Mas estas fazem,
No terraço
E até na minha
Vida,
Fico leve
Como elas
E já nem sinto
O cansaço
De estar sempre
De partida.

Artigo

TRÊS PROPOSTAS

Para a Legislatura

Por João de Almeida Santos

“S/Título”. JAS 2025

PORTUGAL deveria ser hoje um caso de estudo sobre a construção da agenda política e da agenda mediática (que parece confundirem-se). Eu creio mesmo que isto anda ao sabor dos jornalistas e comentadores sempre à procura de matéria (eventualmente explosiva, mas sempre espectacular e, se possível, negativa) para o torrencial comentário, mas que não dê muito trabalho e não exija grande preparação, a não ser lábia e atracção pelo holofote. A dominante parece ser a geometria política: a dialéctica entre a esquerda e a direita, entre a direita radical e a direita fofinha, entre a esquerda radical e a esquerda fofinha, entre a direita fofinha e a esquerda radical, entre a esquerda fofinha e a direita radical e assim por diante, em jogos de espelhos que só interessam aos próprios. E o comentário acaba frequentemente com a seguinte declaração de retórica frustração: não disse (não disseram) nada de novo. Como se a política nada mais fosse que espectáculo. Guy Debord sempre presente.

1.

Eu, que sempre estive interessado em seguir o que acontecia na televisão, sobretudo por motivos profissionais, e conhecendo bem a influência que ela tem na cidadania e na política (assuntos que estudei longamente), já pouco a sigo, sobretudo pelo enjoo que cada vez mais me provoca. Já não os consigo ouvir. Missas intermináveis nesse púlpito electrónico celebradas por sacerdotes laicos sem grande preparação, mas grande lábia, e com muita pose e aparente convicção, a descodificarem o óbvio, que para eles parece sempre ser cerebrótico. E, todavia, não lhe sinto a falta porque vejo as notícias nos mesmos jornais de onde elas retiram o essencial do que informam. Não vejo, naturalmente, os comentários, mas ainda bem. Porque são tóxicos. Querem um exemplo? Esta longa procissão presidencial, com sermões de dezenas de comentadores que nunca mais se calam, que já vem de longe e muito ainda tem de calcorrear até que se chegue ao pátio da igreja e à consagração de um poder com pouca relevância, a não ser quando está constantemente a interromper os ciclos políticos, como alegremente fez o presidente que está de saída (três dissoluções num só mandato). E fê-lo, entre outras razões (talvez menos nobres), porque assim se sentia politicamente bem mais vivo do que a tirar selfies. A procissão reactivou-se agora, que passaram as habituais e recorrentes legislativas, ainda que pelo meio haja eleições autárquicas, onde a intermitência regressará com novas e intermináveis missas do comentariado televisivo. Pelo meio, vão acontecendo novos episódios, como, por exemplo, Rui Rio ser mandatário nacional do Almirante Gouveia e Melo. O baixinho (produto em grande parte televisivo, da SIC)  que se cuide. Pelos vistos, não é personagem consensual nas suas próprias hostes. E também porque mais parece um clone remendado de Marcelo, o examinador. Finalmente, António José Seguro declarou que se candidatará, restando apenas saber se será o  único na sua área política, apoiado ou não pelo PS, ou se surgirá outra candidatura à esquerda. Uma galeria de personalidades à procura da bênção popular para residir dez anos (5+5) no Palácio. Mas tudo isto seria evitável se a eleição do PR fosse feita por um colégio eleitoral.

2.

Voltando à agenda, e em homenagem aos processos políticos em curso (legislativas, que acabaram de ocorrer; autárquicas e presidenciais, que ocorrerão em breve) também eu quero contribuir para isso, fazendo três sugestões, que até poderiam ser incorporadas tematicamente no programa do candidato a secretário-geral do PS, para uma melhoria do nosso sistema político. E também serem objecto de atenção na nova legislatura que ontem começou. Ao menos, tratar-se-ia de matéria politicamente relevante. Em primeiro lugar, alterar o sistema eleitoral, substituindo-o por um sistema maioritário com círculos uninominais (pesem embora as actuais limitações constitucionais); em segundo lugar, acabar com a eleição directa do presidente da República, passando a ser eleito por um colégio eleitoral cuja composição deveria ser muito superior à composição do parlamento; em terceiro lugar, alterar o sistema eleitoral autárquico, tornando-o equivalente ao sistema político nacional ou ao modelo da democracia representativa em vigor, ou seja, retomando um processo que chegou a estar protocolado entre os dois maiores partidos de então (PS e PSD).

3.

No primeiro caso, haveria a vantagem de, num parlamento agora mais fragmentado, ajudar a uma maior estabilidade do sistema (governo e parlamento) ao mesmo tempo que introduziria uma maior responsabilidade na escolha dos candidatos a deputados, acabando com essas caixas fechadas das listas com os símbolos dos partidos, nada exigentes do ponto de vista da qualidade dos candidatos. Ou seja, uma maior responsabilização política dos candidatos, um critério de selecção muito mais exigente. Hoje, como se sabe, há uma efectiva hiperpersonalização da política a ponto de as legislativas terem vindo a ser transformadas em eleições directas para o primeiro-ministro, menorizando em absoluto os candidatos a deputados que, aliás, o próprio sistema eleitoral já menoriza à partida. Em grande parte, até se pode explicar a ligeireza com que se constroem as listas eleitorais precisamente pela forma de um sistema eleitoral de listas fechadas com simbolo partidário identificador, onde o conteúdo acaba por pouco importar. A democracia ganharia se aos candidatos se exigisse densidade política comprovada, presença diversificada no espaço público (incluindo o plano profissional) e na competição eleitoral e reconhecimento público da própria personalidade. A valorização da relação efectiva entre o candidato e o seu círculo eleitoral. A verdade é que o processo que leva à designação dos candidatos não parece ser o mais exigente e rigoroso até pela natureza do sistema eleitoral. Uma vez designados o que acontece é o seguinte: lugar elegível garantido nas listas e resultado dependente, não deles ou delas, mas do líder do partido e candidato a PM. A hiperpersonalização faz definhar o corpo orgânico dos partidos. Voilà. Pelo contrário, com outro sistema eleitoral, eles, os deputados, teriam de ser mais qualificados e não só ganhariam maior peso político e maior autonomia decisional em relação às direcções partidárias, mas também contribuiriam para valorizar e  densificar o próprio processo eleitoral, ou seja, a democracia, ao mesmo tempo que se garantiria maior estabilidade governativa (note-se que nos últimos seis anos tivemos 4 legislativas, uma eleição em cada ano e meio).

4.

Em relação ao segundo aspecto, o da presidência, bastaria argumentar com o que temos visto nos últimos tempos: o infeliz mandato presidencial em curso ou esta interminável procissão com candidatos assumidos ou em vias de se assumirem e em intermitente campanha durante cerca de dois anos. Na verdade, o que acontece é excesso de campanha e de meios para tão exíguas funções. Vê-se bem o que são, quando os protagonistas são chamados a pronunciar-se sobre o papel do presidente da República no actual modelo constitucional, o recorrente deslize para as áreas do executivo por falta de matéria. Exemplo: na entrevista de segunda-feira, Gouveia e Melo disse tudo o que, no essencial, havia a dizer, isto é, pouco, tendo a entrevistadora percorrido todos os temas “quentes”. Se dissesse mais, seria excessivo porque acabaria por extravasar as competências previstas constitucionalmente – o que acabou por motivar os comentadores de serviço a dizerem que jogou à defensiva e que nada disse de original. Um dano grave, a falta de originalidade presidencial, para a política-espectáculo que os próprios servem e de que vivem. Ora, sendo uma eleição por colégio eleitoral, haveria possibilidade de negociação, racionalidade e pragmatismo na escolha da personalidade a eleger, tendo em atenção a exiguidade de competências de que o presidente dispõe, o histórico tão pouco abonatório, mas sobretudo clareza sobre a centralidade do parlamento e do executivo no processo político. Não digo que se teria um presidente-notário, mas seguramente um presidente com um perfil mais discreto e menos atreito a conflitualidade, como acontece hoje devido à legitimidade directa de que hoje dispõe. Também não seria tanto a televisão a escolher, como no caso de Marcelo e, espera o próprio, no caso do ex-comentador da SIC, Marques Mendes. Na verdade, com a legitimação directa o conflito e a instabilidade são sempre mais prováveis, como se viu com o segundo mandato de MRS, só para dar um exemplo entre tantos outros que poderia dar. A pulsão conflitual, quanto a mim, deriva, em grande parte, da legitimidade directa e das poucas atribuições de que o presidente dispõe para se protagonizar (para além das selfies, claro). Excesso de legitimidade para competências tão exíguas.

5.

Em relação ao terceiro aspecto, não me parece que o modelo vigente seja o melhor, com assembleias municipais que para pouco servem, por escassez de competências e de peso político (reúnem 5 vezes por ano, excepto em Lisboa, que é um autêntico exagero, não sei se devido às senhas de presença) ao mesmo tempo que se verifica rigidez excessiva no executivo, sendo os membros do executivo eleitos directamente e sendo o seu mandato não-imperativo, o que, em certos casos, torna o executivo inoperante. O acordo, que registava profundas alterações, foi assinado há muitos anos (em 2007) pelos Grupos Parlamentares dos dois maiores partidos de então (agora é sempre preciso dizer “de então”, porque já não é assim, a não ser no número de votos), mas viria a ser rasgado pela liderança de Luís Filipe Meneses, creio que devido a uma revolta de autarcas. O processo nunca mais foi retomado e o que se verifica é que nas autarquias temos um sistema presidencialista, onde o poder deliberativo pouco ou nada conta, mas onde frequentemente a capacidade decisional do próprio executivo também fica paralisada. O PS e o PSD consensualizaram um projecto de lei de revisão da lei eleitoral  para as autarquias locais (PL 431/X, de 12/2007) que, no essencial, constava do seguinte:

  1. Constituir “um executivo eficiente e coeso, que assegure garantias de governabilidade e estabilidade para a prossecução do seu programa e prestação de contas ao eleitorado no final do mandato”.
  2. O presidente do executivo seria o cabeça da lista mais votada para a AM (numa só lista).
  3. Os membros do executivo seriam escolhidos livremente pelo presidente do executivo e seriam obrigatoriamente membros da Assembleia Municipal.
  4. Possibilidade de apresentação de moções de rejeição do executivo e apreciação da formação e da remodelação do executivo só pelos eleitos directamente para a AM.

No meu entendimento, este deveria ser o modelo a adoptar, por duas razões essenciais: reforçaria o peso político do órgão deliberativo, determinante para um bom funcionamento da democracia local, mas também daria maior unidade de acção ao executivo, fundamental para agir, e mais clara accountability.

6.

Mas confirmo que se nota uma enorme irracionalidade, para não dizer mesmo despropósito, na agenda política promovida pelos media e no torrencial discurso envolvente, em vez de se concentrar em aspectos que estão a impedir uma melhor prestação do sistema político, mas também naquelas que são as “policies” decisivas para a vida em comunidade, em obediência àquela que é a sua função social: fornecer informações relevantes, não para influenciar o cidadão, mas para que ele possa tomar decisões fundamentadas nas várias áreas em que decorre a sua vida em comunidade. Não para se substituir ao cidadão, mas para o dotar de melhor informação para a decisão política. Estes três aspectos que referi, simplesmente como exemplos, deveriam ser promovidos para debate público na lógica daquela que hoje já se designa por democracia deliberativa. Bem pelo contrário, aquilo a que assistimos é a um agendamento induzido, por um lado, pelos partidos, sempre em “permanent campaigning”, para polarizarem instrumentalmente a atenção social para os temas que lhes interessam (ou mesmo para desviarem as atenções) e, por outro, pelos media, que, em parte, seguem, de forma pouco imparcial e neutral, as agendas dos partidos, mas que, sobretudo, seguem as suas próprias agendas de acordo com a sua crescente vocação tablóide, em claro desvirtuamento daqueles que são os seus próprios códigos éticos. Os casos que aqui referi são apenas três exemplos de  tópicos que, esses sim, entre tantos outros, poderiam subir à agenda política e interessar a um desenvolvimento positivo da nossa democracia. E até confesso que não vejo razão para que o PS não venha a agendar estes temas, porque, na verdade, se trata de temas que são importantes para melhorar o sistema político e que teriam efeitos consistentes, a montante, sobre o próprio sistema de partidos.

7.

Bem sei que Luís Montenegro não está nada interessado em matérias desta natureza, em nome dos problemas imediatos que tem para resolver (e não são poucos), diz ele, até porque, na sua visão, o PSD não tem nem nunca teve problemas existenciais, como disse numa campanha interna em que participou como candidato (talvez tenha sido naquela que o levou à presidência do PSD). Pode ser e é legítimo que sinta isso, até para não cair em depressão política com um problema de identidade que, ao contrário do que disse, sempre afectou o seu partido. Ou com outros problemas, como o de ver o anterior presidente do PSD ser o mandatário nacional do Almirante Gouveia e Melo e não de Marques Mendes, o escolhido. Mas a verdade é que fugir aos problemas existenciais até parece ser, de resto, uma especialidade de sucesso de Luís Montenegro. Como se viu recentemente. E, todavia, o país, tem, sim, problemas existenciais. E não são poucos. Um deles, por exemplo, é o de ter tido um presidente da República como o que ainda está actualmente em funções. Ou o de andar constantemente em eleições. Mas sendo certo que, em breve, aquele problema (o do PR) será resolvido, atendendo ao histórico, não é, todavia, seguro que não venham aí mais problemas existenciais. Não para o PSD de Montenegro, que não os tem, mas para o país, que os tem e os sofre. Por isso, melhor será que, no futuro, se avance para a solução que acima propus: acabar, logo que possível, com a procissão e a festa presidencial e introduzir a sua eleição através de um colégio eleitoral. Em Itália, por exemplo, é assim e não conheço problemas que tenha havido com este sistema, ao longo das muitas décadas em que sigo a política italiana. Mas também avançar para os dois outros temas (o da democracia local e, sobretudo, o do sistema eleitoral), porventura muito mais importantes que o da presidência. JAS@06-2025

CADERNO DE ENCARGOS

O PS e o Futuro

João de Almeida Santos

“S/Título”. JAS 2025

COMEÇO pelo fim, ou seja, pelos resultados dos círculos eleitorais da Europa e fora da Europa, ontem conhecidos, e a confirmação de duas novidades que só por si, se outras não houvesse, justificariam uma profunda reflexão: o PS é hoje o terceiro partido do nosso sistema de partidos, substituído nessa posição por um recentíssimo partido de direita radical, que obteve 60 deputados contra os 58 do PS (o salto eleitoral é parecido ao que se verificou em Itália, com o Fratelli d’Italia, entre 2018, com 4,3%, e 2022, com 26%). O PS, que sempre elegeu deputados nestes círculos eleitorais, chegando a eleger três deputados, por exemplo, nas eleições de 1999 ou nas de 2022, não tem hoje representação política nestes círculos. Há três anos, em 2022, o PS  teve uma maioria absoluta, com 41,37% e 120  deputados, e elegeu três deputados nestes mesmos círculos eleitorais; hoje, exibe menos de 23% com apenas 58 deputados. Nada acontece por acaso.

1.

Mas vêem-se por aí análises de especialistas e investigadores, de cientistas sociais, de politólogos, comentadores e jornalistas (e, diria um italiano, “chi più ne ha piú ne metta”) a explicar a derrocada do PS com a habitual conversa sem irem a um dos mais importantes factores da crise: a identidade organizacional do PS; a sua estrutura organizativa; o método de selecção da classe dirigente; o progressivo esvaziamento da dialéctica política interna (é cada vez maior a apresentação de candidaturas únicas sem competição interna) que leva a pactos internos entre os dirigentes em funções para que, em qualquer caso, mantenham firmes as suas posições na estrutura de poder, a relação com a sociedade civil; a força da “lei de ferro da oligarquia” partidária (Michels); a endogamia e não sei que mais… Uma das causas principais, se não a principal, reside, de facto, a montante, ainda por cima favorecida, a jusante, por um sistema eleitoral em listas fechadas unicamente com selo partidário a identificá-las e, em parte, com a “colonização” do território partidário pelas elites dirigentes, sobretudo quando o líder é primeiro-ministro e dissemina os seus escolhidos pela mancha partidária. O argumento para nada mudar, nem sequer com um mínimo de transformismo, costuma ser o dos combates que sempre espreitam à esquina, não havendo tempo a perder. Ladainha que se ouve sistematicamente sempre que parece ser necessário mudar alguma coisa. Nunca há, pois, tempo para isso, até porque os desafios vindos do exterior são sempre inúmeros e intermináveis. É assim que se desvitaliza um partido e é assim que demasiados personagens se perpetuam no poder. Conheço alguns que por lá andam há cerca de quarenta anos e, outros, mais novos, que foram para lá de cueiros e nunca mais de lá saíram. Sim, temos de falar de tudo o que é importante para o país, como diz o meu Amigo Miguel Coelho. Claro, mas se forem incapazes, autocentrados, videirinhos, carreiristas, se forem os mesmos de sempre, que só pensam em sobreviver à custa dos eternos lugares que ocupam, que discurso será esse? Sim, é preciso falar disso, mas a conversa não deve ser conduzida por quem chegou ao palco há décadas, através de sistemas de selecção pouco criteriosos, e nunca mais de lá saiu, sendo esses, portanto, também responsáveis pela crise, por mais que agora, já tarde, sejam os primeiros a gritar: “é preciso reflectir!”. O funcionamento interno do partido não interessa nada, em tempo de hiperpersonalização da política? Admitindo que é sim (mas não é), então deveriam surgir hiperprotagonistas, hipersonalidades e não carreiristas e personagens de segunda ordem formatados pela propaganda e pelas televisões. Não me refiro a alguém concreto, mas à lógica dominante. Pergunto: a marca do veículo político é tudo, não interessando se está ou não com graves problemas de gestão, de produção, de mercado e de ajustamento às profundas mudanças no sector? A marca é mesmo tudo, mesmo que o motor esteja a cair de podre ou “gripado”? O importante é o movimento, mesmo com os pneus furados? O mesmo poderia valer para uma boa peça de teatro ou um bom filme de autor interpretados por actores medíocres, por melhor que fosse a cenografia, a música ou até o nome da companhia. E esta não é uma questão de somenos.

2.

Quanto a mim, este é um dos mais graves problemas do PS porque dele derivam todos os outros, o problema da classe dirigente e dos mecanismos de selecção. Um partido da importância histórica e da dimensão do PS não pode ser transformado numa imensa federação de interesses pessoais disfarçados de interesse público. Os que por lá andam têm-se movido pelo interesse público ou por puro interesse pessoal? Que provas deram na sociedade civil ou na vida profissional, quando a tiveram e se a tiveram? Que preparação intelectual demonstram ou, pelo menos, que capacidade têm para mobilizar os melhores recursos de que o partido pode dispor? O método de selecção dos dirigentes é o melhor, mais eficaz e correcto? O partido tem vida própria para além do que os recursos e as posições derivadas do Estado lhe dão? Que ideia tem o partido de si próprio, ou seja, que identidade? Para que serve? Para resolver os problemas dos que por lá andam ou para resolver os problemas do país? Que tipo de vida  o partido deve animar no seu próprio interior? Como mobilizar os seus militantes e simpatizantes? De que recursos dispõe não só para gerar pensamento, incorporando e metabolizando o que de melhor possam produzir os seus “intelectuais orgânicos” (para usar um conceito de Gramsci), mas também para o disseminar? Como pode o partido intervir nos organismos da sociedade civil, não para os ocupar instrumentalmente, mas para os animar com as suas ideias e a sua acção, não intervindo com uma lógica puramente instrumental (como tem vindo a acontecer com certos sindicatos e certas ordens profissionais)? A resposta a todas estas questões infelizmente não me parece que seja interessante e mobilizadora.

3.

De qualquer modo, só depois de respondidas essas e outras questões, que a seguir enunciarei, poderão ser enquadradas as políticas concretas (as policies), que, de resto, deverão ser identificadas no quadro de uma boa cartografia cognitiva (Jameson) e dos valores partilhados pelo partido e radicados na sua tradição ideal. Só depois as respostas aos problemas podem ser dadas, com identificação precisa da “causa causans” do problema e do “princípio activo” que permitirá dar-lhe uma resposta eficaz.

4.

Os aspectos até aqui referidos são de extrema importância porque serão eles que balizarão as respostas para os grandes problemas com que se debate o país. E as questões, que se cruzam com as propostas programáticas concretas e com as soluções,  são estas, entre tantas outras:

  1. Qual é, para o PS, o espaço que o Estado deve ocupar e o papel que deve desempenhar relativamente à sociedade civil (veja o meu artigo “O Estado enriquece a middle class empobrece”, no seguinte link: https://joaodealmeidasantos.com/2022/03/08/artigo-63/ )? Na verdade, o PS, nas políticas que tem promovido, tem dado ao Estado um excessivo protagonismo e esta é questão a clarificar, até porque ela tem a ver com a questão que se segue.
  2. Qual é a relação do PS com o liberalismo clássico? Continuará a identificar o liberalismo clássico, aquele que está na matriz da nossa civilização (veja-se os 17 artigos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789), com uma tradição que seria alheia ao seu património ideal, designadamente com o neoliberalismo, tendo chegado ao ponto de identificar a “terceira via” de Blair (e de Kinnock e John Smith) como neoliberal?
  3. Deve ou não o PS diferenciar claramente a sua identidade, a sua estrutura nuclear, dos movimentos identitários, do wokismo, do revisionismo histórico e do “politicamente correcto”, quando se vêem tantos lá dentro a agitar alegremente estas bandeiras? No meu mais recente livro (Política e Ideologia na Era do Algoritmo, S. João do Estoril, ACA Edições, 2024) dedico uma parte inteira à desmontagem deste desvario pretensamente de esquerda (“Ideologia – A lavandaria Semiótica”: pp. 173-234).
  4. Deve o PS, que é um partido de homens e mulheres livres e iguais, definir-se como partido feminista?
  5. Qual o papel do sector privado e do mercado na resolução dos grandes problemas relativos à saúde e à habitação? O “princípio activo” (a solução) é o da intervenção pública em ambos os sectores?
  6. Que política fiscal (e em geral de intrusão financeira do Estado nos bolsos do cidadão) deverá ser implementada para devolver equidade e moderação fiscal à cidadania? Um exemplo muito significativo: considera o PS que pagar 23% de IVA sobre o gasóleo de aquecimento das habitações, designadamente nas zonas mais frias do país, é justo, sensato e aceitável, seja qual for a condição económica do cidadão?
  7. Considera o PS normal que em Portugal haja dois tipos de cidadãos: uns, de primeira classe (os funcionários públicos) e, outros, de segunda classe (os trabalhadores do sector privado, seis vezes mais numerosos do que aqueles, que trabalham 40 horas contra as 35 dos outros, estando sujeitos a despedimento quando o emprego daqueles é para a vida)? Não há sobre isto um sobressalto ético, mesmo à custa de um sobressalto eleitoral (que, mesmo assim, acaba por acontecer, como se viu)?
  8. Que política para proteger, mediante uma eficaz e permanente monitorização, o cidadão do livre arbítrio dos oligopólios (telecomunicações, electricidade, combustíveis, televisões, banca, centrais de distribuição), sendo certo que ele é impotente para fazer um controlo mínimo sobre os valores cobrados, que são elevados? No que toca à electricidade e às telecomunicações, a sua instalação, sobretudo nas freguesias mais pequenas deste país, é de péssima qualidade, arbitrária, de duvidosa segurança, criando um ambiente de “arraial minhoto” absolutamente inaceitável e prejudicial à atractividade destes territórios. Por exemplo, os dois mil e quinhentos milhões do PRR não deram para enterrar os fios de fibra óptica aquando da sua instalação por todo o lado (é só visitar uma qualquer aldeia do interior – por exemplo, as freguesias do concelho da Guarda)? O Estado nada tem a ver com isso? Não monitoriza o que se passa no território? Qual é a posição do PS sobre tudo isto (e descontada a negligência dos seus recentes governos sobre esta matéria)?
  9. O financiamento da dívida pública deve ser feito dominantemente (ou mesmo exclusivamente, como gostaria um tal João Duque, Presidente do ISEG e amigo da banca) no mercado financeiro internacional, como quis o ex-ministro Fernando Medina (veja-se a iniquidade e o erro na mudança dos Certificados de Aforro), em vez de ser progressivamente filiado na poupança nacional (que deveria ser incentivada, e não subordinada ao cartel bancário, e regulada através do Instituto de Crédito Público, IGCP, e até do banco público – veja sobre esta matéria o meu artigo “Confissões de um Aforrador” no link: https://joaodealmeidasantos.com/2023/06/06/artigo-105/)?
  10. Acha o PS normal que a política de investigação seja decidida integralmente por avaliadores estrangeiros, chegando ao ponto de os recursos hierárquicos (para a FCT) serem obrigatoriamente feitos em língua inglesa, contrariando o art. 54.º do CPA e obedecendo a uma progressiva imposição do novo esperanto mundial, a língua inglesa? Há uns anos publiquei sobre isto e sobre a política de género aplicada à investigação científica, no “Público”, uma Carta Aberta ao PM António Costa, que ficou sem resposta. Lembro também que, recentemente, em 21.05.2025, o Ministro das Relações Exteriores de Angola, presidente do Conselho Executivo da União Africana, perguntou numa conferência de imprensa, com Kaja Kallas, a responsável pela diplomacia europeia, no âmbito de um encontro ministerial entre a UE e a União Africana, em Bruxelas, se podia falar em português, a sua língua, tendo-lhe sido respondido que não existia tradução, podendo falar somente em inglês ou em francês. O que é curioso é que o inglês não é sequer língua nativa de nenhum Estado-Membro da União Europeia.
  11. Como pensa o PS repor no devido lugar a língua portuguesa perante esta colonização do nosso espaço cultural e institucional comum pelo inglês a níveis que podem ser considerados “pornográficos”? Isto em relação a uma língua falada por mais de 250 milhões de pessoas e válida para a ciência como qualquer outra (a ciência trabalha com conceitos, com “abstracções determinadas”, qualquer que seja a língua).
  12. Sobre as grandes plataformas digitais, qual é a posição do PS: promover um constitucionalismo digital e uma forte regulação do sector e promover, para além disso, a criação de uma plataforma digital da União Europeia que permita aos utilizadores migrarem para ela, ficando os seus dados de utilizador no espaço da União? Conhecendo-se hoje a orientação política dos senhores destas plataformas é, no meu entendimento, urgente criar uma grande plataforma digital europeia, não se ficando a União Europeia pela regulação e pelas multas (veja-se o meu livro acima citado).
  13. Sobre as agências de rating, sendo que as três que contam (Fitch, Standard&Poors e Moody’s), todas americanas e com mais de um século de existência, dominam quase a totalidade do mercado de rating (cerca de 95%, que, por exemplo, em 2011, ascendeu a cerca de 46 mil milhões de dólares, qual a posição do PS sobre a necessidade de uma forte Agência de Rating na União (não sei se apostando eventualmente no reforço da jovem agência de rating alemã, Scope Ratings, já reconhecida pelo Banco Central Europeu), e atendendo ao forte impacto das avaliações de rating sobre a economia e as finanças dos países singulares da própria União (e das empresas), ao valor do financiamento das dívidas públicas e, finalmente, ao valor das taxas de juros, em geral?
  14. Sobre a EU, qual é a visão do PS sobre o desenvolvimento institucional da União, sobre o alargamento/aprofundamento da EU: a posição designada por constitucionalista ou a posição funcionalista e intergovernamental, tendo em consideração que foi o Tratado de Lisboa que veio contornar o chumbo, devido a dois referendos negativos na França e na Holanda (em 2005), da Constituição Europeia ou do Tratado Constitucional, cuja institucionalização estava já num processo avançado?

E tantas outras questões poderiam aqui ser colocadas, mas creio que para o objectivo do artigo estas serão suficientes. Assim elas tenham uma clara e positiva resposta, dando com isso um sinal prometedor.

5.

Estas são algumas questões que não se vê afloradas no imenso fluxo verborreico que corre diariamente nessa imensa cloaca tóxica das televisões (todas) e que cobrem uma vasta e diversificada área de intervenção do Estado, mas que, por isso mesmo, gostaria de ver respondidas pelo candidato (se não houver competição) à liderança do PS, de modo a que os militantes (os que forem votar se não houver competição, como, estranhamente, parece, pelas palavras que proferiu, ser desejado pelo Presidente do Partido) possam votar em consciência. Respondidas com convicção e com firme propósito de as pôr em prática. Através das respostas ver-se-á se o PS está preparado para clarificar a sua identidade política sem se limitar a cantar loas à sua nobre tradição e ao seu velho património ideal. Na verdade, talvez por ignorância minha, nunca dei conta de uma profunda clarificação ideológica do PS, equivalente à que foi tentada (e não conseguida) por Hugh Gaitskell, nos anos cinquenta, pelo SPD, em Bad Godesberg, em 1959 (e conseguida), ou por Neil Kinnock, John Smith e Tony Blair, em 1985, 1987 e 1994 (veja o meu artigo de análise crítica da posição de PNS no artigo: “A social-democracia e o futuro – Um debate necessário. A propósito de um pequeno ensaio de Pedro Nuno Santos” – link: https://joaodealmeidasantos.com/2018/05/11/artigo-2/). Clarificação muito necessária até porque no espaço do socialismo democrático há pelo menos duas tradições historicamente bem demarcadas: a da social-democracia e a do socialismo liberal. Uma, historicamente mais efectiva e generalizada, mas em profunda crise por todo o lado; a outra, menos praticada, mas com uma ampla e rica tradição, que vai da Stuart Mill a Hobson, de Hobhouse aos irmãos Rosselli, de Dewey a Bobbio e ao Partito d’Azione, mas na qual pode também ser incluído Eduard Bernstein  (veja o meu artigo sobre o socialismo liberal no link: “Afinal, o que é o socialismo liberal?” – https://joaodealmeidasantos.com/2023/09/27/artigo-122/).  E não é indiferente extrair de ambas algumas lições que possam ajudar a uma melhor clarificação da sua identidade e a uma sua revitalização, em período de crise, a que urge pôr cobro se não quisermos assistir a uma profunda regressão, agora que o mundo parece ter uma liderança que reduz a política a uma questão de puro exercício do poder, se for necessário com a força, e que poderá ter força para atrair, como já aconteceu no passado, o direita moderada. Há, sem dúvida, um filão doutrinário muito rico que pode ser revisitado, mas há sobretudo necessidade de alinhar a identidade do partido pela evolução da sociedade contemporânea, rompendo com a velha tradição de fazer política por inércia.

6.

Infelizmente, sempre se tem verificado que não há tempo para tratar dos assuntos de natureza estrutural porque sobrevêm combates que se sobrepõem a cada etapa interna e a sobredeterminam, impedindo a reflexão, as reformas internas, o debate e, cada vez mais, até impedindo uma saudável dialéctica interna para a revitalização do partido, com efeitos de crescente desilusão e indiferença dos próprios militantes. É, também, de novo, este o caso, com autárquicas e presidenciais no calendário. Mas foi também assim logo a seguir ao apressado abandono da maioria absoluta do PS para que António Costa pudesse rumar, sem entraves nem mancha ética, a Bruxelas, deixando uma herança de cuja trágica dimensão só agora nos estamos a aperceber na sua plenitude. Os famosos Estados Gerais de PNS, e de inspiração guterriana, nem sequer se iniciaram, devido à atracção irresistível por novas e miríficas eleições antecipadas, justificadas em nome da ingénua coerência do discurso do líder. A verdade é que a conquista do aparelho de Estado parece ter-se transformado numa caça ao tesouro que une toda a classe dirigente, mais para se resguardar das intempéries da vida (que só se vive uma vez) do que para mudar o país. A fuga ao combate autárquico em Cascais de Marcos Perestrello (a crer nas notícias que circulam e não desmentidas), dando lugar a uma infeliz candidatura do actual presidente da concelhia, é um mero e deplorável exemplo disso mesmo. E assim o PS se vai desgastando até à irrelevância. Vêem-se agora muito bem as consequências dessa atracção irresistível pelas eleições com a preocupação por uma eventual mudança constitucional que, pela primeira vez, poderá prescindir do PS, podendo mesmo acontecer que haja uma profunda e preocupante alteração do regime. Exemplo: a privatização da segurança social, com os riscos inerentes às inesperadas e não controláveis flutuações do mercado de capitais e dos tumultuosos fluxos financeiros internacionais, tudo numa gestão privada que não terá os instrumentos de que o Estado dispõe para evitar a desgraça dos pensionistas e dos que descontam. Isto chegou a um ponto tal que até parece que os dirigentes do PS já só podem rogar para que o PSD não traia a confiança constitucional que tem existido até hoje. E é o que, lamentavelmente, está a acontecer.

7.

O PS é, sim, uma marca de prestígio e, por isso, merece que se cuide dela antes de a voltar a pôr activa no mercado para disputar com sucesso a liderança. Bem sei que vivemos numa época em que as aparências parece dominarem a vida social, em que a política vive sobretudo da teatralização de programas e de actores, onde o Estado parece estar raptado por duas visões opostas, mas ambas erradas e perniciosas: o Estado paternalista e caritativo que se substitui à iniciativa da sociedade civil ou aquele que, depois de garantir minimamente as funções de soberania (ma non troppo), só serve para desviar do Estado recursos públicos para os mais poderosos e infinitamente ávidos de poder financeiro (esta, a dominante, actualmente). Duas visões estatistas, mas de sinal oposto. Ora, nisto, o PS ocupa um posição virtuosa porque matricialmente nem se identifica (deve identificar) com uma nem com a outra. E, todavia, tem acontecido que se tem desviado para a primeira em nome da glorificação e da heroicização da pobreza por contraposição a uma visão trágica do capitalismo e da riqueza, fazendo do Estado Social o seu único horizonte estratégico sem cuidar de garantir aquilo que o pode permitir, sem assaltar os bolsos da classe média, ou seja, a criação da tão execrada riqueza. Mas este seu desiderato, sendo legítimo, desde que moderado, eficaz e não paternalista nem caritativo, não pode ser o único porque muito maior e complexo é o caderno de encargos que um partido como o PS deve assumir e executar. Esta derrocada deveria servir para parar, pensar e tomar medidas de fundo corajosas: as que não pactuem com os mesmos de sempre, os que vivem enclausurados nas paredes do partido ou do Estado e que parecem incapazes de respirar cá fora. Não sei o que aí virá, mas suspeito. De qualquer modo votarei, mesmo que ninguém responda às questões que aqui deixo.

8.

Há um princípio básico que deveria estar sempre presente na mente dos que fazem política: ela deriva da sociedade civil e serve para resolver os seus problemas, não os de quem à política se dedica. Só indirectamente. O que não pode acontecer é uma inversão (ideológica) da realidade: ser a sociedade civil a servir o Estado, em vez de ser o Estado e os seus agentes a servirem a sociedade civil. O que é preciso é fazer crescer a sociedade civil, torná-la robusta, não é fazer crescer o Estado à custa da sociedade civil, do seu enfraquecimento, numa política sanguessuga, para depois aquele ser pasto de alimento para a oligarquia partidária. Mas eu sei que o PS está cheio dos que pensam ao contrário, com uma motivação perfeitamente errada: é que fazendo crescer o Estado (à custa dos que criam riqueza) pode depois ser devolvida essa riqueza aos que não a produzem, seja qual for a motivação, a causa, a razão. Em nome da pública e laica caridade. Sabemos bem onde levou o estatismo exacerbado e a economia de plano. A decadência da social-democracia deve-se também a este tipo de pensamento e de actuação.

NOTA

Para aprofundar a reflexão sobre o PS, aconselho estes dois artigos de minha autoria:

“PS – ENTRE O PASSADO E O FUTURO”. 
Link: https://joaodealmeidasantos.com/2023/11/21/artigo-130/

“CINQUENTA ANOS – E AGORA, PS?”. 
Link: https://joaodealmeidasantos.com/2023/04/18/artigo-98/

JAS@05-2025

Artigo

NOTA sobre o Artigo 
das quartas-feiras

Está escrito e ilustrado o Artigo que deveria publicar hoje e que tem como título:

“CADERNO DE ENCARGOS
O PS e o Futuro”
João de Almeida Santos

No entanto, decidi publicá-lo somente amanhã, quinta-feira, depois de serem conhecidos os resultados provisórios dos círculos eleitorais da Europa e fora da Europa (ou, pelo menos, a tendência dominante e já segura do voto).

Poderei assim ser mais concludente (e útil) na minha análise.

A ilustração do Artigo: “S/Título”. JAS 2025

Poesia-Pintura

VESTIDA DE CORES E DE LUZ

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “O Retrato”,
JAS 2022
(68X80, em papel de algodão, 
310gr, e verniz Hahnemuehle,
Artglass AR70, mold. de madeira).
Original de minha autoria.
Maio de 2025.

“O Retrato”. JAS 2022

POEMA: “VESTIDA DE CORES E DE LUZ”

VESTES CORES
Garridas
No palco
Do mundo
Em danças
De luz
Como quem grita
A beleza
Que levas
Dentro de ti...
..............
Beleza
Que me seduz,
Beleza
Que me sorri...

COBRES-TE DE TI
(Eu bem sei),
Agasalhas
A alma
E para mim
Sorris,
Repetindo
O teu rosto
Ao longo
Do tempo
Em tantos
Perfis.

DIZES-TE
Em arte,
Com aura,
Inspiração,
Num jogo
D’espelhos
Que me sabe
A sedução.

MAS DEPOIS
Regressas a ti
No fim
Desse sonho
Que te levou
Ao paraíso.
É a queda
De um anjo
Na rotina
Do viver
Onde lhe resta
A leveza
De um sorriso
Pra que possa
Renascer.

E EU SIGO-TE
E voo
Com poemas
Feridos
De cores vivas,
Ao rubro,
Versos roucos
De tanto te
Repetir
Cá de longe
Nesta triste
Melodia
Feita de
Murmúrios
De alma,
De doce
Melancolia
E de tentado 
Sorrir.

NÃO IMPORTA
Que a fuga
Para a boca
De cena
À procura
De autor
Que te conte
Ao mundo
Seja fuga
De ti própria
Para a luz
Da ribalta...
..............
Não m’importa,
Porque assim
 Já é luz
Que não me falta.

EU GOSTO
De te ver assim,
Luminosa,
Oficiante
Desse rito pagão
Que celebra
A arte
E a liberdade,
Qual pregão
A convocar
Para a festa
Da vida...
............
Para a festa
 Da saudade.

AH, COMO GOSTARIA
De te rever
Na praia
Da meia-lua,
No baile
Da meia-noite,
Em diálogo
Silencioso
Com luar
De lua cheia,
Cintilante,
A iluminar
Em pleno,
Lá de cima,
O teu rosto
De sereia,
A minha alma
De amante...

Artigo

A DERROCADA

João de Almeida Santos

“S/Título”, JAS 2025

PARA O PS, O RESULTADO DESTAS ELEIÇÕES só poderia ser este: a demissão de Pedro Nuno Santos (PNS). Cometeu o erro de, em nome da sua própria coerência, fazer o que Luís Montenegro (LM), seu adversário, queria: branquear com eleições o seu comportamento. E, de facto, branqueou e até aumentou em nove o número de mandatos (ainda não se conhece o destino dos 4 mandatos da emigração). O que até nem é grande coisa, se considerarmos que este resultado é inferior, em cerca de 2,5 pontos percentuais, à média geral dos resultados obtidos pelo PSD desde o 25 de Abril, ou seja, em 17 eleições. Mas serviu plenamente o objectivo de LM. E PNS acabou por pagar o preço final pela queda aparatosa que o PS sofreu. Há que reconhecer que não esperou que outros pedissem a sua cabeça (mas um deles, que nunca saiu da bolha partidária e que agora não sai das televisões, já o tinha feito): foi ele próprio que assumiu que não poderia reconhecer como primeiro-ministro alguém a quem não reconhece idoneidade moral para o cargo. Conclusão obrigatória para quem cultiva a coerência, que, como se viu, em política se pode transformar em rigidez fatal. PNS poderia ter assumido que, mesmo gravemente ferido, daria combate (como parece que irá fazer Mariana Mortágua), mas as vozes internas dos que há muito se distanciaram dele aumentariam de intensidade e tornariam o combate ainda mais difícil. Até porque aos erros cometidos (e foram muitos) e à deficiente organização do partido se junta uma crise que é estrutural e que afecta toda a social-democracia europeia. Que chegou aqui tarde, mas chegou. Esta, a primeira conclusão destas eleições.

1.

Depois, a catástrofe de, provavelmente, e pela primeira vez na história da nossa democracia, o PS passar a ser o terceiro partido no sistema de partidos português, ultrapassado por um recente partido da direita radical, se se verificarem os resultados de 2024 nos círculos da Europa e fora da Europa, onde o CHEGA obteve dois dos quatro deputados. É certo que em 1985 o PS, com António de Almeida Santos como candidato, obteve um resultado inferior, em percentagem, ao de domingo, cerca de 21%, mas tal facto tinha uma clara explicação: o surto do PRD (mas também em 1987, já com o PRD em queda, Vítor Constância viria a obter cerca de 22%). Inspirado na figura de António Ramalho Eanes, o PRD viria, naquelas eleições, a obter 18% dos votos, roubados no essencial ao PS. O PSD de Cavaco teve uma clara vitória, com cerca de 30%, se comparada com a derrocada do PS. Esta a segunda conclusão.

2.

O que se seguirá, depois disto, no PS, é motivo de preocupação. Em primeiro lugar, por não se vislumbrar (eu não vislumbro mesmo) eventuais sucessores capazes de inverter o ciclo de declínio, que parece ser estrutural, sobretudo porque me parece que a classe dirigente deste partido (toda ela) ainda não entendeu o que está a acontecer, num ambiente de progressivo esvaziamento do centro-esquerda por toda a Europa (o caso do SPD, na Alemanha, devia levá-la a reflectir). O PS tem, em boa parte, uma classe dirigente, por um lado, sem experiência de vida (é o que resulta do processo de gestação de uma parte significativa da classe dirigente a partir da juventude socialista) e, por outro lado, sem uma sólida cultura política que lhe permita sintonizar com a mudança, em vez de fazer política por inércia, repetindo mecanicamente lógicas e fórmulas ultrapassadas e não dando resposta às expectativas de uma cidadania que mudou profundamente de identidade. O que se vê são excessivos protagonistas de que não se conhece profissão e que toda a vida viveram e sobreviveram no interior da bolha partidária e das projecções institucionais que dela decorrem, sobretudo em períodos de vitórias eleitorais. Muitos há na primeira fila que nunca de lá saíram, conservando-se há décadas na bolha. Por outro lado, a endogamia é, também neste partido, muito intensa. Poderia referir nomes, mas não quero pessoalizar. Outras vezes o fiz, a propósito de malfeitorias cometidas no partido. Um exemplo? Acabar com o jornal de partido, desfigurando-o como uma simples secção de notícias do site do PS. Falo com total conhecimento de causa. Por outro lado, há muito que o PS desmantelou o pouco que tinha de estruturas onde ia acontecendo alguma reflexão sobre a política, ao mesmo tempo que foi fazendo política por inércia, não cuidando de preparar o complexo terreno do combate político quer no plano nacional quer no plano interno, vistas as profundas mudanças que estão a acontecer, designadamente no perfil ou na identidade do cidadão-eleitor. Isso vê-se com maior nitidez nos jovens. Na verdade, custa-me dizê-lo, mas o PS mais parece uma enorme federação de interesses pessoais do que uma organização bem estruturada e com um perfil doutrinário e estratégico à medida do tempo que vivemos. Basta fazer uma curta viagem pelos currículos dos dirigentes mais em vista ou uma análise mais fina das estruturas concelhias e distritais do partido. E o problema da organização é coisa séria, quer no que diz respeito à existência de sólidas e duradouras estruturas internas quer no que diz respeito à mobilização do seu enorme capital humano e profissional quer para o interior do partido quer para além dos muros do partido. Só que os que por lá andam “borrifam-se” para esse universo. Os que por lá andam desmultiplicam-se em cargos e impedem a introdução de sangue novo por receio de perderem os lugares e não terem para onde ir na sociedade civil. Não falo por falar ou por maledicência: é o meu partido, conheço-o razoavelmente por dentro e gostaria que tivesse ganho estas eleições. Mas tem de mudar de discurso, de protagonistas e de deixar que as eleições internas sejam transformadas em OPAs a uma empresa de sucesso que é preciso ocupar para garantir rendimentos.

3.

É por isso que quem vier liderar o PS deverá concentrar-se no próprio partido, antes de se lançar no combate contra os adversários políticos externos ou antes de transformar o “CHEGA” no seu principal adversário, tendo como resultado, como vem acontecendo, continuar a promovê-lo ao topo da agenda mediática e pública. Lembro-me bem da crítica que fiz quando decorreu a disputa pela liderança entre Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro – pouco ou nada sobre o partido disseram ou propuseram. O que considerei estranho num partido com a dimensão e as responsabilidades do PS e com tantas fragilidades internas claramente visíveis. O que se viu foi uma ideia de partido como pura máquina eleitoral que aspira a viver e sobreviver à custa do Estado. Até na sua visão interna tem sido estatista, por esta razão. Serve internamente quem nos garantir sobrevivência no interior do vasto e generoso aparelho de Estado. E, para além do crescente e preocupante discurso identitário e “politicamente correcto” que se vai instalando no seu interior, o que se vê como identidade programática própria é unicamente a ladainha inócua sobre um Estado Social em crise, numa versão cada vez mais de tipo “caritas”, esquecendo-se de que, afinal, foi um aristocrático conservador como Otto Bismarck que o lançou (Wohlfahrtsstaat – Estado do Bem-Estar), que a sua versão “caritas” ficou plasmada na doutrina social da Igreja (inspirada na encíclica “Rerum Novarum”) e que o famoso modelo social europeu assenta as suas raízes no Relatório  Beveridge, coordenado por um liberal, o economista inglês William Beveridge, nos anos quarenta. Pobre visão esta: ficar reduzida ao modelo social europeu, sem o repensar naquilo que urge fazer para o conservar, tornar eficaz e consolidar, e sem conseguir erguer outras bandeiras em sintonia com os tempos que correm. Exemplos? A eficiência do Estado (e que não seja somente no saque fiscal); a defesa generalizada dos cidadãos/consumidores perante os inúmeros oligopólios diante dos quais o cidadão singular está completamente desarmado (banca, telecomunicações, electricidade, combustíveis, centrais de consumo, etc.); o fim do assalto fiscal à cidadania (impostos directos e indirectos, taxas, multas, de uma dimensão absolutamente inaceitável); a distanciação de uma visão que eleva a pobreza a modelo heróico do seu discurso político como contraponto de uma visão trágica do capitalismo e da riqueza; ou, ainda, a aceitação passiva e sem sobressalto ético de duas categorias de cidadão: o da esfera pública e o da esfera privada, onde uns trabalham 35 horas e outros 40; onde uns têm emprego garantido para a vida e os outros podem ser despedidos a qualquer momento; onde uns correspondem a cerca de 750 mil e os outros, o da esfera privada, a mais de 4 milhões e meio. Mas estes são apenas exemplos perante a modorra intelectual de um partido que aspira a representar o futuro, conjugada com um descuido generalizado na preparação dos combates políticos. Basta ver como estão a ser preparadas as eleições autárquicas (o caso de Cascais é inacreditável) ou como foram escolhidos os deputados quer nas legislativas quer nas europeias e como foi decidida esta última ida a eleições legislativas (em nome de uma ingénua coerência relativa ao que, um ano atrás, dissera o secretário-geral). Com a impreparação política dos principais dirigentes, é muito fácil compreender o desastre do passado domingo e a vitória de um centro-direita também ele pouco qualificado e de duvidoso perfil moral. A vitória do PSD (porque é do PSD que se trata, e não desse cadáver adiado que é o CDS de Nuno Melo) não foi algo de que se possa vangloriar (aumentou 9 deputados ou 10, com os 2 círculos que falta apurar), quando a seu lado cresceu imenso uma direita radical anti-regime. Que provavelmente acabará por ter 60 deputados (se repetir os resultados de 2024).

4.

Mas é preciso reconhecer que estas eleições tiveram outros efeitos sobre a chamada esquerda. E que é necessário ter na devida consideração. Confirmaram a irrelevância do PCP (que perdeu um deputado, ficando com três), mas sobretudo avançaram no processo de extinção de um Bloco de Esquerda dirigido por uma radical capaz de assustar mesmo alguém que se considere de esquerda. Ficou reduzido a um deputado, tendo perdido eleitores para o partido unipessoal “Livre”, dirigido por uma espécie de frade, levado ao colo pelo establishment mediático e que já exibe, sozinho, o mesmo número de deputados do PCP, Bloco de Esquerda, PAN e JPP. O que é espantoso é o crescimento global da direita, com uma maioria qualificada no parlamento, em condições, pois, de alterar a Constituição da República. Uma situação que pode levar a uma perigosa viragem radical no nosso ordenamento constitucional.

5.

Há muito que venho alertando para os problemas com que o PS se confronta (veja-se o artigo “Estupefacção” e os 16 anexos, links, todos sobre o PS, que aqui publiquei em: https://joaodealmeidasantos.com/2025/01/22/artigo-187/#respond),  mas os que por lá andam têm mais que fazer do que ouvir os que, sendo militantes e com quotas pagas, fizeram as suas vidas a trabalhar sobre estas matérias e, em muitos casos, podendo exibir  também experiência política, além de uma sólida experiência profissional. O PS é um grande partido, tem quadros altamente qualificados no seu interior, mas tem vindo a ser gerido de forma pouco esclarecida, pouco eficaz e mal alinhada com o que de mais nobre este partido representa. De repente, surgem génios da política só porque um PM do PS os chamou à governação, despachando-os, depois, para o governo do PS, numa operação que já qui designei como “colonização” do partido pelas escolhas pessoais e discricionárias do chefe. Foi a surdez desta classe dirigente que levou a esta situação, mas também já só faltava saber quando é que a crise da social-democracia europeia iria cá chegar. Soube-se agora que já chegou. Mesmo no Reino Unido, onde o Labour de Keir Starmer governa, as recentes eleições locais parece não serem de bom augúrio, vistos os consistentes resultados obtidos pelo Reform UK do radical e protagonista do Brexit Nigel Farage.

6.

É tempo, agora, de reflectir seriamente sobre o futuro de um grande partido como é o PS. Farei a minha parte, para além do que já fiz ao publicar recentemente o livro Política e Ideologia na Era do Algoritmo (S. João do Estoril, ACA Edições, 2024), onde avancei com uma extensa análise da política actual, porque não sou indiferente à evidente crise do espaço político onde se inscreve a minha opção política. PNS foi atropelado pelos acontecimentos políticos de nível nacional e já nem pôde promover a reflexão colectiva que se impunha a um partido que cada vez mais está a precisar dela.  O que se espera é que os acontecimentos políticos que se seguem não sejam a desculpa para, uma vez mais, adiar o que se está a tornar cada vez mais urgente.  Que haja, pois, debate entre propostas políticas diferentes com protagonistas diferentes.

7.

Finalmente, parece-me justo deixar aqui uma pergunta que talvez nem precise de resposta: será Pedro Nuno Santos o único responsável por esta derrocada? A minha convicção é de que não é o único responsável por esta rápida evolução regressiva do PS, já que ela começou precisamente com o abandono de António Costa. Pedro Nuno Santos e o PS acabaram, assim, por ser as vítimas herdeiras da apressada partida de António Costa rumo a Bruxelas. JAS@05-2025

Poesia-Pintura

VOZES

Poema de João de Almeida Santos
Ilustração: “A Voz”
Original de minha autoria
18 de Maio de 2025

“A VOZ”. JAS 2025

POEMA – “VOZES”

O POETA
Ouve vozes
E diz
De si para si:
“Vozes de burro
Não chegam
Ao céu”;
Mas no meio
Dessas vozes
Há uma
Que lhe segreda:
“O caminho
A trilhar
Não é esse,
É o meu”.

FICA CONFUSO
O poeta
Pois gosta
Muito das vozes
Que vêm
Lá do alto
Do céu,
Que inspiram
Seus poemas
E nada
Lhe pedem
Em troca,
Nada lhe pedem
De seu.

ELE OUVE
A vozearia
Dos feirantes
Da verdade,
Por isso finge
Afasia
Porque neles
Não há
Vontade...
...........
Nem sequer
Biografia.

SOBE AO MONTE,
Desce ao vale,
Invoca a deusa,
Inspiração,
Mas nada encontra
Que o ajude
Na difícil
Decisão.

O QUE OUVE
São vozes
Que ao céu
Não chegarão.
Não são boas,
Essas vozes,
Porque nelas
Só encontra
Vã conversa
E altiva
Presunção.

MAS A VOZ
Que lhe sussurra
O caminho
A seguir,
Dizendo
Que vem do céu,
É a voz
Maliciosa
De um perfeito
 Filisteu.

E POR ISSO
Lhe responde
Em velada
Confissão:
“Eu não vou
Pelo teu caminho,
É melhor que vá
Sozinho
Numa outra
Direcção”.

E ASSIM O POETA
Cumpre
A missão
Que escolheu:
Segue
O caminho oposto
Ao da voz
Do Filisteu.

Artigo

REFLEXÕES SOBRE A CONJUNTURA

Em Tempo de Eleições

João de Almeida Santos

“S/Título”. JAS 2025

SUMÁRIO. 
1-2. Sobre a eleição do Papa 
Leão XIV e a reacção americana. 
3-4. O caso de Alternative fuer 
Deutschland e a reacção americana. 
5-10. As eleições legislativas 
de 18 de Maio de 2025.
1.

DOU SEGUIMENTO ao que escrevi no último Artigo sobre a eleição do novo Papa, que se viria a verificar no dia 8 de Maio, chamando a atenção para o que se iria passar: “A eleição do novo Papa, que começa hoje, com os ortodoxos em acção para evitarem a continuidade da linha do Papa Francisco”.

O que parece ter acontecido foi uma derrota em toda a linha dos ortodoxos, com a eleição de Leão XIV. Se o nome significar continuidade com o que representou Leão XIII – e significa, pelo que o Papa, entretanto, disse – isso representará uma grande atenção às “coisas novas” que estão a acontecer no nosso tempo, sobretudo no plano social, com a revolução pós-industrial e digital. A “Rerum Novarum”, de 1891, que pretendeu responder à fase da revolução industrial, é ainda hoje a bíblia da doutrina social da Igreja Católica e ela aconteceu (em 1891) poucos anos depois de Bismarck ter, nos anos oitenta do século XIX, inaugurado o chamado Estado Social. Mas este não será certamente um Papa ao estilo de Francisco. Isso pôde verificar-se logo na sua presença na “Loggia” central da Basílica de San Pedro, com os símbolos que sempre caracterizaram a figura papal na sua primeira aparição pública e que Francisco abandonara: a “mozzetta” vermelha, a estola pontifícia e o crucifixo em ouro. Ainda não se sabe se viverá no Palácio Apostólico (residência dos Papas desde 1870, com a excepção de Francisco), que deverá entrar em obras de reestruturação. Aguarda-se a decisão de Leão XIV para que se complete a simbologia ligada à tradicional figura do Papa. Mas o que já se viu indicia uma reposição (embora parcial, pois parece não integrar os clássicos sapatos papais) da simbologia abandonada teatralmente por Francisco, o que na altura (em 2013) deu lugar a fortes polémicas em Itália.

2.

Entretanto, o que se sabe é que os ultras do movimento MAGA, expressando, também aqui, o seu radicalismo, não ficaram satisfeitos com a eleição deste Papa, apesar de ser americano. Por exemplo, Steve Bannon ou Laura Loomer. Diz esta: “É anti-Trump, anti-MAGA, um woke a favor de fronteiras abertas. É um convicto marxista como o Papa Francesco. Os católicos não têm nada de bom a esperar: uma outra marioneta marxista no Vaticano”. Esta senhora, influencer, é muito chegada a Trump e uma ultra do MAGA. Está tudo dito. The show must go on.

3.

Novos desenvolvimentos sobre a declaração de Alternative fuer Deutschland (AfD) como movimento “extremista de direita”, com aquele partido a recorrer judicialmente, junto do Tribunal Administrativo de Colónia, contra o Departamento Alemão para a Defesa da Constituição (BfV) e este Departamento a suspender provisoriamente a classificação até que termine o processo judicial em curso. Lembre-se que esta classificação pode levar à suspensão do financiamento público do partido e até à sua ilegalização. Entretanto, as autoridades políticas máximas dos Estados Unidos, Trump e Marco Rubio, além do incontornável Musk, já declararam, pela voz de Rubio, a Alemanha como uma “tirania disfarçada” e não como uma democracia.  Já não o fazem por menos. A declaração foi de Rubio, Secretário de Estado: “Germany just gave its spy agency new powers to surveil the opposition. That’s not democracy – it’s tyranny in disguise”. Clara manifestação de apoio à AfD, que, entretanto, já mereceu uma resposta do MNE alemão: “This is democracy. This decision is the result of a thorough & independent investigation to protect our Constitution & the rule of law. It is independent courts that will have the final say. We have learnt from our history that rightwing extremism needs to be stopped”. Pelos vistos, a trupe da Trump nada aprendeu com a história.

4.

Preocupante é que os protagonistas institucionais do maior ataque até hoje desferido contra a democracia americana venham fazer declarações públicas deste jaez, sem pingo de vergonha. Acresce a estranha declaração de Trump sobre a Constituição americana, não saber se tem o dever de a respeitar, esquecendo-se do juramento que fez na tomada de posse como Presidente dos Estados Unidos da América, ou seja, que: “I do solemny swear that I will faithfully execute the Office of President of the United States, and will to the best of my Ability, preserve, protect and defend the Constitution of the United States”.

5.

Por cá, entre nós, há um aspecto importante que merece ser sublinhado: já enjoa o que se vê e se ouve nas televisões, a um ponto tal que julgo ser acertado dizer que se tornaram verdadeiramente tóxicas. Sim, tóxicas e fontes de desinformação. Uma verdadeira intoxicação nacional. Elas tornaram-se o espaço decisivo onde está a decorrer a campanha eleitoral, com montes de intérpretes (os famosos comentadores), sem qualificação que se lhes conheça, a explicarem aos telespectadores o significado do que estes também vêem, sabem e viram. As televisões já não são espaços de informação, mas espaços de opinião mal-amanhada. Os programas dos partidos são ilegíveis, pela montanha de páginas que tudo dizem e nada explicam. O conjunto dos programas dos partidos com assento parlamentar, a saber, PSD/CDS (AD), PS, Chega, IL, Livre, BE, PCP, PAN, corresponde, nada mais nada menos, a 1452 páginas. Repito, por extenso: mil quatrocentas e cinquenta e duas páginas. Algum eleitor lerá, como, em tese, deveria, dada a importância da decisão eleitoral, estas páginas? O que sobra, pois, são fórmulas publicitárias e, como disse, os “pistoleiros” (sobretudo) televisivos de serviço a tentarem convencer o eleitor de que a verdade está do seu lado e das forças políticas e interesses que representam. Nem vale a pena dar exemplos, de tão evidente e amplo ser este fenómeno. Mas a verdade é que, em tese, os eleitores deveriam conhecer os programas dos partidos, conhecer os candidatos que aspiram a ser eleitos e os estatutos dos partidos que se apresentam a eleições e nos quais se vota. Todos, todos, todos, para uma decisão reflectida e argumentada. Mas, assim, estaríamos quase ao nível de um pequeno curso profissional, tendo em consideração a dimensão dos documentos (1452 páginas só para os programas dos partidos com assento parlamentar) e do trabalho de investigação sobre os candidatos (e não só sobre os líderes). Na prática, nada disto acontece, mas tenho a certeza de que os “comentadores” leram tudo.  O que, entretanto, sobra, para o vulgo, ou seja, para todos nós, são vagas impressões, o impacto da propaganda e um impreciso sentimento de pertença. A informação sobre o que está em causa é o que menos importa. A consolação que nos resta é a de que sempre temos quem se informe por nós e nos instrua acerca da decisão que todos devemos tomar.  Alguém duvida de que Ricardo Costa, Bernardo Ferrão ou a senhora Ângela Silva leram todos os programas, todos os estatutos e as biografias de, pelo menos, 230 dos inúmeros candidatos? Eu não. Amen.

6.

Só o Bloco de Esquerda apresentou um Manifesto eleitoral de dimensão reduzida: dezasseis páginas (mas não sei se tem um programa eleitoral com 200 ou 300 páginas). Portanto, um documento acessível e legível. Fui lê-lo e o que vi? 1) Habitação – resolução administrativa de um grave problema económico estrutural; 2) Trabalho – trabalhar menos e ganhar mais, antecipação da idade de reforma e, se possível, acabar com os turnos nocturnos (visto que representam uma inversão do ciclo natural da vida) ou remunerá-los e regulamentá-los melhor; semana de trabalho de 4 dias, salário mínimo de 1000 euros (já em 2026) e reforma aos 40 anos completos de contribuições; 3) Riqueza – acabar com os super-ricos e distribuir a riqueza por todos; 4) Impostos – imposto sobre as grandes fortunas (acima de 3 milhões de euros) e imposição de um leque salarial; 5) Público versus Privado – privilegiar o público contra o privado (hospitais, TAP, CP); fim das privatizações e da exploração mineira rejeitada pelas populações; 6) Energia – transição ambiental até 2030, renacionalizar as empresas privatizadas, transportes públicos gratuitos em todo o país, travar a exploração extractivista, as indústrias poluentes e reflorestar o país; 7) Contra a extrema-direita – pelos direitos das mulheres e das pessoas com deficiência e acesso ao aborto seguro; 8) Imigração – contra o racismo estrutural (um saborzinho a woke); 9) Serviço Nacional de Cuidados – para protecção das crianças, idosos e pessoas com  deficiência; 10) Digital: segurança e protecção contra o cyberbulling  das grandes plataformas digitais e serviços públicos digitais; 11) Internacional – contra a Rússia, Israel e USA, contra o rearmamento europeu à custa do Estado Social, a favor da Palestina e do Saara ocidental, devendo a UE aceitar a soberania dos seus Estados e organizar-se militarmente fora da NATO e do controlo americano. No essencial é isto. E li e escrevi tudo isto em cerca de uma hora e vinte e cinco minutos.

7.

Ao menos, o Bloco diz claramente ao que vem e de forma directa, simples e acessível. Há ali propostas partilháveis, mas a filosofia de fundo não o é, pelo seu radicalismo, irrealismo e impraticabilidade. Por exemplo, não me parecem possíveis transportes públicos nacionais gratuitos, semana de 4 dias (mas o governo do PS andou a estudar isto), resolver o problema da habitação por via administrativa e impositiva. Por exemplo, a proposta de bloquear administrativamente as rendas corresponderia a uma contracção do mercado de arrendamento cuja expansão parece ser, no meu entendimento, a solução para o problema da habitação (preço para venda das casas e rendas). Mas o que quero sublinhar (sem discutir o programa, com o qual não concordo) é que se esta dimensão do programa é aceitável, seria também desejável evidenciar o “princípio activo” de cada solução para os principais problemas do país, a respectiva causa e a correspondente solução, sem aumentar a dimensão do documento. Só escreve muito quem não tem clareza de análise. Mas, repito, o princípio está certo, embora o conteúdo não seja aceitável na sua maior parte nem explicado no essencial, no que interessa. O manifesto também é muito elucidativo pelo que não diz. Mas esse é outro assunto.

8.

Em termos gerais, é provável que o resultado destas eleições não altere significativamente a situação que temos neste momento. E, se assim for, haverá que perguntar o seguinte: por que razão fomos para eleições, se isso já era previsível, dada a progressiva fragmentação do sistema de partidos? Fomos para eleições para branquear o comportamento de Luís Montenegro (solução PSD)? Ou fomos para eleições para punir Montenegro (solução PS)? É que a causa das eleições foi exactamente o comportamento de Luís Montenegro, tendo, todavia, sido possível evitá-las através da abstenção do PS. Na verdade, vamos para eleições legislativas como quem vai para um plebiscito travestido: na causa está inscrita a consequência (que, neste caso, é incomensuravelmente maior).

9.

Se o resultado for a vitória da AD, então esteve mal Pedro Nuno Santos ao fazer a vontade a LM e ao não se abster para que não houvesse eleições e para que fosse apurado (por uma CPI) tudo o que houvesse a apurar? Se, pelo contrário, o PS ganhar as eleições e conseguir formar governo, então elas teriam sido benéficas porque teriam correspondido à vontade de os eleitores afastarem LM da chefia do governo?  Sempre de um plebiscito se trata, qualquer que seja o resultado. Mas eu creio que há uma gigantesca desproporção entre a causa que motivou as eleições e a sua consequência, porque o comportamento de uma pessoa concreta nunca deveria ser causa de um processo desta dimensão: decidir quem irá governar o país (apesar da cada vez maior hiperpersonalização do sistema político). Disse-o em relação ao abandono de António Costa e digo-o agora. O PR, o Ministério Público, o PSD, o próprio e a oposição tudo deveriam ter feito para confinar o processo à pessoa de LM e agir em conformidade. Retirá-lo ou não de cena. E isso poderia ter sido feito através de uma CPI. O país é maior do que LM ou do que PNS e ao terem decidido chamá-lo a votos em razão de um comportamento individual deram um grave sinal de desvio daquilo que um país deve sempre preservar – a robustez e a centralidade das instituições em face da fragilidade e da precariedade dos seus intérpretes. O PR esteve mal ao não nomear um outro PM quando a confiança foi negada a este, tendo em consideração a causa da recusa de confiança pelo Parlamento. E o PSD também. As eleições legislativas não podem ser transformadas em plebiscito sobre uma pessoa, seja ela quem for. De resto, a CPI, ao tornar mais claro e fundamentado aquilo que já se sabe, iria certamente obrigar o próprio Ministério Público a investigar o caso. Acresce ainda que, chegados aqui, um qualquer partido político poderia e deveria perguntar ao Presidente da República por que razão mantém ilegalmente em funções o actual PGR, escolhido precisamente por Montenegro (veja-se a Lei 68/2019, de 27.08, os art.s 13 e 193, que não deixam margem para dúvidas). Tudo em nome da sanidade do nosso sistema político. E os plebiscitos são realmente de má memória.

10.

Na verdade, o que teremos no próximo domingo é um teste civilizacional e de maturidade democrática ao nosso país. Já que foram chamados a isso, saberemos se os portugueses aprovam o comportamento de um primeiro-ministro que continua a sua actividade de lobbing remunerado, sendo primeiro-ministro, abrindo, assim, as portas a um futuro onde vale tudo, onde a política é o canal aberto, seguro e legítimo para facturar usando a rede de influências construída na política e com os cargos institucionais entretanto desempenhados. Se a resposta for positiva, depois disso, quando se falar de corrupção, a única reacção legítima será a de uma sonora e resgatadora gargalhada. JAS@05-2025

Poesia-Pintura

O JASMIM

Poema de João de Almeida Santos
Ilustração: “Rapsódia”
JAS 2025
Original de minha autoria
Maio de 2025

“Rapsódia”. JAS 2025

POEMA – “O JASMIM”

FLORESCEU O JASMIM,
Dele jorra poesia,
Embriaga,
O seu aroma,
Esparso
Pelo jardim,
E liberta
A fantasia.

DOU ÀS PALAVRAS
A cor
E o seu perfume
Ilumina,
Bate o sol
Nas suas pétalas,
É luz intensa
Que brilha
No poema que
Germina.

JÁ NÃO É SÓ
O loureiro,
Agora canto
O jasmim,
É tão vivo
O seu perfume
Que transborda
No jardim.

INUNDO-ME
Também eu
De palavras
Com perfume,
Canto a cor,
Invoco a musa
Para subir
Ao seu céu,
Do perfume
Levo o sabor
Que também é
Um pouco meu.

SOU ÍCARO
Lá no alto
E se o sol
Me incendeia
Por voar
Em altura
Proibida
Caio logo
Do poema
No chão frio
Desta vida.

PEÇO AJUDA
Ao jasmim,
Volto a subir
Com alegria,
Lá no alto
Eu renasço
E regressa
A poesia.

E VOLTO
A encontrar
O jasmim
Mesmo ao lado do
Loureiro,
Respiro fundo
Os aromas
E torno-me
Seu jardineiro.

E ASSIM EU VOU
Vivendo
No jardim 
Da minha vida
Em poemas
E pintura...
....................
E quando a tristeza
Regressa...
Que seja esta
A cura.

Artigo

TEMPOS DIFÍCEIS

João de Almeida Santos

“S/Título”. JAS 2025

NÃO FALO DA GLOBALIZAÇÃO, de repente formatada de acordo com as idiossincrasias de um indivíduo que, governando o mais poderoso país do mundo, vê o planeta à escala do seu umbigo – um senhor chamado Donald Trump. Não falo do quase colapso de uma grande democracia como é, ou era, a americana. E não falo da guerra territorial do novo czar russo a um país independente com mais de 40 milhões de habitantes e mais de 600.000 km2 de território. Nem da pandemia universal que paralisou o mundo. E muito mais haveria a dizer por quem acha, e com razão, que estamos a viver tempos difíceis. Não, eu prefiro falar do  que está a acontecer no nosso país.

1.

Falo do apagão de 28 de Abril e da incompetência do governo de Luís Montenegro (LM), que se reuniu, não para resolver o que quer que fosse, mas para combinar o que haveria de dizer quando a REN tivesse o problema resolvido. O episódio dos jerricãs com gasóleo para a Maternidade Alfredo da Costa diz tudo. Foi certamente para isso que a senhora Ministra do Ambiente esteve a trabalhar 24 horas, ininterrupta e silenciosamente, entre as 11:33 e as 11:30 do dia seguinte. Dizia-me um Amigo meu, empresário, que nem sequer se lembraram de aprovar uma deliberação do Conselho de Ministros que permitisse, provisoriamente, a circulação de mercadorias (por exemplo, as de bens alimentares perecíveis) sem os documentos requeridos, mas com apresentação subsequente depois de regularizado o funcionamento do site da Autoridade Tributária (que, pelos vistos, ainda continua instável, como noticiava o jornal “Público” de ontem, na pág. 24). O meu Amigo só pôde reiniciar a sua actividade quando o site da AT ficou disponível, ou seja, dois dias depois do apagão. Mas também não tive conhecimento de informações oficiais ao longo do dia – mas ressalvo, claro, as que a senhora Ministra do Ambiente não podia dar porque estava a trabalhar denodadamente -, ao contrário dos habituais conselhos da Protecção Civil para me agasalhar se estiver frio, de usar guarda-chuva se chover e dos infinitos avisos arco-íris sobre o tempo que fará ou que não fará. Coisa, de resto, muito fácil: hoje, é aviso laranja, estejam atentos e, se faltar a luz, acendam velas, mas com cuidado! Muito mais eficiente fora o governo a anular os festejos do 25 de Abril porque morrera o Papa, fazendo entrar a liberdade de luto, ainda que, ao aperceber-se de que Portugal é um Estado laico e de que as críticas choviam de todo o lado, tivesse feito (parcial) marcha atrás no que ainda era possível. Sobrou para o Primeiro de Maio a festa nos jardins de S. Bento, com o sugestivo nome de “S. Bento em Família” (a lembrar as “Conversas em Família” do então inquilino de S. Bento, Marcello Caetano) com cultura a rodos: a dupla Tony Carreira/Luís Montenegro, o “Cante” alentejano e os “Pauliteiros de Miranda”. Só lá faltou um rancho folclórico de Espinho. Isto, sim, que é cultura – “Vira que vira, / Canta que canta, / Isto é qu’é bom, / Antes da janta”.

2.

Entretanto, vamos para eleições porque ficou em causa a seriedade do primeiro-ministro. Foi esta a causa, como se sabe. Mas ele acha sinceramente que não, apesar de receber avenças de várias empresas (por interposta família, mulher e filhos), sendo primeiro-ministro. A empresa era (é) ele, a morada era a sua, o telefone também, site não havia e de competências e de funcionários também não dispunha. E parece que também não havia contratos. Que raio de empresa era esta? A empresa era ele, o político que é eficaz a gerir expectativas a seu favor. E está casado em comunhão de adquiridos com a senhora a quem passou a titularidade da empresa (além dos filhos de ambos). Umas horas antes do debate com Pedro Nuno Santos ficou-se a conhecer o nome de várias empresas com quem Luís Montenegro teve negócios e cuja relação com o Estado terá atingido 278 milhões, sendo 112 milhões durante o período em que foi primeiro-ministro, segundo as contas feitas pelo “Expresso” (02.05.25). Soube-se da informação que o próprio prestou à Entidade para a Transparência (EpT) no dia anterior ao debate com Pedro Nuno Santos e sabe-se agora que, afinal, esta transparência não devia ser transparente, ou seja, acessível aos meios de comunicação social e aos cidadãos. Pelos vistos, a palavra “transparência” não significa o que vem nos dicionários de português e o art. 16.º do Estatuto da EpT (Lei orgânica 4/2019, de 13.09), que diz que as declarações são públicas, não está em vigor. Ou seja, não se trata de uma entidade para a transparência, mas de uma entidade para a ocultação de rendimentos e de prestação de serviços (pelo menos, até que o processo eleitoral, em curso, termine). “Iremos até às últimas consequências”, disse, a própósito, um tal Hugo (Soares ou Carneiro, não interessa, que são farinha do mesmo saco), verdadeiro paladino da transparência (de outros). O mesmo que não tem sido pródigo na crítica à catadupa de segredos de justiça regularmente divulgados pela imprensa. Esses, sim, crimes, nos termos da lei.

3.

A verdade é que outros clientes de Luís Montenegro têm sido divulgados pelo próprio. Qual é, pois, o problema de serem paulatinamente divulgados mais uns tantos? Este tipo de divulgação não me parece que esteja proibido (são já muitos os advogados que sustentam esta tese, que, de resto, é evidente, nos termos da lei e a começar logo pelo nome da respectiva Entidade), até porque não toca em aspectos sigilosos profissionais (como, por exemplo, a ficha médica de um doente ou a reserva no exercício da advocacia). Mas não, pois, pelos vistos, já se pretende investigar as fontes que terão transmitido aos jornalistas informações não proibidas pela lei e, bem pelo contrário, legalmente disponíveis para conhecimento público. Entretanto, que diferença há entre o Grupo Solverde e o Grupo Trivalor para divulgar um e não o outro (mais concretamente, a Itau e a Sogenave)? Só porque um pagava avenças regulares e o outro (que se saiba) não? Não se entende a posição do Hugo (Soares ou Carneiro, pouco importa) e de outros sobre este assunto, a não ser para desviarem a atenção (“cortina de fumo”) do verdadeiro conteúdo revelado. Por exemplo, que o famoso gasolineiro de Braga, o tal que pagou 194 mil euros (mais IVA) para LM lhe “reestruturar” a empresa, tem mais duas empresas clientes da Spinumviva (duas áreas de serviço), sempre segundo o “Expresso” (veja-se o excelente artigo deste semanário, da autoria de Liliana Valente e de Michael Pereira, na página 14 da edição de 02.05.25). Mas soube-se também, e isso é que é importante, depois do debate com Pedro Nuno Santos, que Luís Montenegro é um gigante da ética e das coisas sérias (com certificação logo exibida publicamente pelo campeão da ética, Cavaco Silva, o do BPN e da casa da Coelha). O que se sabe também, é que LM tudo fez para que a sua nova declaração à EpT não fosse conhecida antes do debate com Pedro Nuno Santos (mas o apagão trocou-lhe as voltas) e que essa informação ficasse retida nesta Entidade até depois das eleições (mas foi descoberta e publicada pela imprensa). Mas talvez o próprio ache sinceramente que tudo isto é normal e que, daqui para a frente, com a legitimação eleitoral, o primeiro-ministro passe a poder a receber avenças sem qualquer problema, desde que o “gabinete de avenças” não funcione no Palacete da Rua da Imprensa à Estrela. Para que isto não seja possível, o que se espera é que o eleitorado mostre lucidez (não a que referem Ferreira Leite ou Marques Mendes) e não certifique, com o voto, este tipo de comportamento, não lhe devolvendo a confiança que o actual Parlamento lhe negou por uma quase maioria qualificada (cerca de 62%). Porque o que era preciso saber já se sabe. E até acho mais: que a natureza desta empresa é muito diferente – ao contrário do que diz Pacheco Pereira, no “Público” da passada sexta-feira – de um “centro de infuência” (rede externa ao poder), pela sua identificação exclusiva com um só personagem e com a sua morada e telefone privados (de LM). A definição mais ajustada seria, pois, a de um político lobista que actua de forma disfarçada para benefício próprio, usando como disfarce um nome de empresa. Nada tenho contra o “lobbing” (quando for reconhecido, regulamentado e legal, como por exemplo, nos Estados Unidos), o problema é que a figura do lobista neste caso coincide com a de um primeiro-ministro em funções.

4.

Qual é, pois, a causa destas eleições? A questão da seriedade de LM, do autodenominado paladino das coisas sérias e da ética. Disso ninguém pode duvidar porque foi por isso mesmo que o parlamento lhe retirou a confiança, a ele e, lamentavelmente, ao seu próprio partido (não falo do CDS porque esse e o seu risível líder pertencem à literatura Lilliput). Mas foi ele que, sabendo que não lha iriam dar, quis, mesmo assim, confirmar no parlamento que não lha dariam, avançando a toda a velocidade para eleições na esperança de que, arregimentando as tropas, como é habitual nestes casos, o voto popular lhe devolvesse a confiança que o Parlamento lhe retirou. Na esperança, pois, de que o voto venha branquear uma conduta claramente reprovável, comprovada abundantemente por notícias mais do que suficientes e que não só não foram desmentidas, como até foram confirmadas pelo próprio. O resto é fumo interpretativo para enganar o freguês eleitoral.

5.

Em rigor, nem se deveria discutir mais nada. Apenas a seriedade de alguém que recebeu avenças (directamente ou por interposta pessoa) enquanto era PM. Sinceramente, nem vale a pena discutir políticas porque elas nada dizem para além do que já sabemos (entretanto, soube-se, por palavras de LM, de que, noutro mandato, possa vir a privatizar a segurança social). Foi por isso que fizeram um programa eleitoral de 277 páginas. Para que ninguém as leia, nem sequer os candidatos a deputados. Na verdade, trata-se de um imenso cardápio que ninguém lê e que não explica o que quer que seja. Uma longa e pretensiosa conversa que não esclarece o leitor porque não diz qual é a “causa causans” de cada um dos grandes problemas do país nem o “princípio activo” da respectiva solução. Quem não quer ou não sabe explicar qual é o “princípio activo” das soluções (medicamentos) para os principais problemas do país publica cardápios de 277 páginas e não enuncia esses “princípios”. Lê-los é como estar a ler um enorme e pretensioso dicionário que fala eloquentemente de tudo sem dizer nada. Se virmos o caso da habitação, a solução (entre inúmeras e não hierarquizadas medidas) parece consistir na oferta pública de habitações (PSD e PS), além de o Estado ser também fiador para quem compra (no caso, os jovens até 35 anos – PSD), aumentando a procura e os inevitáveis efeitos sobre os preços. Entretanto, soube que no primeiro trimestre de 2025 entraram no mercado de arrendamento mais 49% de casas do que no período homólogo de 2024, o que, em parte, põe em crise o discurso do bloco central, convergente nesta área (dados que constam num artigo do professor Miguel Romão, no DN de 30.04.25, e que julgo ser elucidativo). Bem sei que isto não está a ter efeitos na baixa de preços e não supre a carência de habitações, mas deve suscitar uma reflexão diferente da que está a ser feita, retirando daí consequências. Mas de que uma efectiva expansão do mercado de arrendamento seja provavelmente o “princípio activo” da solução não se fala, sequer como hipótese, preferindo uma generalizada política “caritas” ou uma verdadeira “economia de plano” para o sector.

6.

Pelo menos, o PS publicou um cardápio com menos 42 duas páginas, o que, como é obvio, é igualmente desviante, por excessivo. Mas sobre a habitação alinha pela mesma bitola do PSD, o que, no meu entendimento, é errado, como também é errada a imposição administrativa de tectos às rendas, como quer a deputada e líder do Bloco, Mariana Mortágua. O estatismo na sua mais exuberante manifestação: resolver os problemas da economia por via administrativa, até que venha uma perestroika à portuguesa. Tenho a convicção profunda de que só a forte expansão do mercado de arrendamento  (a tal causa causans) poderá produzir efeitos consistentes quer no próprio arrendamento quer no preço das casas para venda, o que, todavia, exige medidas inteligentes e coragem por parte do Estado, designadamente em matéria de impostos (e procedimentos) quer sobre quem arrenda quer sobre a construção, rompendo com a velha lógica do “se pago menos ao banco do que ao proprietário do imóvel, então endivido-me, por trinta anos, compro e, no fim fico com a casa”. Esta é, de resto, uma das causas do preço das casas: o crescimento desmesurado da procura (para compra) que torna mais cara a oferta, numa subida insustentável dos preços das casas, na compra e, já agora, no arrendamento. Isto é apenas um exemplo. E não falo dos efeitos de rigidez sobre o mercado de trabalho. O que, de facto, não é necessário é a lenga-lenga retórica dos intermináveis programas que nada explica e que, depois, acaba por resultar em nada. Como se vê.

7.

Na verdade, agora, que entrámos na campanha eleitoral, entre cardápios gigantescos que ninguém lerá (os dois programas dos partidos que aspiram a governar o país somam mais de 500 páginas) e frases e imagens de mero efeito retórico (sobretudo televisivo), que nada dizem, para impressionar o eleitorado, o que temos é um enorme vazio no diagnóstico rigoroso dos grandes problemas e das respectivas soluções, o que indicia que continuaremos a navegar à vista, acumulando problemas e, na medida do possível, deitando sobre eles montanhas de dinheiro, que vem ou da União Europeia ou dos impostos cobrados aos cidadãos. De resto, a eficiência do Estado em Portugal concentra-se somente numa área: a da cobrança de impostos, de taxas e de multas na circulação rodoviária. Quanto ao resto, é o que se tem visto. Amen, agora, que começou o Conclave.

 ASSUNTOS A SEGUIR 
COM MUITA ATENÇÃO
  1. A eleição do novo Papa, que começa hoje, com os ortodoxos em acção para evitarem a continuidade da linha do Papa Francisco.
  2. A situação política no Reino Unido, onde a direita de Nigel Farage, Reform UK, teve um significativo sucesso nas recentes eleições locais da passada quinta-feira (estavam em jogo 1600 representantes locais, seis câmaras locais e até um lugar no Parlamento), em prejuízo dos conservadores e dos trabalhistas.
  3. A situação política na Alemanha, onde o partido Alternative Fuer Deutschland (AfD), de Weidel e Chrupalla, acaba de ser formalmente declarado organização “extremista de direita” pelo Gabinete Federal de Protecção da Constituição, justificada numa informação com mais de 1000 páginas, com graves implicações que podem ir até à limitação do acesso ao financiamento público e mesmo até à sua ilegalização. Situação deveras preocupante. JAS@05-2025.

Poesia-Pintura

O JASMIM

Poema de João de Almeida Santos
Ilustração: “Rapsódia”
JAS 2025
Original de minha autoria
Maio de 2025

“Rapsódia”. JAS 2025

POEMA – “O JASMIM”

FLORESCEU O JASMIM,
Dele jorra poesia,
Embriaga,
O seu aroma,
Esparso
Pelo jardim,
E liberta
A fantasia.

DOU ÀS PALAVRAS
A cor
E o seu perfume
Ilumina,
Bate o sol
Nas suas pétalas,
É luz intensa
Que brilha
No poema que
Germina.

JÁ NÃO É SÓ
O loureiro,
Agora canto
O jasmim,
É tão vivo
O seu perfume
Que transborda
No jardim.

INUNDO-ME
Também eu
De palavras
Com perfume,
Canto a cor,
Invoco a musa
Para subir
Ao seu céu,
Do perfume
Levo o sabor
Que também é
Um pouco meu.

SOU ÍCARO
Lá no alto
E se o sol
Me incendeia
Por voar
Em altura
Proibida
Caio logo
Do poema
No chão frio
Desta vida.

PEÇO AJUDA
Ao jasmim,
Volto a subir
Com alegria,
Lá no alto
Eu renasço
E regressa
A poesia.

E VOLTO
A encontrar
O jasmim
Mesmo ao lado do
Loureiro,
Respiro fundo
Os aromas
E torno-me
Seu jardineiro.

E ASSIM EU VOU
Vivendo
No jardim 
Da minha vida
Em poemas
E pintura...
....................
E quando a tristeza
Regressa...
Que seja esta
A cura.

AS PALAVRAS ESCONDIDAS NOS TEUS RISCOS

Poema de João de Almeida Santos
Ilustração: “O Jardim e a Janela”
(JAS 05.2025)
Original de minha autoria
Maio de 2025

“O Terraço e a Janela”. JAS 2025

POEMA – “AS PALAVRAS ESCONDIDAS NOS TEUS RISCOS”

ENCONTRO-TE
Sempre
Num acaso
Marcado
Pelo destino,
Olho-te
De frente
Só com palavras
E afago
As tuas mãos
Nos traços
Com que desenhas
O infinito.

ÀS VEZES,
Olho-te nos olhos,
Em silêncio,
Com palavras,
Sempre com
Palavras,
Em surdina,
Timidamente,
Com um brilho
Interior
Que não se vê,
Mas se pressente.

AH, COMO GOSTO
Desse teu rosto,
Linha de arte
Saída de ti,
Subtil,
Desse sorriso
Cúmplice,
Que inebria,
E do teu perfil,
Que alumia.

DIGO-TE
Palavras,
As do momento,
Sobre o sol
Ou sobre a chuva,
Sobre as nuvens,
Sobre o vento...

E SINTO-TE
Como quando
Te vi
Pela primeira vez
Do meu jardim
Sem te revelar
Que fugiria contigo
Da rua proibida
Para o abrigo
Da poesia
Onde te fui
Encontrar.

SE TE PERCO,
Chega, rápida,
A saudade
Que já espreitava,
Dorida,
Nesse teu olhar
De eterna
Despedida,
A sonhar.

ENTÃO ENVIO-TE
Sinais
E construo,
Palavra a palavra,
Um longo poema
Com coisas
Que parecem
Triviais.

SE NÃO FOSSE POEMA
Temeria o excesso
De palavras
E perder-te
De vez
Nas tuas fugas,
Nesses voos
Sobre as aguarelas
Com que agarras
Os céus
Da tua alma.

E EU FICASSE
Como folha branca
Caída,
No outono
Do meu afecto,
Do desejo
De sonhar,
E deixasse
De fazer riscos
À procura
De palavras
Que podiam
Nunca chegar...

MAS, POR ISSO,
Continuo
A procurar-te
Na arte,
Nas palavras,
Nas curvas
Apertadas da vida
Que estão cheias
De poesia
E de ti,
Daquilo que nunca
Será dito,
Mas vivido
Nesse intervalo
Onde as palavras
Se aninham
À espera do tempo
Que já se foi
E não volta
Nunca mais.